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Aviação

Altos vôos da Embraer

Empresa inaugura fábrica e fortalece parcerias com centros de pesquisa para desenvolver ferramentas que vão facilitar os projetos de novos aviões

EDUARDO CESARTúnel de vento no CTA: testes com modelo em escala reduzida do jato 170EDUARDO CESAR

A Embraer deu um novo passo para se firmar como uma das quatro maiores empresas fabricantes de aviões do mundo ao inaugurar, em junho, a primeira etapa de sua unidade industrial na cidade de Gavião Peixoto, localizada na região de Araraquara, a 300 quilômetros da capital paulista. O local foi escolhido porque dois fatores pesaram muito na decisão: a falta de grande tráfego aéreo na região, umfacilitador para testes aeronáuticos, e a proximidade de universidades e institutos de pesquisa de São Carlos, Campinas, São José dos Campos e São Paulo. O contato com esses centros está presente na história de 33 anos da empresa marcada sempre pelo desenvolvimento de tecnologia e formação de pessoal. No início das operações, em 1969, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), criados na década de 50, foram os grandes formadores de engenheiros e fornecedores de assessoria tecnológica para a Embraer.

Para a nova unidade, a empresa vai transferir de sua sede em São José dos Campos a montagem dos jatos executivos Legacy e dos aviões militares AMX e Super Tucano ALX, além da modernização dos caças F-5 da Aeronáutica. Também está prevista para a nova unidade a montagem dos caças supersônicos Mirage 2000, caso a empresa, que possui um acordo com as francesas Dassault, Snecma e Thales, ganhe a concorrência da Força Aérea Brasileira (FAB).

Ao lado das instalações da nova fábrica, a empresa construiu a mais extensa pista de pouso e decolagem do hemisfério sul do planeta. Ela já está em uso nos testes do mais novo modelo da empresa, o EMB-170, um jato comercial de 70 lugares, que alçou vôo pela primeira vez em fevereiro deste ano. Com 5 quilômetros (km) de extensão (a do Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, tem 3.700 km), ela serve como apoio aos vôos e é essencial para os testes em que os aviões devem decolar e pousar com peso máximo, frear na pista e abortar decolagens. “Além disso, ao redor da pista existem apenas mato e plantações, diminuindo os perigos de um acidente em terra, caso um avião tenha de fazer um pouso de emergência fora da área prevista”, disse Satoshi Yokota, vice-presidente executivo industrial da Embraer, no dia da inauguração.

A nova empreitada da Embraer está vinculada a um acordo com o governo do Estado, que cedeu por 35 anos o terreno de 17,5 milhões de m2, incluindo a área fabril de 3 milhões de m2, mais pista e as áreas de estacionamento de aviões e de reflorestamento. O acordo assinado pelo governador Mário Covas, em junho de 2000, também abrangeu a instalação da infra-estrutura de redes de água, luz, esgoto e estradas até a porta da fábrica. A previsão da Embraer é investir, até 2005, US$ 150 milhões em Gavião Peixoto e contratar, nos próximos dez anos, 3 mil funcionários.

Pólo de parcerias
No acordo que o governo do Estado fez com a Embraer está implícita a transformação da região num pólo de desenvolvimento aeronáutico. Para colaborar na implementação desse pólo e dar continuidade as parcerias entre os centros de pesquisa e a Embraer, a FAPESP criou em 2000 (veja Pesquisa FAPESP nº 55 ) um programa especial chamado de Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (Picta). Ele funciona nos moldes do programa Parceria para Inovação Tecnológica, que financia projetos entre universidades, institutos de pesquisa e empresas. No total, a Fundação destina R$ 18 milhões por ano para o Picta.Desde 2001, três projetos foram aprovados entre a Embraer e o ITA e um em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O primeiro, iniciado em junho de 2001, prevê a construção de um laboratório de ensaios aerodinâmicos, também chamado de túnel de vento, no ITA, em São José dos Campos. E ainda a modernização do túnel de vento já existente no CTA, na mesma cidade, e novos equipamentos para o túnel da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.

Os túneis de vento são uma ferramenta essencial para a fabricação de novos aviões. São eles que determinam boa parte das características aerodinâmicas das aeronaves. No lugar de fazer testes com modelos em escala real, o que seria extremamente custoso, são simuladas no túnel as diversas fases de vôo. “Para isso, utilizamos um modelo em escala reduzida e geometricamente idêntico à aeronave e o submetemos a uma corrente de vento, simulando o escoamento de ar em torno do avião. Os resultados obtidos fornecem a melhor configuração do perfil aerodinâmico da aeronave e da asa, em particular de dispositivos de sustentação como slats, flapes, ailerons e winglets (componentes da asa e da cauda que ajudam na navegabilidade e no controle do avião), afirma Olympio Achilles de Faria Mello, engenheiro do CTA e coordenador do projeto que tem término previsto para maio de 2004.
Quando o túnel do ITA estiver pronto e os outros dois remodelados, a Embraer poderá realizar até 90% dos ensaios de vôo a baixa velocidade de suas novas aeronaves no Brasil. São vôos que atingem até 500 quilômetros por hora (km/h) e acontecem na decolagem ou antes do pouso. Por enquanto, boa parte desses ensaios é realizada no exterior, causando demora nos projetos e custos altos.

“Os novos laboratórios darão mais agilidade à Embraer e farão o país dominar uma tecnologia de ponta na área de projetos aeronáuticos”, afirma o engenheiro do CTA. “Com eles, será possível reduzir os prazos de desenvolvimento de novos projetos e, ao mesmo tempo, obter resultados confiáveis.” Os ensaios transônicos, aqueles entre 500 km/h e 1.200 km/h (a velocidade do som), que simulam vôos em alta velocidade, continuarão sendo feitos no exterior, porque o único túnel transônico no país, localizado no CTA, é de pequenas dimensões. “Um túnel desses, de porte industrial, custaria perto de US$ 80 milhões”, informa Mello.

Simulações numéricas
O segundo projeto do Picta-PITE também está associado às simulações de escoamento do ar para definição do perfil aerodinâmico de novas aeronaves. Mas desta vez, além dos túneis de vento, a ferramenta utilizada é a mecânica dos fluidos computacional – ou Computational Fluid Dynamics (CFD). Esse sistema é uma sofisticada ferramenta que permite fazer simulações numéricas dos escoamentos em torno do avião. Por enquanto, poucas empresas usam essa tecnologia no país. A Embraer e a Petrobras (no estudo do escoamento de água nos cabos e oleodutos nas plataformas submarinas), provavelmente, são as únicas.

“Na Embraer, a CFD será uma ferramenta voltada principalmente para a fase de concepção de novos aviões. No túnel de vento e nos ensaios em vôo buscaremos comprovar as tendências obtidas por meio das simulações em CFD”, afirma Guilherme Lara de Oliveira, engenheiro da Embraer e um dos coordenadores do projeto. “Seria muito caro e demorado fazer essas primeiras simulações em um túnel de vento”, diz ele.

Segundo Oliveira, a Embraer já domina a metodologia de análise da CFD, mas dispõe de ferramentas limitadas para trabalhar. A intenção dos pesquisadores é desenvolver uma tecnologia calibrada para as necessidades atuais e futuras da empresa. Os benefícios serão inúmeros, desde a diminuição nos custos e no ciclo de desenvolvimento de produtos à independência tecnológica e segurança de informações em áreas estratégicas de acesso restrito. Isso implica maiores garantias de confidencialidade dos projetos da empresa. A Embraer deverá ter o núcleo de CFD em ação dentro de três anos, período previsto para o fim do projeto iniciado em janeiro deste ano. A equipe responsável pelo projeto tem a participação de cerca de 50 pesquisadores, coordenados por engenheiros do CTA e da Embraer.

Vôo preciso
O terceiro projeto prevê o desenvolvimento de uma tecnologia que otimizará os ensaios em vôos para certificação dos aviões da empresa. Trata-se de um sistema GPS (Global Positioning System) Diferencial – sistema global de posicionamento composto de 24 satélites, que indicam a posição de latitude e longitude, também chamado DGPS. Com ele, ao realizarem vôos de teste, os pilotos da empresa receberão na cabine informações precisas sobre o posicionamento da aeronave e não terão dificuldades para percorrer trajetórias previamente definidas, condição fundamental para o sucesso dos ensaios. O DGPS é baseado em dois receptores GPS, um no avião e outro numa base fixa no solo, que corrige os sinais enviados pelos satélites, reduzindo a margem de erro do sistema de 30 para 3 metros ou menos.

O uso do DGPS trará enormes ganhos à Embraer, reduzindo os custos de ensaios e horas de vôo necessárias para homologação de suas aeronaves. “A hora de vôo para certificação é muito mais cara do que a de um vôo comum em função da parafernália envolvida, tanto a bordo quanto em terra, para medições, telemetrias, antenas, processamentos em computador e análises pós-vôos”, diz o engenheiro aeroespacial do Inpe Hélio Koiti Kuga, coordenador do projeto.
Com isso, estima-se que o DGPS permitirá uma diminuição das horas de trabalho requeridas para a análise de dados de vôo de pouso e decolagem, assim como uma redução significativa de repetições de ensaios de ruído, necessárias para homologação dos aviões. Por exemplo, nos ensaios de ruído, a aeronave deve fazer pelo menos duas passagens sobre o local onde são feitas as medições sonoras. Hoje, sem auxílio do DGPS, boa parte desses vôos é perdida, pois o piloto não consegue atingir a precisão necessária. O novo sistema, por sua vez, fará os cálculos necessários para o piloto realizar a passagem com perfeição, disponibilizando os dados num display na cabine do avião.

O projeto foi iniciado em março deste ano e será finalizado em setembro de 2003. Quando isso ocorrer, a Embraer estará se equiparando aos seus concorrentes, principalmente à canadense Bombardier, que parece usar um sistema similar. “O GPS diferencial traz enormes ganhos para os fabricantes e por isso essa tecnologia não é repassada de um para outro. Cada empresa desenvolve seu próprio sistema DGPS”, afirma o engenheiro Hélio Kuga, que conta com mais três pesquisadores em sua equipe, além dos engenheiros e técnicos da Embraer.

Modelos matemáticos
Os pesquisadores responsáveis pelo quarto projeto têm um enorme desafio pela frente: reproduzir numa simulação numérica todos os parâmetros relacionados ao comportamento do avião em vôo. É a chamada modelagem dinâmica, ou seja, a determinação dos parâmetros e das derivadas aerodinâmicas de estabilidade e de controle das aeronaves, a partir de ensaios em vôo. Com esses modelos matemáticos, a Embraer disporá de mais dados de suas aeronaves e poderá reduzir o número de ensaios e acelerar o desenvolvimento de seus projetos aeronáuticos. “A modelagem dinâmica define características relacionadas à qualidade de vôo e ao desempenho do avião”, afirma o professor Elder Hemerly, do ITA, um dos coordenadores do projeto. “Isso viabilizará uma melhoria, em qualidade e redução de tempo, no projeto de diversos sistemas aeronáuticos, como piloto automático, amortecedor de derrapagem, simulador de vôo e sistemas para aumento de estabilidade”, diz ele.

Todos os projetos de pesquisa da Embraer dentro do Picta-PITE tem o objetivo de dotar a empresa de ferramentas para a concepção dos projetos de aviões e dos testes pré-operação comercial. Não há, portanto, pelo menos nesse momento, a preocupação de a empresa desenvolver peças mais sofisticadas no Brasil. Como as montadoras estrangeiras de carros que atuam no país, a Embraer busca peças e sistemas para seus aviões em qualquer parte do globo. Segundo Yokota, o grau de nacionalização de peças e sistemas dos aviões da Embraer é variável, mas não passa dos 40%. “Nós temos de ter conhecimento sobre todos os sistemas e peças do avião, mas a sua produção não precisa ser feita aqui. Importamos muitos componentes, mas o produto final, o avião, é brasileiro. Nossos engenheiros lideram as equipes que cuidam da concepção dos projetos das aeronaves”, diz Yokota.

Para Yokota, algumas partes do avião, como os motores, provavelmente sempre serão importadas. Isso porque há três grandes fabricantes de turbinas no mundo, a General Electric (GE), a Rolls-Royce e a Pratt&Whitney. Para dar suporte técnico aos seus clientes, esses fabricantes mantêm serviços de manutenção em vários cantos do globo. Obviamente, o custo desse serviço técnico não é nada desprezível.

A Embraer firmou 16 parcerias de risco com empresas do exterior para o desenvolvimento de componentes e sistemas para sua nova família de jatos. Assim, em vez de a Embraer bancar integralmente os custos de concepção de todos os componentes de um novo modelo de avião, parte ou mesmo todos os gastos referentes ao desenvolvimento de certas peças da aeronave são bancados por esses fornecedores-parceiros. “Se o parceiro de fora vai ou não ganhar dinheiro depende do sucesso da transferência de tecnologia. Não é uma transferência por contato, é pela prática, onde conta muito a competência do receptor”, comenta Maurício Botelho, diretor-presidente da Embraer. Em resumo, se o novo avião for um sucesso comercial, todo mundo ganha. A Embraer vai vender mais aeronaves, e seu parceiro, produzir mais componentes para a empresa brasileira. Se for um fracasso, todo mundo perde.

Mercado externo
Não é por acaso que, além de ser a maior empresa exportadora do país (vendas de US$ 2,897 bilhões em 2001), a Embraer é também a segunda maior importadora (compras equivalentes a US$ 1,843 bilhão no ano passado). Em termos de importação, a empresa fica atrás apenas da Petrobras, com o petróleo. O mercado externo responde por 98% do faturamento da empresa. A internacionalização começou na década de 80, quando o EMB-120, o Brasília, um turboélice para 30 passageiros, se tornou o primeiro avião da Embraer a entrar diretamente em operação comercial no exterior, em 1985, antes de ser entregue a uma companhia brasileira. A partir da segunda metade dos anos 90, a Embraer colocou no mercado uma linha de pequenos jatos destinada à aviação regional. Das mais de 600 unidades vendidas do ERJ-145 (jato para 50 lugares), apenas 15 voam em céus nacionais.

Essa capacidade em projetar e montar aviões a preços competitivos é, certamente, um dos motivos do sucesso da Embraer, que faz dela a quarta maior indústria de aviões comerciais do mundo, atrás apenas da norte-americana Boeing, da européia Airbus e da Bombardier. Privatizada em 1994, a empresa investe atualmente de 7% a 8% de seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento, um alto percentual para uma empresa nacional que investe em tecnologia, índice normalmente situado entre 3 e 4%. Em valores, o investimento da Embraer nesse campo gira em torno dos US$ 220 milhões por ano. Por esse esforço e pela capacidade de montagem apresentada pela empresa, Yokota se orgulha de, entre os mais de 11 mil empregados da Embraer, ter 3 mil engenheiros no quadro de funcionários.

A grandeza da Embraer depende muito da conjuntura política e econômica mundial. A crise na aviação comercial pós-atentados terroristas nos Estados Unidos, em setembro do ano passado, atingiu também a empresa de São José dos Campos, que viu diminuir o número de pedidos. De um total de 161 aviões entregues em 2001, haverá uma queda para 135 neste ano. Um resultado que não parece assustar a empresa. Segundo Botelho, as perspectivas de vendas são grandes, por exemplo, na China, onde a empresa já possui escritório. Também anima o anúncio, feito no final de junho, da encomenda feita pela italiana Alitalia, de seis jatos ERJ-145, mais seis EMB-170 e seis EMB-190, um jato de 90 lugares, ainda em elaboração pela empresa, que tem sua primeira entrega prevista para 2005.

Correção: Faltou constar a colaboração do Instituto de Química da Unesp de Araraquara no monitoramento dos mananciais e na análise do impacto ambiental durante a construção da pista de pouso e hangar da nova unidade da empresa na cidade Gavião Peixoto.

Os projetos
1. Desenvolvimento de Tecnologia de Ensaios Aerodinâmicos e Bi e Tridimensionais para o Projeto de Aeronaves de Alto Desempenho (nº 00/13769-0); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (PITE); Coordenador Olympio Achilles de Faria Mello – ITA; Investimento R$ 1.894.300,00 e US$ 948.479,42 (FAPESP) e R$ 3.704.000,00 (Embraer)
2. Aplicações Avançadas de Mecânica dos Fluidos Computacional para Aeronaves de Alto Desempenho (nº 00/13768-4); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (PITE); Coordenador João Luiz Filgueiras de Azevedo – ITA; Investimento R$ 1.665.000,00 e US$ 1.150.000,00 (FAPESP) e R$ 3.572.800,00 e US$ 105.000,00 (Embraer)
3. Desenvolvimento de um Sistema GPS Diferencial para Posicionamento e Guiagem da Aeronave em Tempo Real (nº 01/08751-8); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (PITE); Coordenador Hélio Koiti Kuga – Inpe; Investimento R$ 67.935,00 e US$ 218.117,00 (FAPESP) e R$ 583.586,00 (Embraer)
4. Identificação de Derivados de Estabilidade e Controle de Aeronaves via Filtragem Não-Linear e Otimização Estocástica: Algoritmos e Aplicações a Dados de Ensaio em Vôo (nº 01/08753-0); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (PITE); Coordenador Luiz Carlos Sandoval Góes – ITA; Investimento R$ 121.995,00 e US$ 195.525,05 (FAPESP) e R$ 908.237,50 (Embraer)

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