Nós nem percebemos, mas quando viajamos em aviões fabricados pela Boeing, Airbus ou Embraer, que equipam grande parte das companhias aéreas do mundo, voamos, na média, a 800 quilômetros por hora (km/h). A velocidade só é superada pelo Concorde, avião supersônico comercial aposentado em 2003 depois de ter voado desde 1976. Ele ultrapassava a velocidade do som, voando a 2.170 km/h. Atualmente apenas aviões militares de caça voam em condições supersônicas. Mas a evolução tecnológica dos aviões ou ainda aeronaves híbridas, que poderiam tanto voar na atmosfera como fora dela, não abandona as altas velocidades. A pesquisa tecnológica atual busca a elaboração de aeronaves muito mais rápidas, mais econômicas e confortáveis, além de emitirem menos poluentes. No Brasil, um importante instrumento para esse tipo de pesquisa – um túnel de vento hipersônico – já está em testes na sede do Instituto de Estudos Avançados (IEAv) do Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), ligado à Força Aérea Brasileira, na cidade paulista de São José dos Campos.
Inaugurado em dezembro de 2006, o túnel possui também outras funções, como testar cápsulas de satélites que vão passar por uma futura reentrada na atmosfera terrestre, em que altas velocidades e temperaturas elevadas agem sobre esses equipamentos. Dentro da câmara de análise do túnel batizado de T3 já estão instaladas réplicas das cápsulas do microssatélite Sara, sigla de satélite de reentrada atmosférica, uma plataforma reutilizável que está em estudo pela Agência Espacial Brasileira.
O túnel de vento hipersônico do IEAv não funciona com fluxo contínuo de corrente de ar como em túneis usados para testar aviões, automóveis ou edificações. Esse tipo de túnel trabalha de forma pulsada. “O teste é um pulso de ar em altíssima velocidade com duração de 100 microssegundos a 10 milésimos de segundo”, explica o engenheiro mecânico Paulo Toro, pesquisador da Divisão de Aerotermodinâmica e Hipersônica do IEAv. Por meio de uma filmadora de alta velocidade capaz de tirar 2 milhões de quadros em um segundo é possível ver o exato momento em que uma camada de plasma se forma como resultado do pulso de ar e da sua alta temperatura (cerca de 2.000°C) em volta da réplica da cápsula do satélite. “Essa camada é chamada de onda de choque, resultante do escoamento hipersônico de ar atmosférico em interação com a superfície do modelo na seção de teste do túnel”, diz Toro.
O pulso é produzido num sistema de armazenamento que alterna mecanismos de alta e baixa pressão (veja gráfico abaixo) que libera o ar em altíssima velocidade sobre um protótipo instalado na câmara de teste do túnel. O movimento do ar é hipersônico porque representa, no mínimo, cinco vezes a velocidade do som, que é de cerca de 1.155 km/h no nível do mar. O máximo de velocidade é de cerca de 25 mil km/h, equivalente ao Mach 25, medida usada para identificar a velocidade de aeronaves em vôo. Como comparação, o Concorde atinge Mach 2.
Tais velocidades altíssimas estão relacionadas aos satélites e naves espaciais quando da reentrada na atmosfera e também a aeronaves do futuro que devem utilizar diferentes tipos de combustão para se viabilizar. Um exemplo dessas tecnologias aconteceu em 2004, quando a agência espacial americana, a Nasa, manteve no ar por 10 segundos um protótipo de avião que viajou à velocidade Mach 10, algo como 11,5 mil km/h. O sistema de propulsão dessa aeronave, chamada de X-43, funciona de modo diferente das tradicionais turbinas de avião a jato. Nessas, o ar é puxado para o interior do aparelho e faz mover as pás que jogam o ar numa câmara onde é injetado combustível, produzindo uma combustão e a conseqüente exaustão de ar quente pela parte traseira do equipamento, resultando no impulso da aeronave. No sistema scramjet, sigla em inglês para combustão a jato supersônica, usado pelo X-43, que foi lançado de um avião, a idéia é não ter partes móveis como pás.
No scramjet, o ar é comprimido pela própria geometria e velocidade do veículo e é direcionado para uma câmara na parte inferior do avião, onde também é pulverizado gás hidrogênio, que provoca a combustão e acelera a aeronave. Esse sistema de combustão deverá ser testado dentro do T3 ainda este ano, em testes preliminares, com um modelo desenvolvido no Brasil pelo IEAv. “Será o 14-X em uma homenagem ao 14-Bis do Santos- Dumont”, diz o tenente-coronel Marco Antônio Sala Minucci, um dos idealizadores do T3 e dos túneis hipersônicos anteriores, T2 e T1, de menor tamanho.
O 14-X terá cerca de 1,5 metro de comprimento e 80 centímetros de largura. A previsão é que seu lançamento aconteça de um foguete brasileiro em 2010. Outra possibilidade de estudo a ser iniciada ainda neste ano é a combustão supersônica assistida por laser. “Com o laser também poderemos testar no T3 a propulsão para naves espaciais e possíveis nanossatélites, no futuro. Para isso fizemos um acordo com o Laboratório de Pesquisas da Força Aérea norte-americana (AFRL na sigla em inglês) que vai nos ceder duas fontes de radiação laser para desenvolvermos nossas pesquisas na forma de parceria”, diz Sala. Todos os experimentos que envolvem laser na combustão e na propulsão estão ainda no começo, inclusive nos Estados Unidos, e, se forem viáveis, não serão comerciais nos próximos 20 a 50 anos. Assim, o T3 será fundamental para esses experimentos. O equipamento foi totalmente desenvolvido no IEAv e contou com financiamento da FAPESP. A fabricação do túnel envolveu quatro indústrias do interior paulista e sul do Brasil, entre metalúrgicas e caldeirarias.
O Projeto
Investigação experimental preliminar em combustão supersônica
Modalidade
Linha Regular de Auxílio a Pesquisa
Coordenador
Paulo Toro – IEAv-CTA
Investimento
R$ 1.755.353,81 e US$ 235.000,00 (FAPESP)