Uma ilha rochosa, de origem vulcânica e nove quilômetros quadrados de área foi o destino final de dois navios em maio de 1950, com 50 pessoas a bordo, 30 delas pesquisadores. Todos participavam da primeira expedição oceanográfica brasileira, organizada pelo governo federal, que visitou a ilha da Trindade, o ponto mais a leste do território brasileiro, a 1.180 km de Vitória, no litoral do Espírito Santo. A meta era realizar estudos para a construção de uma base aeronaval e começar a conhecer melhor a região menos pesquisada do Brasil: o mar, que banha seus 8,5 mil quilômetros de costa. Na expedição, Wladimir Besnard encarregou-se das pesquisas oceanográficas, juntamente com João Capistrano Raja Gabaglia.
Para Besnard (1890-1960), russo de São Petersburgo que adotou a cidadania francesa, aquilo não era novidade. Ele se graduou em ciências naturais e se especializou em anatomia comparada e biologia geral pelo Instituto de Anatomia Comparada de Moscou. No período em que trabalhou na França, entre 1920 e 1945, optou pelos estudos oceanográficos, quando fez pesquisas no mar de Mármara e em outras regiões de pesca intensa da Turquia. Trabalhou no Museu de História Natural de Paris e criou aquários na Dinamarca e Índia. Realizou numerosas viagens de estudo pelo mundo, quase sempre ligadas à oceanografia e à pesca.
Besnard foi indicado pelo antropólogo Paul Rivet e pelo biólogo marinho Louis Fage, ambos franceses, para dirigir o recém-criado Instituto Paulista de Oceanografia em 1946. “Ele deve ter avaliado a grande contribuição que poderia dar em um país com uma costa tão grande quanto a nossa e com pouca tradição na indústria do pescado, já que também era um especialista no processamento industrial de peixe”, acredita Elisabete Braga Saraiva, pesquisadora do Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Museu de Ciências da USP. “Ele foi o responsável pela introdução e desenvolvimento da oceanografia no país durante os 13 anos que viveu aqui.”
Também fotógrafo e inventor, Besnard instalou as bases de pesquisas em Cananeia e Ubatuba e escreveu textos de divulgação científica. Em 1950 criou o Boletim do Instituto Paulista de Oceanografia, transformado em boletim do IO, em seguida na Revista Brasileira de Oceanografia (1996) e, por fim, em Brazilian Journal of Oceanography (2004). Quando o instituto foi absorvido pela USP, em 1951, ele continuou como seu diretor.
Os 120 anos de nascimento de Besnard, os 60 anos da primeira expedição e da criação da revista e os 50 anos da atuação da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI-Unesco), todos comemorados em 2010, motivaram a realização de vários eventos. Elisabete é a curadora de uma exposição sobre Besnard, uma das quatro mostras com fotografias históricas que podem ser visitadas no IO até dezembro – as outras três são a da COI, do programa antártico brasileiro (realizada pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) e a da Antártica, do Museu Oceanográfico do IO. O diretor do instituto, Michel Michaelovich de Mahiques, lançou o livro Prof. Wladimir Besnard (IO-USP).
Em novembro houve, ainda, um fórum de discussão sobre o mar e a relação entre os pesquisadores, organizações não governamentais, população costeira e governo. “A ideia foi abrir um canal maior de comunicação entre a comunidade científica oceanográfica e quem usa as informações fornecidas por ela”, diz Alexander Turra, docente do IO. “Queremos também estar mais articulados para participar das decisões nacionais e internacionais que envolvam oceanografia e meio ambiente.”
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