Desenvolver tecnologia de operação em dirigíveis robóticos não tripulados para uso em sensoriamento remoto, monitoração ambiental e inspeção aérea. Esse é o foco dos estudos dos Pesquisadores do Laboratório de Robótica e Visão Computacional (LRVC) do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), localizado em Campinas. Eles trabalham no Projeto Aurora, sigla para Autonomous Unmanned Remote Monitoring Robotic Airship ou Dirigível Robótico Autônomo Não Tripulado para Monitoração Remota, considerado um dos mais avançados programas de desenvolvimento desse tipo de aeronave no planeta.
O dirigível do CenPRA decola com o auxílio de operadores e segue de forma automática uma trajetória de vôo previamente designada. Esse tipo de aparelho possui um vasto campo de aplicação. Pode ser empregado no monitoramento e estudo de florestas e regiões de interesse ecológico, como a Amazônia. Faz levantamento em áreas rurais de aspectos agropecuários, tais como cobertura ou uso do solo, avaliação de colheitas e de número de animais. Também pode auxiliar na medição da composição do ar e de níveis de poluição e sua dispersão em centros urbanos e industriais. Além disso, o dirigível robótico serve para a inspeção de grandes estruturas – como oleodutos, gasodutos e linhas de transmissão -, levantamento de ocupação urbana e prospecção topográfica, mineral e arqueológica. Aplicações em segurança pública ou vigilância também estão na lista dos usos do veículo aéreo.
Dirigíveis não tripulados, já comercializados nos Estados Unidos e Europa, funcionam como aeromodelos, por meio de um radiocontrole da terra. O Aurora pretende avançar nesse campo, propondo, como a maior contribuição científica e tecnológica do projeto, a concepção do software necessário à operação autônoma do veículo, num nível ainda não encontrado no mercado norte-americano e europeu. Isso inclui aspectos inovadores desde os algoritmos de controle para a estabilização da aeronave em vôo e seguimento de trajetória, até um nível hierárquico superior compreendendo a inteligência para percepção, diagnóstico e tomada de decisão, fatores necessários à operação autônoma do dirigível robótico.
O Aurora foi iniciado em 1997. O primeiro vôo do dirigívelnão tripulado em operação semi-autônoma aconteceu em março de 2000. O objetivo dos pesquisadores é atingir um vôo totalmente autônomo. “O termo autônomo refere-se à capacidade de percepção e tomada de decisão a bordo, tornando o veículo capaz de desempenhar missões definidas antes do vôo, alterando a sua execução se necessário, sem a necessidade constante de um operador humano”, esclarece o engenheiro eletrônico Samuel Siqueira Bueno, coordenador do Aurora e do LRVC. Assim, o veículo deve ter a “inteligência” necessária para seguir trajetórias, desviando-se de obstáculos e evitando zonas de turbulência, por exemplo.
A partir de 1998, o Aurora passou a contar com recursos do programa Jovem Pesquisador da FAPESP, coordenado inicialmente por Marcel Bergerman e, na seqüência, Ely Carneiro de Paiva, ambos engenheiros e bolsistas da Fundação. No âmbito desse projeto, o Aurora proporcionou ao CenPRA, um doutorado e quatro mestrados. Ao todo, o Aurora recebeu mais de R$ 1 milhão, somando financiamentos da FAPESP, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) e do próprio CenPRA.
A amplitude de aplicações do dirigível robótico se deve, em parte, às características únicas desse veículo, como o fato de ele ter uma sustentação predominantemente aerostática, situação em que a aeronave navega sustentada por gases mais leves que o ar. Aviões e helicópteros voam baseados na sustentação que o ar dá as asas dessas aeronaves (no helicóptero são rotativas) em determinada velocidade. Graças ao tipo de sustentação, os dirigíveis gastam menos combustível para se mover e para compensar distúrbios externos, como os ventos. Os dirigíveis robóticos utilizam pequenas hélices como fontes de propulsão e peças articuláveis na superfície de seus corpos para mudança de direção. Essas hélices são movimentadas por motores a combustão que funcionam com hidrocarboneto, um combustível usado nos aeromodelos.
Outras características importantes desses dirigíveis são a capacidade de voar a baixas altitudes, de dezenas a poucas centenas de metros, e a baixas velocidades, a cerca de 20 km/h, por exemplo. Assim, podem fazer vôo pairado sobre áreas de interesse. Também são vantagens a sua elevada autonomia de vôo e a capacidade para pousar e decolar verticalmente sem necessidade de infra-estrutura específica, como pistas de pouso. Por fim, em caso de falha, os dirigíveis são veículos muito mais seguros, porque descem de forma lenta e não caem abruptamente.
Aeromodelo transformado
O Aurora foi planejado para ser um programa de longo prazo e de múltiplas fases. A primeira delas, atualmente em curso, pretende estabelecer a base tecnológica do projeto, validá-la experimentalmente e realizar aplicações de baixa complexidade, que venham a provar o conceito desenvolvido. Para atingir esses objetivos, o CenPRA adquiriu, em 1998, na Inglaterra, o dirigível AS800, um aparelho comum para ser pilotado como um aeromodelo, por meio de um radiocontrole da terra, fabricado pela empresa Airspeed Airships. O AS800 tem um corpo inflável com 10,5 metros de comprimento, 3 metros de diâmetro máximo e 34 metros cúbicos de volume, que é preenchido com gás hélio. Ele possui a capacidade para transportar 10 quilos de carga, e sua velocidade máxima é de aproximadamente 60 km/h.
“O que fazemos com o dirigível é tirar o piloto humano e colocar um piloto automático inteligente, mantido por computador e instrumentos, criando uma arquitetura robótica específica para ele,” relata Samuel. Inicialmente, foram feitas várias adaptações mecânicas para tornar o dirigível um veículo robótico. Ao mesmo tempo, realizou-se o desenvolvimento de toda infra-estrutura embarcada, que é composta por um computador de pequenas dimensões com sistema operacional baseado no software aberto e gratuito Linux, integrando sensores como GPS (Global Positioning System), central inercial, bússola, sondas de vento, câmeras fotográficas no espectro visível e infravermelho e aparelhos para sensoriamento remoto, entre outros.
Os pesquisadores também desenvolveram a infra-estrutura de terra, que consiste de um laptop destinado à programação e a operação do veículo, e os links de rádio, de modem e de vídeo. “Hoje, ele é capaz de seguir de forma automática trajetórias definidas por pontos de passagem (coordenadas de latitude e longitude) e perfis de altitude”, diz Samuel. “Agora, estamos estendendo o controle automático para a decolagem e a aterrissagem, procedimentos que nenhum dirigível não tripulado no mundo é capaz de fazer.”
Outra inovação tecnológica projetada para o dirigível robótico são os sistemas de navegação por visão computacional. O objetivo dos pesquisadores do LRVC é fazer com que o dirigível consiga desenvolver trajetórias seguindo alvos visuais, indo além das coordenadas geográficas. Essa etapa do desenvolvimento do Aurora está sendo realizada em parceria com instituições nacionais e internacionais, como o Instituto Nacional de Pesquisas em Informática e Automação (Inria), da França, o Instituto Superior Técnico, de Lisboa (IST), e o Departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os ensaios com visão computacional começam ainda neste semestre
Até o momento, a aeronave já realizou aproximadamente cem horas de vôo. Somados os preparativos anteriores à decolagem e os trabalhos até a ancoragem final do dirigível no hangar, a equipe acumula mais de 600 horas de trabalho experimental em campo. Os vôos são realizados na 2ª Companhia de Comunicação Blindada do Exército (2ª Ciacom), que fica próxima ao CenPRA.
A segunda fase do Aurora, prevista para ser iniciada ainda este ano, prevê a nacionalização da tecnologia, com a fabricação de um dirigível aqui no Brasil. Para isso, o CenPRA está elaborando um projeto em conjunto com o Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos e com a Ômega Aerosystem, uma empresa de Santa Cruz da Conceição, região de Pirassununga (SP). “Planejamos construir um dirigível robótico não tripulado de médio porte, com aproximadamente 25 quilos de carga útil, que terá tecnologia de navegação autônoma em uma grande variedade de aplicações”, informa Samuel.
Segundo o coordenador do Aurora, grandes empresas demonstraram interesse no projeto e, no futuro, poderão empregar essa nova tecnologia, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a Petrobras e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), bem como grupos de sensoriamento e de ecologia em universidades. “Essas empresas e grupos também nos auxiliam na prospeção de aplicações para esses dirigíveis robóticos.”
Controle via Internet
Além de desenvolver o dirigível autônomo, o Laboratório de Robótica e Visão Computacional (LRVC) do CenPRA também estuda a manipulação de robôs via Internet no projeto chamado de Remotely Accessible Laboratory ou Laboratório de Acesso Remoto (Real). Iniciado em 1999, em cooperação com a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Real tem como objetivos criar plataformas (software de suporte) para novas aplicações na Internet, como laboratórios de acesso remoto, ensino a distância e teleconferências. Além disso, também foi desenvolvido um laboratório virtual para acesso, por meio da rede mundial, à infra-estrutura dos robôs móveis do CenPRA.
Os laboratórios virtuais constituem importantes ferramentas educacionais e experimentais que permitem o acesso remoto a recursos laboratoriais. São, portanto, uma forma de compensar a falta de recursos e equipamentos de universidades e centros de pesquisa. Por meio do Real, pesquisadores de instituições localizadas em outras cidades e estados poderão fazer experimentos com os robôs móveis do LRVC, como o Nomad 200 e o XR4000, comprados nos Estados Unidos. Eles possuem diversos sensores e podem ser controlados por joysticks a distância. Os pesquisadores também vão interagir com o dirigível robótico, obtendo, por exemplo, dados coletados por ele.
O laboratório virtual do CenPRA foi desenvolvido como um serviço de telemática na Internet e permite três modos de interação entre o usuário e o robô móvel. O primeiro, denominado navegação básica, é destinado a pessoas leigas, com conhecimentos limitados de robótica, que queiram manipular os robôs por meio de comandos. O modo avançado é dirigido a pesquisadores que queiram desenvolver e testar sofisticados algoritmos de navegação. Nesse modo de interação podem ser executados experimentos no campo de navegação autônoma, planejamento de missão e acompanhamento de controle de robô, que é executado remotamente. O terceiro, chamado de navegação de observador, é dedicado a alunos, que podem acessar o laboratório virtual e acompanhar os experimentos conduzidos por um professor ou especialista em robótica.
A interação com o robô será acompanhada por dois canais de vídeo com imagens em tempo real obtidas por meio de duas câmeras, uma panorâmica focada no ambiente em que o robô se desloca e outra posicionada a bordo do próprio equipamento. Para disponibilizar esse laboratório virtual para o público, o CenPRA trabalha para a implantação de um link de alta velocidade e faz a atualização de sua infra-estrutura.
O projeto
Veículos robóticos semiautônomos (nº 97/13384-7); Modalidade Programa Jovem Pesquisador; Coordenador Ely Carneiro de Paiva – CenPRA; Investimento R$ 226.504,88 e US$ 3.595,33