Um tratamento pouco convencional pode ajudar boa parte dos portadores da chamada síndrome da apneia obstrutiva do sono a dormir melhor: fazer diariamente uma série de exercícios físicos para fortalecer a musculatura da garganta em torno da língua, do palato mole (parte posterior do céu da boca) e das paredes laterais da faringe. Testada durante três meses em 31 pacientes do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor) de São Paulo que sofriam de um grau moderado de apneia, a nova abordagem diminuiu em cerca de 60% os sintomas desse disseminado problema de saúde, caracterizado por breves interrupções na respiração durante o sono que fazem a pessoa despertar momentaneamente mesmo sem se dar conta disso. Um indivíduo recebe o diagnóstico de apneia moderada quando apresenta entre 15 e 30 eventos de falta de ar por hora de sono. Os casos leves têm menos de 15 episódios por hora e os graves, mais de 30.
A redução expressiva no número de episódios de falta de ar é o principal dado que mostra os benefícios da terapia alternativa. Antes de participarem do estudo, os pacientes apresentavam, em média, 22,4 eventos de pausa na respiração por hora durante a noite. Ao fim do experimento, passaram a ter 13,7 interrupções por hora. Outros parâmetros ligados à qualidade geral do sono também melhoraram.
A intensidade e a frequência do ronco, muitas vezes associado à apneia, decresceram. A sonolência diurna regrediu. A circunferência média do pescoço dos voluntários do estudo encolheu cerca de 1 centímetro, abrindo assim mais espaço para o ar entrar e circular no sistema respiratório. “Provavelmente os exercícios também devem ser benéficos para quem tem apneia leve”, explica o pneumologista Geraldo Lorenzi Filho, coordenador do trabalho científico, cujas principais conclusões saíram num artigo publicado na edição de maio deste ano do American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine. Mas nos casos mais graves o tratamento alternativo não deve dar resultados e os doentes terão de continuar usando o CPAP, um aparelho portátil que regulariza a respiração durante o sono.
A ideia de testar o uso de exercícios na região da garganta para combater a apneia foi da fonoaudióloga Katia Guimarães, também autora do estudo científico, que dedicou sua tese de doutorado, defendida no InCor no ano passado, ao tema. Há uns dez anos, quando trabalhava em Botucatu na Universidade Estadual Paulista (Unesp), ela fez estudos em cadáveres e verificou que a sensação de ter um “bolo” na garganta, relatada por muitos pacientes com apneia, tinha relação com alterações anatômicas na região da orofaringe. Em seguida, constatou que o movimento constante de certos órgãos da boca poderia alterar a musculatura dessa área e ser benéfico. “Pensei que, por meio de exercícios executados durante o período de vigília, poderíamos melhorar o tônus da musculatura da via aérea superior e diminuir a apneia”, diz a fonoaudióloga.
A estratégia parecia pouco ortodoxa, mas ganhou impulso em 2005 quando o British Medical Journal publicou um artigo muito interessante sobre apneia. No trabalho, pesquisadores suíços mostravam que tocar um instrumento de sopro originário dos aborígenes australianos, o didgeridoo, que lembra um berrante, diminuía os sintomas da apneia. A relação entre as duas abordagens é clara para os pesquisadores. “Esse instrumento parece exercitar os mesmos músculos que a terapia testada no InCor”, comenta Lorenzi Filho.
Embora os primeiros resultados dos estudos sobre o emprego de exercícios bucais contra a apneia sejam promissores, a nova terapia ainda permanece com o status de experimental e não dever ser feita sem o auxílio de uma fonoaudióloga e supervisão médica. Até porque a execução de movimentos errados não produzirá os mesmos efeitos obtidos no trabalho científico. E há diferentes tipos de exercícios a serem feitos, envolvendo a língua, o palato mole, as bochechas, às vezes com o auxílio de uma escova de dentes ou de um dedo.
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