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Pesquisa na quarentena

“Estou morrendo de saudade do mar”

Sem sair de casa, o oceanógrafo Michel Mahiques planejou e acompanhou o resgate de equipamentos do fundo do oceano em junho

Michel Mahiques no escritório de sua casa, em São Paulo

Arquivo pessoal

Como vários de meus colegas do IO [Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo], estou morrendo de vontade de ir para o mar. Não embarco desde novembro do ano passado. Estou aguado. Meus alunos de iniciação [científica] e pós-graduação me perguntam quando vamos embarcar e tenho de dizer que não sei. Só quando essa pandemia acalmar ou passar.

Passei um mês de muita tensão para resolver um grande problema. Tenho um projeto com a Universidade Federal de Santa Catarina e precisávamos retirar uma série de equipamentos colocados no fundo do mar, entre São Sebastião e a divisa do Rio de Janeiro com o Espírito Santo, a um dia de navegação da costa. Era urgente porque a bateria dos equipamentos poderia acabar e aí a gente perderia comunicação com eles. Para resgatá-los, mandamos um sinal, eles recebem, liberam uma boia e sobem. Eram sismógrafos e outros aparelhos usados para medir correntes ao longo da coluna d’agua. Alguns estavam a mais de 2 mil metros de profundidade.

Organizar um cruzeiro já é complicado, por toda a faina, e dessa vez foi muito mais difícil. Passamos um mês planejando. Pretendíamos usar o navio Alpha Crucis, mas uma semana antes da viagem um tripulante testou positivo para Covid-19 e poderia ter tido contato com outros. Em uma semana, tivemos de arrumar outra embarcação com outra tripulação, realizar os testes de Covid-19 com quem iria embarcar e sair no dia 12 de junho para cumprir o cronograma de trabalho. Montamos uma equipe super-reduzida, com quatro pessoas em vez de 12. Não pude ir, porque sou do grupo de risco, mas pensava na estafa dos que estavam embarcados. Eles tiveram de trabalhar quase sem dormir. Resgataram quase todos os equipamentos e voltaram domingo, dia 21.

Moro em uma casa com minha companheira, Cristina, e minha filha, Maria Luiza. Todo dia, acordo, dou comida para minhas duas cachorras, Flora e Catarina, tiro o carro da garagem para elas ficarem mais soltas, lavo ou guardo a louça da cozinha e vou para o escritório, um quarto adaptado.

Até a semana passada eu dava aulas remotas, de quatro disciplinas, para os alunos de graduação. Mas tive de interromper porque demandavam trabalho de campo, que talvez recomece em janeiro de 2021, se a pandemia deixar. Uma delas se chama Atividade Embarcada, é essencialmente prática, para os alunos aprenderem a usar equipamentos a bordo. Foi a primeira a ser interrompida.

Os trabalhos de pesquisa que necessitavam de análises também foram suspensos até os laboratórios serem reabertos. Estou retomando os artigos para os quais já dispunha de dados e trabalhando remotamente nos projetos com meus estudantes de pós-graduação. O prejuízo maior é para os alunos de graduação, sem laboratórios e sem aulas práticas.

Comemoramos os aniversários por Skype – o meu em março, o de meu filho de 25 anos, que mora com a mãe, em abril, e de minha filha também em abril.

Em três meses, saí de casa cinco vezes, para tomar vacina contra a gripe, ir a consultas e fazer exames médicos e à farmácia. Quando saio, fico espantado em ver as pessoas andando sem máscara e se considerando invencíveis, mas colocando elas mesmas e os outros em risco. Muita gente não está fazendo o básico, com as máscaras e as medidas de higiene, o que só faz estender a pandemia.

Quem sabe se esses que não estão se cuidando vissem alguém morrer sem respirar tivessem mais consciência. Meu pai tinha enfisema [obstrução dos pulmões] e corri muitas vezes com ele para o hospital. Era angustiante vê-lo sem conseguir respirar.

Essa é uma situação única e assustadora, que no Brasil ainda vai piorar, com mais mortes, até controlar a situação. Vamos torcer para uma vacina chegar logo e funcionar.

O impacto da pandemia depende das políticas de cada país. Quanto mais permissivo, mais mortes haverá. Se não quisermos nos arriscar, ainda vamos passar alguns ou vários meses mais de autoisolamento.

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