ROBBY A. BERRY / GERHARD WESPA recente premiação do matemático luso-brasileiro Marcelo Viana, de 45 anos, evidenciou a excelência da pesquisa feita no país na área de sistemas dinâmicos, disciplina da matemática que estuda os tipos de fenômenos que evoluem no tempo, como o clima, as reações químicas, os sistemas planetários e os ambientes ecológicos. Viana foi agraciado com o Prêmio Universidade de Coimbra, atribuído anualmente a personalidades com contribuições inovadoras nas áreas de cultura e ciência. Pesquisador e diretor-adjunto do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro, ele representa um grupo de matemáticos em atividade no país que busca formular uma abordagem global sobre o comportamento geral dos sistemas dinâmicos. E contabiliza um somatório de bons resultados. “A teoria está em construção. Já houve uma tentativa anterior nos anos 1960, mas agora temos um ponto de vista inovador, que tentamos comprovar. É um projeto coletivo e de longo prazo”, afirma Viana.
Os sistemas dinâmicos são uma área relativamente nova da matemática, com cerca de cem anos. Surgiu com a ambição de resolver problemas ligados à astronomia e à mecânica celeste, na tentativa de avaliar o comportamento futuro dos planetas do sistema solar e antever se iriam chocar-se uns com outros. Acontece que, nas últimas décadas, um número cada vez maior de fenômenos passou a ser visto como sistema dinâmico complexo. “Despontam grupos interdisciplinares para estudar sistemas dinâmicos em diversas áreas do conhecimento e tanto os matemáticos como os físicos estão participando de colaborações importantes”, diz Carmen Prado, professora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), uma das autoras do livro Caos, uma introdução (Editora Edgard Blücher, 1994).
Uma aplicação clássica desses sistemas dá-se na compreensão do que pode acontecer quando duas espécies animais ou vegetais competem. Tome-se como exemplo um ambiente compartilhado por raposas e lebres. Se o número de raposas dobrar, o que acontecerá com suas presas? Se o sistema funcionasse de forma linear, as lebres iriam desaparecer. Ocorre que se trata de um sistema dinâmico não-linear. O resultado pode ser o inverso do esperado – num primeiro momento as lebres padecem, mas, no médio prazo, vai faltar comida para as raposas e elas poderão morrer de fome, deixando espaço aberto para que as poucas lebres remanescentes repovoem o ambiente. Outra possibilidade é o surgimento de ciclos em que ora uma espécie avança, ora a outra domina. As equações dos sistemas dinâmicos buscam prever o destino ou os destinos mais prováveis, chamados conceitualmente de atratores.
Efeito borboleta
No caso de sistemas dinâmicos chamados de caóticos, a dificuldade em fazer previsões é bem maior e inerente às propriedades matemáticas das equações que descrevem sua dinâmica. Um dos problemas principais consiste em estabelecer variáveis com exatidão. Como nenhuma grandeza pode ser medida com precisão infinita, qualquer pequeno erro amplifica-se com o tempo e torna a previsão equivocada. Esse fenômeno produz o que se convencionou chamar de efeito borboleta: uma pequena perturbação inicial (uma borboleta bate asas no hemisfério Sul) multiplica-se e acumula-se, alterando completamente o resultado final (influencia a ocorrência de uma tempestade na China).
O trabalho do grupo do Impa busca compreender a evolução dos sistemas dinâmicos fazendo previsões probabilísticas e avaliar se essa chance de erro é importante ou negligenciável. “Fazendo uma comparação um pouco simplista, nunca sabemos se uma moeda jogada para o alto vai cair com a cara ou com a coroa. Mas podemos afirmar com muita certeza que, se jogarmos moedas para o alto 1 milhão de vezes, de 49% a 51% serão cara e o restante, coroa”, explica Marcelo Viana.
Nascido no Rio de Janeiro, filho de pais portugueses, Viana se formou em matemática pela Universidade do Porto. De volta ao Brasil, fez doutorado no Impa e pós-doutorado nas universidades Princeton e da Califórnia, nos Estados Unidos. Entre suas principais contribuições, é possível destacar um artigo publicado em 2005 na revista Acta Matematica, em parceria com Artur Avila, pesquisador do Impa/CNRS, provando uma conjectura proposta no início dos anos 1990 pelos matemáticos russos Anton Zorich e Maxim Kontsevich. Realizou pesquisas, incluindo sua tese de doutorado, acerca dos chamados atratores estranhos, zonas geométricas de formas esdrúxulas descritas na década de 1960 pelo meteorologista norte-americano Edward Lorenz, as quais ilustram os desdobramentos de sistemas caóticos. Um desses artigos, publicado em 1999 na revista Inventiones Mathematicae em parceria com o matemático sueco Michael Benedicks, dá uma solução para um problema apresentado pelo russo Yakov Sinai e o francês David Ruelle acerca do tipo de atratores estranhos que haviam sido propostos pelo astrônomo francês Michel Hénon.
Mas, para entender a dimensão do trabalho de Viana, é preciso contextualizá-lo no esforço de pesquisa levado a cabo pelo Impa, cujo padrão científico e ambiente intelectual se comparam aos das melhores instituições do mundo. “O instituto é uma referência obrigatória em sistemas dinâmicos. Todo pesquisador da área conhece a importância do Impa”, afirma Eduardo Colli, professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME), da USP. A semente foi plantada nos anos 1960 pelo matemático Maurício Peixoto, hoje com 86 anos, pioneiro em sistemas dinâmicos no país. Peixoto estabeleceu uma parceria com o norte-americano Stephen Smale, da Universidade de Michigan, um grande estudioso do assunto, que até hoje rende frutos no Brasil.
Smale chegou a passar seis meses trabalhando no Impa e se tornaria orientador de nomes destacados da matemática brasileira, como o premiado Jacob Palis Jr. e César Camacho, o atual diretor do Impa. Essa segunda geração de pesquisadores iniciou nos anos 1990 a tentativa de formular uma abordagem global do comportamento dos sistemas dinâmicos. Diversas conjecturas foram formuladas por Palis e matemáticos da instituição debruçaram-se sobre elas com a ambição de comprová-las. Já obtiveram avanços em várias frentes e os trabalhos de Viana, que teve Palis como orientador no doutorado, são um exemplo disso. Mas, como disse o pesquisador, trata-se de um projeto coletivo.
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