Com folhas pequenas e cheirosas, o manjericão é conhecido por seus muitos usos na culinária. Agora está pronto para entrar na composição de perfumes à base de linalol, um óleo essencial presente em suas folhas. O primeiro lote comercial do óleo de manjericão (Ocimum basilicum), com 40 quilos do produto, foi exportado para uma empresa canadense do setor de perfumaria no final do ano passado. A produção foi acertada, após meses de negociação, com a Linax, uma pequena empresa instalada na cidade de Votuporanga, em São Paulo, que produziu o óleo de forma inédita no país. Antes da compra, perfumistas avaliaram a qualidade do produto, que também passou por análises químicas feitas no Brasil e no Canadá.
A pesquisa que levou ao produto foi conduzida pelo engenheiro agrônomo Nilson Borlina Maia, do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas, e teve início em 1998, quando o pesquisador começou um estudo comparativo com 18 plantas que contêm linalol, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Inicialmente ele procurava uma alternativa para a extração do óleo de pau-rosa (Aniba rosaeodora), árvore amazônica que corre o risco de extinção e é a principal fonte natural do produto (veja Pesquisa Fapesp nº 111).
Apesar de não ter conseguido encontrar uma planta que tivesse um óleo tão rico em linalol como o descoberto na madeira do pau-rosa, que chega a 90% e tem uma mescla inconfundível de aromas, Maia conseguiu obter um óleo natural, economicamente viável, que pode substituir o sintético em muitas formulações de cosméticos, perfumes e outros produtos de higiene e beleza e até mesmo abrir campo para a criação de novas fragrâncias.
Potencial agronômico
Entre as plantas analisadas pelo pesquisador estavam, além do manjericão, o coentro, o louro, a canela e a laranja. No caso do louro, apesar de apresentar alto índice do óleo essencial, ele foi descartado porque a árvore demora dezenas de anos para ficar adulta, tornando inviável um cultivo para extração comercial. Já o coentro e a canela não apresentaram linalol, enquanto a laranja possui baixo índice da substância. “Dentre todas as plantas analisadas vi que o manjericão tinha mais potencial agronômico para extração do linalol, pelo teor de óleo apresentado e porque é uma planta de ciclo curto”, diz Maia.
Os resultados da pesquisa foram apresentados publicamente pela primeira vez em 2001, no 26º Congresso da Sociedade Internacional para a Ciência da Horticultura, realizado em Toronto, no Canadá. O trabalho foi um dos quatro escolhidos, entre centenas enviados, para ser apresentado com destaque. Quando voltou ao Brasil após a realização do congresso, Maia julgava ter encerrado um ciclo e se preparava para iniciar um novo estudo agronômico.
Os planos mudaram ao receber um telefonema de José Roberto Gonçalves, um pequeno empresário de Votuporanga, cidade localizada a cerca de 520 quilômetros da capital paulista, que havia lido em um jornal de economia uma nota sobre o estudo realizado com o manjericão. A conversa com Gonçalves resultou na abertura de uma empresa, a Linax Comércio de Óleos Essenciais, para que o projeto pudesse ser levado adiante com financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP.
O projeto viabilizou a produção de mudas em larga escala, para que em curto espaço de tempo fosse possível instalar lavouras comercialmente viáveis para produzir manjericão. As primeiras mudas levadas a campo eram da variedade maria-bonita, desenvolvida na Universidade Federal de Sergipe pelo professor Arie Fitzgerald Blank, com inflorescências roxas no lugar das tradicionais brancas. Embora essa variedade apresente até 70% do linalol, o cultivo não vingou por conta das irrigações e chuvas da região e foi atacado por fungos. “Isso atrasou um pouco o desenvolvimento do projeto”, diz Maia.
Crescimento rápido
A escolha recaiu então sobre uma variedade encontrada entre as muitas que o IAC mantém em sua coleção, porém sem identificação. Para diferenciá-la da maria-bonita, o técnico agrícola Fabiano Taveira dos Santos, do Piauí, que no início dos plantios estagiava na Seção de Plantas Aromáticas no IAC, passou a chamá-la de lampião, nome como ficou conhecida entre os participantes do projeto. A variedade, apesar de ter um teor bem mais baixo de linalol, entre 35% e 40%, é muito rústica, resistente a doenças e cresce rapidamente no campo. Essa característica de crescimento rápido surpreendeu o pesquisador, que teve de refazer as estimativas para a produção e para o número de produtores rurais envolvidos no projeto.
No início a expectativa era de uma produção de 15 toneladas por hectare, colhida duas vezes por ano. Hoje esse mesmo volume é alcançado em torno de 70 dias, dependendo de variáveis como adubação, solo, chuvas e época de corte. “Além de a variedade responder bem em campo, selecionamos produtores que tinham a possibilidade de trabalhar com irrigação, o que reduz o tempo entre as colheitas da planta”, diz Maia. “Em vez das duas colheitas por ano, podemos fazer quatro, uma a cada 90 dias.” Dessa forma, a produção anual inicialmente estimada em 30 toneladas por hectare dobra de volume e chega a 60 toneladas por hectare.
Hoje são quatro produtores rurais fixos que trabalham para fornecer a matéria-prima para a Linax, todos instalados na região de Votuporanga, que reúne as condições ideais de clima quente e solo para a cultura de plantas aromáticas. A limitação de água no inverno pode ser contornada com a irrigação. O principal problema observado até agora é a chuva em excesso, sobretudo no verão, o que impede a entrada no campo para fazer o corte. Outros produtores já se candidataram, mas antes de contratar novos fornecedores a empresa quer abrir novos mercados para o produto.
A idéia é expandir a área plantada de 30 para 200 hectares. Para isso é necessário conquistar o mercado consumidor interno, além do externo. Como o Brasil não é um tradicional produtor de óleos essenciais, muitos consumidores daqui preferem importar o produto para garantir fornecimento regular e melhores preços. A exceção fica por conta do óleo essencial de laranja, em que o país ocupa a liderança mundial na produção, mas como subproduto da indústria de citros. Outro óleo produzido em grande volume no Brasil é o de eucalipto, também um subproduto da indústria madeireira.
Antes de iniciar o plantio do manjericão, os produtores receberam mudas multiplicadas no IAC pela técnica de micropropagação. Eles também receberam instruções de como plantar e conduzir a lavoura. Alguns aspectos agronômicos do plantio ainda não foram estabelecidos cientificamente, como, por exemplo, o espaçamento mais adequado. “Apesar de ensaios específicos estarem sendo conduzidos, ainda não foi possível obter os resultados e divulgá-los, o que normalmente leva de cinco a seis anos”, diz Maia.
As respostas para essas questões têm surgido da prática, ou seja, quando as copas das plantas começam a se encontrar é o momento de fazer o corte, porque senão elas começam a competir por luz e as folhas da parte de baixo começam a cair. O corte é feito na base da planta, quase rente ao solo. Por enquanto essa tarefa é feita manualmente, mesmo porque a área plantada ainda não é tão extensa. Mas a mecanização está sendo estudada.
O manjericão cortado brota novamente e a produtividade vai aumentando corte a corte, porque a planta se ramifica. A mesma planta fica no campo produzindo durante dois a três anos. Só depois desse período precisa ser substituída por outra muda clonada. O plantio com semente não é recomendado por causa da variação no teor do linalol. Depois que a colheita é feita, o manjericão é colocado em uma carreta concebida para levar as folhas diretamente da lavoura para a indústria, sem necessidade de descarregar o material. O óleo é extraído diretamente na carreta, o que diminui significativamente os custos operacionais. O sistema despertou o interesse de empresas tradicionais extratoras de óleos essenciais, como do eucalipto.
Para facilitar o trabalho de extração de óleo essencial nos laboratórios de pesquisa, Maia criou um minidestilador feito de aço inoxidável para suportar as agressões químicas e físicas. Nos aparelhos convencionais, feitos de vidro e de difícil manuseio, o trabalho de carregar e descarregar o material vegetal leva em média uma hora. Com o minidestilador, a mesma tarefa demora cerca de um minuto e a destilação é controlada por um sistema elétrico automatizado.
Eficiência dobrada
Como a destilação demora cerca de uma hora com qualquer um dos equipamentos, o tempo gasto para carregar e descarregar o aparelho de vidro foi eliminado. “Isso dobrou a eficiência da destilação”, diz Maia. A novidade, apresentada no 3º Simpósio Brasileiro de Óleos Essenciais, realizado em Campinas em novembro do ano passado, teve boa acolhida. Uma empresa já comprou o aparelho e algumas universidades estão em processo de negociação com a Linax, bem como com farmácias de manipulação que trabalham com óleos essenciais destinados a perfumes. O preço fica entre R$ 5.500,00 e R$ 5.800,00, dependendo dos acessórios colocados. O equipamento funciona com energia elétrica, mas pode ser adaptado ao gás natural para ser usado no campo.
A planta industrial da Linax foi projetada para receber produto de plantio orgânico, sem aplicação de defensivos agrícolas, separado do não-orgânico, para dessa forma atender a mercados externos que queiram produtos diferenciados. Mas essa é uma outra etapa da produção. Por enquanto, além de produtora de óleo essencial de manjericão, a empresa tem se destacado como prestadora de serviços. Vários clientes, de cidades em um raio de até 300 quilômetros, têm levado plantas para serem destiladas lá. São fornecedores da indústria cosmética, farmácias de manipulação e pesquisadores.
Mesmo com os bons resultados já apresentados, a pesquisa com o manjericão não pára por aqui. Outras variedades, com maior rendimento de óleo e mais resistentes a doenças, continuam a ser testadas. Além disso, outras espécies de plantas aromáticas, como capim-limão e patchuli, estão sendo avaliadas para serem plantadas pelos agricultores da região. A idéia da empresa é transformar Votuporanga em um pólo aromático, capaz de plantar, extrair o óleo essencial e garantir um fornecimento regular tanto para o mercado interno como o externo.
Óleo de laranja lidera exportação
A exploração comercial dos óleos essenciais no Brasil teve início na década de 1920, baseada no extrativismo de essências nativas, principalmente da madeira do pau-rosa. No decorrer da Segunda Guerra Mundial, aproveitando a demanda das indústrias que não podiam ser atendidas pelos produtores tradicionais, o país passou a introduzir culturas para obtenção de óleos de menta, laranja, canela, eucalipto, capim-limão e patchuli. Na década de 1970 chegou a ocupar a liderança mundial de produção de mentol e óleo desmentolado, usados como aromatizantes na indústria de higiene e de alimentos, com a criação no Instituto Agronômico de uma variedade de Mentha arvensis resistente à ferrugem.
Hoje o país ocupa a liderança mundial no comércio do óleo essencial de laranja, com 33 mil toneladas exportadas na safra 2004/2005. De janeiro a outubro do ano passado, as exportações de 60 mil toneladas de óleos essenciais renderam ao país US$ 80 milhões. Muitos óleos essenciais usados em produtos de limpeza, farmacêuticos, alimentos e bebidas são obtidos de forma sintética, por razões econômicas. Mas a demanda por produtos extraídos das plantas, como o linalol do manjericão, tem crescido bastante. Além disso, as empresas, principalmente do setor cosmético e de perfumaria, têm se interessado por novos óleos essenciais.
“Essa é uma boa oportunidade para o Brasil, que detém a maior diversidade vegetal do planeta”, diz a pesquisadora do IAC Márcia Ortiz Marques, integrante do grupo de trabalho criado para cuidar da formalização da Associação Brasileira de Produtores de Óleos Essenciais. “Isso porque, apesar de ser uma atividade relevante para o Brasil, o setor está desarticulado”, diz. O produtor não sabe o que o mercado necessita. Enquanto o mercado busca produtores que forneçam com qualidade, preço e regularidade.
O Projeto
Produção de linalol a partir do óleo essencial de manjericão – uma alternativa ecologicamente sustentável para substituir o linalol do pau-rosa , uma espécie amazônica em risco (nº 02/13051-8); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Nilson Borlina Maia — Instituto Agronômico de Campinas/Linax; Investimento R$ 400.000,00 (Fapesp)