Um peixe híbrido de coloração avermelhada, saboroso e com excelente desenvolvimento, foi obtido após quatro anos de um extensivo trabalho de melhoramento genético feito a partir de duas variedades de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus), uma vermelha mutante e a outra selvagem preta. “Conseguimos realizar cruzamentos dirigidos, seguidos de seleção, e produzir um híbrido que está pronto para disputar o mercado”, diz o professor Alexandre Wagner Silva Hilsdorf, do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), coordenador do projeto conduzido em parceria com a empresa Royal Fish, de Jundiaí, no interior paulista. A variedade vermelha é um mutante da tilápia selvagem preta originária do rio Nilo, que banha o nordeste da África. No início da década de 1990, ela foi desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Aquicultura da Universidade de Stirling, na Escócia, que a batizaram de Red Stirling. “A tilápia mutante tem como principal característica a ausência de pigmentação preta na pele, mas não se trata de um peixe albino, já que possui células de pigmentação pretas, chamadas melanóforos, nos órgãos internos e nos olhos”, explica Hilsdorf.
Embora seja um peixe atraente para o consumidor, tanto pela aparência como pelo sabor da carne, ela tem uma séria desvantagem para o produtor – cresce menos do que outras variedades de tilápia melhorada geneticamente, como, por exemplo, a variedade Chitralada, assim chamada porque foi desenvolvida no Japão e melhorada nos tanques de cultivo do palácio real Chitralada, em Bangcoc, na Tailândia. Essa variedade chegou ao Brasil em 1996, com a doação de alevinos pelo Asian Institute of Technology, da Tailândia, e atualmente é a espécie de tilápia mais utilizada comercialmente. Juntar as melhores características de cada uma das variedades, o vermelho da Red Stirling e o tamanho avantajado da Chitralada em curto período de tempo, era a proposta do projeto, que teve apoio da FAPESP na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe). “Em qualquer criação animal é preciso crescer o mais rápido possível no menor período de tempo, para que o produtor não tenha prejuízos”, diz Hilsdorf, formado em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. “Até pouco tempo atrás, a tilápia tinha como peso comercial 500 gramas, obtido em cinco meses a uma temperatura média de 25 graus Celsius na água”, diz o pesquisador. Hoje o mercado mudou e quer tilápias de 700 a 800 gramas. Os híbridos avermelhados obtidos nos cruzamentos chegaram a 700 gramas, ultrapassando a variedade Red Stirling em cerca de 30% e a Chitralada em 6%.
No experimento feito nos tanques de cultivo da empresa na fazenda Santa Inês, em Jundiaí, foram utilizados 60 reprodutores das duas variedades de tilápia nilótica com mais de 200 gramas e com as seguintes características: Red Stirling sem manchas escuras e Chitralada com corpo avantajado e cabeça pequena. Essa escolha teve como objetivo, além da obtenção de uma prole sem manchas pretas, selecionar outras características de interesse zootécnico, como crescimento, sobrevivência, conversão alimentar e resistência ao manejo. Os alevinos fêmeas gerados por esse cruzamento foram separados manualmente na fase de larva para que fosse feita a sua reversão sexual por meio de hormônios masculinizantes, processo utilizado nos sistemas de cultivo intensivo porque os machos tendem a crescer e a ganhar peso mais rapidamente do que as fêmeas. Todo o processo de melhoramento foi acompanhado por várias análises de DNA, feitas no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura da UMC, para avaliar a diversidade genética dos pais e das proles resultantes dos cruzamentos.
Variedade comercial
Antes dos experimentos em campo, Hilsdorf fez uma série de testes para avaliar o potencial da Red Stirling na composição de uma variedade híbrida com a Chitralada. “Até aquele momento, a vermelha mutante não havia passado por nenhum melhoramento genético”, diz o pesquisador. Embora nos testes iniciais ela tenha perdido da Chitralada no quesito crescimento, com 30% menos peso obtido no mesmo período de tempo, Hilsdorf percebeu que ela apresentava uma vantagem em relação a outras variedades de tilápia vermelha. “Os cruzamentos da Red Stirling com a preta resultam quase sempre em híbridos vermelhos”, conta. Essa característica era fundamental para levar adiante o projeto, porque a proposta desde o princípio era conseguir uma variedade comercial que pudesse disputar o mercado com uma variedade de tilápia popularmente conhecida no Brasil com o nome de Saint Peter, um híbrido de coloração alaranjada introduzido no Brasil pela empresa israelense Aquaculture Production Technology. Foi com esse argumento que ele conseguiu convencer o médico otorrinolaringologista Ricardo Ferreira Bento, um dos três sócios da Royal Fish, a viajar até a Escócia para comprar 1.200 alevinos da nilótica vermelha. Na época, a empresa cultivava a Saint Peter, mas constantemente precisava comprar novas matrizes da empresa israelense.
A parceria entre Hilsdorf e a Royal Fish começou com uma visita que Ricardo Bento fez em 1999 ao professor José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração, em São Paulo. Krieger era o orientador de doutorado de Hilsdorf na tese sobre genética do DNA mitocondrial de uma espécie de peixe da bacia do rio Paraíba do Sul. “No quadro de avisos havia um artigo meu sobre peixes, que despertou o interesse de Ricardo”, diz Hilsdorf. A partir daí a troca de conhecimento e interesses foi se solidificando. Atualmente a pesquisa de melhoramento genético segue por outros caminhos, com novos cruzamentos entre a vermelha e a preta. “Agora estamos estabelecendo um programa de melhoramento genético com a variedade vermelha e outras pretas, além da Chitralada, com cruzamentos e teste de progênie para obter uma tilápia vermelha ainda melhor”, explica o pesquisador.
Nessa pesquisa, além da Chitralada, também está sendo testada a resposta de uma variedade de tilápia chamada Gift, sigla de Genetic Improved Farmed Tilapia – Oreochromis niloticus, projeto de melhoramento genético desenvolvido nas Filipinas, em colaboração com a Noruega, para obtenção de uma tilápia altamente produtiva para fins sociais na Ásia. O esforço para obtenção de novas variedades resistentes, altamente produtivas e com carne diferenciada tem uma explicação. “A tilápia é o peixe mais produzido em cativeiro no Brasil”, diz Hilsdorf. “São cerca de 100 mil toneladas por ano.” O dado refere-se ao ano de 2007. Nada mau para um peixe que chegou ao Brasil na década de 1950 para controlar o mato que crescia nas turbinas hidrelétricas.
Diferenças entre polvos
Animais do litoral Sul e Sudeste pertencem à espécie Octopus vulgaris e os do Norte e Nordeste à Octopus insularis
Se na aparência, com seus oito tentáculos, todos os polvos que estão distribuídos pelo litoral brasileiro são parecidos, geneticamente eles podem ser bem diferentes, como mostra um estudo conduzido no doutorado de Ângela Aparecida Moreira pelo programa de pós-graduação em Biotecnologia da Universidade de São Paulo, com a parte experimental realizada no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura da Universidade de Mogi das Cruzes sob a orientação do professor Alexandre Hilsdorf. “Uma análise mais detalhada mostra que o polvo comum, conhecido como Octopus vulgaris, está mais concentrado no Sul e Sudeste, enquanto os animais do Norte e Nordeste pertencem a outra espécie, recentemente identificada como Octopus insularis, por causa de um animal encontrado na ilha de Fernando de Noronha”, explica Hilsdorf. O polvo capturado pelos pescadores no litoral Sul e Sudeste é semelhante geneticamente ao polvo encontrado em Portugal, chamado de Octopus vulgaris. Esse tipo de conhecimento é importante para futuros trabalhos de conservação e repovoamento da espécie e para controle de pesca predatória.
O estudo teve a participação do pesquisador Acácio Ribeiro Gomes Tomás, do Instituto de Pesca de Santos, que fez as coletas dos polvos. “Nossa proposta era fazer um trabalho de genética populacional e, para isso, precisávamos saber se as populações de polvo capturadas no litoral brasileiro constituem o mesmo grupo genético ou são geneticamente diferentes”, diz Hilsdorf. As análises foram feitas com marcadores microssatélites, os mesmos marcadores de DNA usados para testar a paternidade. “Foi quando percebemos que os polvos de uma praia perto do Recife, no litoral pernambucano, eram mais parecidos com os de Santa Catarina”, relata. A confirmação de que se tratava mesmo de duas espécies diferentes veio com outra abordagem genética, a comparação de sequências de trechos do DNA mitocondrial.
Os Projetos
1. Avaliação genética e zootécnica de duas variedades de tilápia nilótica para o estabelecimento de um programa de produção massal de um híbrido (nº 01/08416-4); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe); Coordenador Alexandre Wagner Silva Hilsdorf – UMC; Investimentos R$ 123.642,39 e US$ 8.998,66 (FAPESP)
2. Biotecnologia pesqueira aplicada à avaliação genética populacional dos estoques do polvo comum (Octopus vulgaris) do litoral brasileiro pelo uso de marcadores microssatélites para seu manejo sustentado (nº 04/02631-9); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Alexandre Wagner Silva Hilsdorf – UMC; Investimento R$ 69.313,67 (FAPESP)