As antigas usinas de produção de açúcar e álcool do interior paulista, com suas altíssimas chaminés de tijolos, cederam lugar a modernas empresas antenadas com as novas tecnologias que resultam em maior produtividade no campo e ganhos no processo industrial. Sertãozinho, cidade com menos de 100 mil habitantes situada no nordeste do estado de São Paulo, a 320 quilômetros da capital, traduz bem as transformações ocorridas ao longo das últimas décadas no setor sucroalcooleiro. A cidade possui sete usinas produtoras de açúcar e álcool e 500 empresas espalhadas por quatro distritos industriais, 90% das quais voltadas para o setor sucroalcooleiro, mas com atuação também nas áreas de papel e celulose, alimentícia e outras. A cidade é líder na geração de empregos no setor industrial paulista, segundo dados do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Apenas neste ano, até o mês de agosto, a variação positiva foi de 20,4%, com a contratação de 6.300 trabalhadores.
A vocação industrial da cidade, vizinha a Ribeirão Preto, teve início na década de 1970, com a crise do petróleo e o incentivo governamental ao Proálcool. Na época áurea do programa, a empresa Zanini, fabricante de equipamentos industriais, chegou a ter 7 mil funcionários trabalhando durante 24 horas. Com o fim do programa governamental e conseqüentes fusões de empresas e demissões de funcionários, muitos engenheiros e operários começaram a prestar serviços de manutenção para o setor sucroalcooleiro e outros setores. Hoje muitos desses negócios embrionários transformaram-se em empresas exportadoras de alta tecnologia. E essa é uma tendência em alta no município. “Exportamos US$ 74 milhões em 2003, US$ 120 milhões em 2004 e US$ 135 milhões em 2005,” diz Marcelo Pelegrini, secretário da Indústria e Comércio de Sertãozinho, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para chegar a esse patamar as empresas se diferenciaram apostando em inovações de produtos e processos produtivos. E os exemplos não são poucos.
Um processo de desidratação do etanol conhecido como destilação extrativa, que responde atualmente por cerca de 35% de todo o álcool anidro produzido no Brasil, só chegou ao mercado porque dois empresários de Sertãozinho, o projetista Valter Felipe Sicchieri e o engenheiro químico Paulo Barci, vislumbraram estar diante de uma metodologia inovadora ao folhear uma revista durante visita a um cliente. O que atraiu a atenção dos dois sócios foi um trabalho sobre destilação extrativa com o etileno-glicol, produto orgânico da família dos álcoois, que mostrava a possibilidade de produzir álcool anidro (usado como aditivo na gasolina) com a mesma qualidade e menor consumo de energia, do professor Antonio José Almeida Meirelles, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O trabalho publicado em 1991, um resumo da tese de doutorado de Meirelles, havia recebido o prêmio Jovem Cientista de 1989 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Interessados em tecnologias novas, os empresários entraram em contato com o pesquisador na Unicamp. “Nessa conversa firmamos um compromisso verbal,” diz Sicchieri. Na volta a Sertãozinho, o empresário procurou a Usina Santa Elisa para negociar a utilização de uma planta piloto que havia sido desativada na época. Feitas algumas adaptações na planta, a tecnologia começou a ser testada na safra de 1998 com a destilação de 50 mil litros de álcool anidro por dia. Na entressafra, os resultados foram avaliados. “Nessa etapa, começamos a usar o nosso conhecimento de engenharia e processos para fazer algumas modificações na tecnologia básica,” diz Sicchieri.
Planta piloto – Na safra do ano seguinte, com pequenas mudanças incorporadas ao processo, foram feitos os testes finais na planta piloto. Alguns clientes foram convidados para conhecer o novo processo em funcionamento na usina. Imediatamente foram vendidas sete plantas industriais (conjunto de equipamentos), entre novas e adaptadas ao processo de produção das usinas. A grande vantagem do processo etileno glicol em comparação com o do ciclo hexano, um hidrocarboneto saturado usado como solvente, produto volátil e altamente inflamável bastante utilizado atualmente, é que com o mesmo consumo total de vapor (fonte de energia utilizada) dá para produzir o dobro de álcool anidro. Além disso, o processo consome menos água do que os tradicionais.
Os dois sócios possuem duas empresas, a B&S, encarregada de projetar os equipamentos, e a JW, responsável pela construção. Hoje são 34 as usinas no Brasil que adotaram o processo de destilação extrativa do álcool e uma em El Salvador, na América Central, que pertence ao grupo Cargill, com capacidade de desidratar 700 mil litros de álcool anidro. Diferentemente das brasileiras, a planta industrial de El Salvador foi montada apenas para desidratar o álcool importado, que depois de pronto é enviado para os Estados Unidos. Até o início do mês de setembro, mais quatro unidades, previstas para entrar em operação até 2008, haviam sido vendidas para usinas brasileiras.
A trajetória do processo de destilação extrativa é, sem dúvida, uma história de sucesso. Para que isso ocorresse, foi decisivo o interesse de uma indústria de engenharia e equipamentos. “Eles conseguiram transformar o conhecimento acadêmico em um equipamento real e funcional de acordo com os requisitos que a usina estabelece, mantendo a qualidade do álcool,” diz Meirelles.
Automação industrial
Foi esse mesmo espírito de trilhar caminhos inovadores que levou um grupo de engenheiros, em 1978, a transformar a empresa Smar Equipamentos Industriais, de Sertãozinho, criada em 1974, na maior fabricante de instrumentos para controle eletrônico de processos industriais no Brasil. Antes, ela prestava serviços de manutenção de turbinas a vapor da indústria açucareira. Atualmente desenvolve e produz sobretudo sensores e transmissores de processos de automação. São equipamentos recheados de tecnologia, essenciais para quase todos os processos industriais. No início eram dez sócios e três funcionários. Hoje são quase mil funcionários, dos quais 150, oriundos das principais universidades brasileiras, fazem parte da equipe de pesquisa e desenvolvimento da empresa.
No ano passado, a empresa faturou US$ 80 milhões e as vendas para o mercado externo, composto por mais de 60 países, representaram 50% desse montante. O investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) fica anualmente em torno de 10% a 12% do faturamento e mostra números alentadores. Nos Estados Unidos, a empresa tem 20 patentes concedidas e mais de 30 em andamento. “A Smar é a empresa privada brasileira com mais patentes nos Estados Unidos,” diz César Cassiolato, engenheiro eletrônico e diretor de marketing da empresa.
O primeiro desenvolvimento da Smar foi a automação de uma esteira de alimentação de cana para a moenda de uma usina no município de Pontal, no interior de São Paulo. O sistema, que controlava a quantidade de cana que deveria ser usada para alimentar os cortadores e as moendas, resultou em um aumento de 20% na produção e abriu caminho para outras inovações. Na década de 1980, a Smar desenvolveu o transmissor de pressão com célula capacitiva, equipamento projetado para medir e controlar a pressão, o nível e a vazão das caldeiras das usinas de açúcar e álcool.
Carro-chefe da empresa até hoje, o transmissor ganhou outros mercados. “Esse mesmo sensor é utilizado pelas indústrias de óleo e gás e até nos porta-aviões da Marinha norte-americana,” diz Cassiolato. Um novo modelo do produto com alta performance e exatidão foi lançado no final de setembro na Fenasucro & Agrocana 2006 (veja quadro na página 63), uma feira internacional de negócios e tecnologia realizada há 14 anos em Sertãozinho. Outro produto da Smar apresentado na feira que ganhou melhorias é um sistema para manutenção e diagnóstico de processo industrial chamado de gerenciamento de ativos. De qualquer lugar do mundo, a qualquer hora, é possível checar como está a situação da produção.
A empresa que no final da década de 1970 contava com apenas três funcionários tem hoje dez subsidiárias e mais de 80 representantes espalhados por vários países para poder atender ao mercado mundial. Para atingir esse nível de excelência, o diferencial foi a aposta dos sócios em ter uma empresa movida a tecnologia, mesmo quando essa idéia era distante da realidade e da vocação industrial brasileira.
A palavra inovação tecnológica está incorporada ao vocabulário da indústria sertanezina. Mesmo quando a empresa não tem uma equipe de P&D própria, ela recorre a parcerias de exclusividade para o desenvolvimento dos projetos. É o caso da Sermatec, fabricante de equipamentos para usinas de açúcar e álcool. Os carros-chefes da empresa são difusores, utilizados na extração do caldo de cana-de-açúcar, e caldeiras, dois equipamentos desenvolvidos, respectivamente, com as empresas Uni-Systems e HPB Engenharia, ambas de Sertãozinho.
Os difusores são uma alternativa à utilização da moenda, que reinou absoluta até a metade da década de 1980. De lá para cá, várias inovações garantiram maior eficiência ao processo de difusão, fazendo com que se tornasse uma excelente opção para a produção de álcool. “Na moenda, a extração do caldo chega no máximo a 96,5%, com o difusor atingimos 98,5%, o que significa no final de uma safra alguns milhões de dólares de sacarose,” diz Daniel Moraes Filho, gerente comercial da Sermatec. “Outra vantagem do difusor está no menor consumo de vapor, o que possibilita o aumento da energia co-gerada (para produção de energia elétrica e venda para as concessionárias).” A principal diferença entre os dois processos está na maneira de extrair a sacarose. A moenda esmaga a cana, enquanto o difusor retira o caldo com água quente.
Energia do bagaço
As caldeiras de alta pressão fabricadas pela Sermatec e projetadas pela HPB Engenharia têm entre principais mercados os setores sucroalcooleiro, de papel e celulose, mineração e outros. Essenciais para o funcionamento de usinas de açúcar e álcool, as caldeiras movidas com o vapor oriundo da queima do bagaço de cana geram o vapor que produz a energia necessária para o funcionamento da planta industrial. O excedente, chamado de co-geração, pode ser vendido para a rede de concessionárias da rede elétrica nos leilões promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Por isso, inovações são sempre bem-vindas para melhorar a eficiência energética das usinas e oferecer maiores alternativas para a matriz energética brasileira. “A caldeira de alta pressão favorece a co-geração,” diz Moraes Filho.
A Sermatec, que tem 700 funcionários, estima para este ano um faturamento da ordem de R$ 400 a R$ 500 milhões. “A empresa está vivendo um momento muito bom do setor, com grande demanda,” diz o gerente comercial. Vários projetos em andamento têm como parceiros investidores estrangeiros. Novas unidades para produção de açúcar e álcool estão sendo construídas no Mato Grosso do Sul, no sul de Goiás, norte do estado de São Paulo e no Triângulo Mineiro. Os números da venda de difusores ilustram bem a tendência de expansão do setor. Em 20 anos, a Sermatec comercializou quatro difusores. E só neste ano já foram vendidos nove, com a perspectiva de serem vendidos mais cinco até o final do ano.
O crescimento do setor, com cerca de 90 projetos de expansão e ampliação de usinas no Brasil, tem estimulado a diversificação dos negócios das empresas de Sertãozinho. A indústria Caldema, produtora de caldeiras de alta pressão para co-geração de energia, vai investir em parceria com o Grupo Balbo, também sertanezino e produtor de açúcar e álcool, R$ 120 milhões em uma usina de açúcar e álcool em Uberaba, Minas Gerais. Fundada na década de 1970, a empresa tem seu principal foco no setor de açúcar e álcool, mas atende também outros setores, como o de papel e celulose, mineração, químico e petroquímico. O desenvolvimento tecnológico das caldeiras da Caldema é feito em parceria com empresas nacionais e internacionais. No Brasil, o principal parceiro da empresa é a Thermocal Engenharia, de Piracicaba. O mais recente desenvolvimento é uma nova concepção de caldeira com um único tubulão, um grande cilindro de aço onde circula a água na caldeira a vapor.
Caldeiras com essa tecnologia, chamada de MonoDrum, já operam no Brasil nas indústrias de papel e celulose, petroquímica e em termelétricas. O novo modelo da empresa, batizado de AMD – Aquatubular MonoDrum, foi desenvolvido especialmente para atender à necessidade de co-geração do setor sucroalcooleiro. “O novo modelo surgiu porque as usinas, com a maior eficiência das turbinas, começaram a ter maior capacidade de produção de vapor por hora e aumento de pressão e, como conseqüência, houve necessidade de desenvolver uma caldeira mais possante,” diz Alexandre Martinelli, diretor de marketing da empresa.
A procura por caldeiras mais eficientes do ponto de vista energético reflete uma mudança no setor sucroalcooleiro impulsionada pela crise do setor energético brasileiro de 2001, mais conhecida como “crise do apagão”. Hoje o produtor pensa em produzir não só o açúcar e o álcool, mas também energia a partir do bagaço da cana.
Uma das primeiras a vender a energia excedente para a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), que atende o interior de São Paulo, foi a Companhia Energética Santa Elisa, antiga Usina Santa Elisa, também de Sertãozinho, que desde 1940 já gerava energia para consumo próprio. “Temos uma capacidade instalada de 58 megawatts (MW) por hora, dos quais 30 MW são vendidos para a CPFL,” diz Henrique Gomes, diretor de administração da empresa. A energia total produzida é suficiente para abastecer diariamente uma cidade de 500 mil habitantes. Uma das maiores empresas do setor sucroalcooleiro, a Santa Elisa fatura R$ 650 milhões por ano, responde por cerca de 50 mil empregos diretos, produz 40 milhões de litros de álcool por ano e 10 milhões de sacas de açúcar de 50 quilos.
Mesmo na entressafra, a usina não pára de produzir energia. “Com a caldeira de alta pressão que usamos temos sobra de bagaço durante a safra,” diz Gomes. A venda da energia excedente, proveniente de fonte renovável, para o sistema de energia elétrica habilita a empresa a vender no mercado internacional seus créditos de carbono, o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) resultante do Protocolo de Kyoto. “Até 2012 já vendemos 50% de nossos créditos de carbono para uma agência sueca,” diz Gomes.
Aumento de demanda
O movimento de expansão das usinas também teve reflexos no aumento da demanda de turbinas de alta pressão e alta temperatura projetadas para atender aos processos de co-geração de energia, fabricadas pela empresa TGM de Sertãozinho. “Durante todo o ano passado vendemos 60 turbinas. Este ano já vendemos 75, mas devemos chegar a 80,” diz o engenheiro mecânico Waldemar Manfrin Júnior, diretor da empresa. Em razão do grande volume de encomendas, o prazo de entrega, que era de seis meses, passou para 15 meses. A empresa, que foi fundada há apenas 15 anos, hoje tem 800 funcionários e exporta para 26 países. A trajetória da TGM é similar à de muitas outras empresas que compõem o pólo industrial de alta tecnologia de Sertãozinho. Inicialmente, a empresa prestava serviços de manutenção de turbinas, todas importadas.
A mudança de rota ocorreu quando a empresa começou a absorver funcionários de uma empresa brasileira que fabricava turbinas com tecnologia alemã, que se mudou de Sertãozinho para Osasco após ser incorporada por uma multinacional. Muitos funcionários qualificados não queriam mudar de cidade. Com isso, de sete funcionários a empresa passou para 50. E o caminho natural foi passar de prestadora de serviços a fabricante de turbinas com tecnologia própria. A primeira foi desenvolvida em 1995. “Todas as turbinas que vendemos são desenvolvidas pela nossa equipe de engenheiros, desde a pequena de 20 quilowatts até a maior, de 70 megawatts,” diz Manfrin. São 42 engenheiros trabalhando no projeto de turbinas, porque cada usina requer um projeto diferente.
Depois da crise do apagão, os negócios deslancharam com as encomendas das usinas. As contratações também. De 140 funcionários a empresa passou a contar com 280. A empresa, que faturou R$ 200 milhões no ano passado, estima faturar R$ 300 milhões este ano. Os três sócios possuem ainda 50% da empresa TGM Cannes, sediada na Alemanha. Os quatro sócios alemães, que controlam os 50% restantes, trabalhavam anteriormente na alemã Siemens. Hoje as turbinas fabricadas em Sertãozinho, as únicas com tecnologia nacional, são compradas pela TGM Cannes, que se encarrega da montagem.
Dois eventos ligados ao setor sucroalcooleiro, realizados simultaneamente em Sertãozinho, entre os dias 19 e 22 de setembro, reuniram cerca de 55 mil pessoas, 10% a mais do que o previsto inicialmente. Em uma área afastada do centro da cidade, cerca de 40 mil metros quadrados foram reservados para 550 expositores nacionais e estrangeiros que participaram da XIV Feira Internacional da Indústria Sucroalcooleira (Fenasucro) e da IV Feira de Negócios e Tecnologia da Agricultura da Cana-de-Açúcar (Agrocana), no Centro de Eventos Zanini.
Equipamentos, produtos e serviços necessários para todo o plantio e a colheita da cana, além da produção de açúcar e álcool, podiam ser vistos e negociados. A expectativa é que o volume de negócios gerado pela feira e nos três meses subseqüentes atinja cerca de R$ 1,5 bilhão.
A Rodada Internacional de Negócios, realizada nos dias 20 e 21, deve resultar em uma movimentação de R$ 7,5 milhões. Foram dois dias de negociações entre dez compradores, sendo três estrangeiros – Equador, México e Tanzânia – e 60 vendedores. O montante a ser negociado em função da rodada é calculado com base na avaliação feita pelos compradores ao final de cada reunião com o vendedor.
Vários eventos simultâneos ocorreram durante a realização das feiras, como o Fórum Internacional de Álcool e Etanol, que contou com a presença de várias lideranças do setor, além de palestras e do seminário “O caminho do sucesso na redução de vapor na fábrica de açúcar.”