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Ética

Boas práticas científicas

FAPESP lança código para preservar a integridade da pesquisa

CSA Images / GettyImagesA FAPESP lançou seu Código de boas práticas científicas, conjunto de diretrizes éticas para a atividade profissional dos pesquisadores que recebem bolsas e auxílios da Fundação. O documento, o primeiro do gênero de uma grande agência de fomento brasileira, organiza normas que, em diversos casos, já faziam parte da rotina da Fundação e de muitas instituições de pesquisa, como a necessidade de pesquisadores e avaliadores declararem situações de conflito de interesses ou a importância de conservar os registros da pesquisa após a publicação dos resultados. Em outros aspectos, o código busca definir normas para práticas sobre as quais pode haver interpretações divergentes. No que diz respeito à indicação dos autores de um trabalho científico, por exemplo, estabelece que devem ser incluídos apenas aqueles que tenham dado contribuições intelectuais diretas e substanciais para a concepção e realização da pesquisa. E esclarece que a cessão de recursos financeiros e de infraestrutura “não é condição suficiente para uma indicação de autoria de trabalho resultante dessa pesquisa”.

O código parte do princípio de que todo cientista é eticamente responsável pelo avanço da ciência e deve conduzir-se “com honestidade intelectual, objetividade e imparcialidade, veracidade, justiça e responsabilidade”. “Há uma tendência crescente de trabalhar a ideia das boas práticas de conduta, no âmbito social, econômico e cultural”, disse o presidente da FAPESP, Celso Lafer. “Como a atividade de pesquisa ampliou-se muito nos últimos anos, era necessário colocar de forma mais explícita os padrões de conduta esperados”, afirmou.

A elaboração do código levou em conta a experiência internacional acumulada em relação à questão da integridade ética da pesquisa. Serviram como referência códigos de conduta e manuais de procedimentos adotados por agências como a National Science Foundation e os National Institutes of Health, dos Estados Unidos; o Research Councils UK, do Reino Unido; a European Science Foundation; e as agências australianas de fomento. O código começou a ser discutido internamente na Fundação há cerca de um ano. Para dar respaldo ao debate, um documento de trabalho tratando da experiência de outros países foi produzido por Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador adjunto de Ciências Humanas e Sociais da FAPESP, além de coordenador científico da revista Pesquisa FAPESP. Intitulado “Sobre a integridade ética da pesquisa”, o texto apresenta um panorama internacional sobre a questão e indica a existência de três tipos de abordagem. Num deles, em que se incluem países como o Brasil e a França, não há políticas sistemáticas de promoção e prevenção nem mecanismos permanentes a lidar com a questão. No segundo, figuram países como Estados Unidos, Noruega e Dinamarca, que dispõem de uma estrutura coordenada por órgãos dotados de poder e dever legalmente atribuídos. No terceiro, estão nações como Alemanha, Reino Unido, Canadá e Austrália, onde não há órgãos instituídos para regular e supervisionar as atividades relativas à integridade da pesquisa, mas onde as agências nacionais de fomento assumiram funções regulatórias.

Há dois meses, o texto final do código foi aprovado pelo Conselho Superior da FAPESP. Posteriormente, foi apresentado e discutido com os pró-reitores de Pesquisa das três universidades estaduais paulistas e com representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciências, que receberam bem a iniciativa. “A FAPESP busca contribuir para que a gente possa ter na comunidade de pesquisa do estado de São Paulo uma cultura cada vez mais sólida de integridade ética na pesquisa. Trata-se de uma preocupação mundial”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação.

O código estabelece que as instituições de pesquisa com projetos financiados pela Fundação devem incluir em seu organograma instâncias encarregadas tanto de promover a cultura de integridade ética, por meio de programas regulares de educação, disseminação e treinamento, quanto de investigar e, se for o caso, punir a ocorrência de possíveis más condutas científicas e reparar os prejuízos científicos que tenham causado. “Nosso objetivo é desenvolver uma cultura que valorize as boas práticas, baseada em três pilares: a educação, a prevenção e a investigação, com sanções justas e rigorosas”, disse Brito Cruz. No campo da educação, as instituições deverão promover cursos, workshops e outras atividades que mantenham continuamente a discussão sobre as boas práticas na agenda de estudantes e pesquisadores. “A questão da educação é fundamental, pois a educação ética é inseparável da educação científica”, disse Luiz Henrique Lopes dos Santos. “Nem sempre é trivial, e frequentemente requer perícia científica, distinguir que dados são relevantes e que dados não são relevantes para a confirmação ou não de uma hipótese científica, quando se trata de estabelecer se um certo artigo relata com fidelidade todos os dados relevantes para a ponderação do grau de corroboração que propõe para suas hipóteses”, afirmou.

No campo da prevenção, o objetivo é garantir que pesquisadores e orientadores, se tiverem dúvidas ao enfrentar situações concretas, encontrem respaldo da instituição para resolvê-las – e que eventuais denúncias possam ser recebidas sem que o autor fique vulnerável a retaliações. As más condutas graves mais típicas e frequentes, na definição do documento, são a fabricação de dados; a falsificação de informações, apresentando-as de forma imprecisa ou incompleta a ponto de interferir nas conclusões; e o plágio, definido como a utilização de ideias ou formulações de outra pessoa sem dar o devido crédito. Alegações de má conduta científica deverão ser investigadas pelas instituições, que farão uma avaliação preliminar, num prazo não maior do que 30 dias. Caso as evidências sejam consistentes, deverá ser aberto um processo de investigação formal. Os acusados serão notificados e a FAPESP avisada sobre a alegação. A investigação deve durar um prazo não superior a 90 dias, durante os quais serão levantadas evidências, depoimentos e pareceres técnicos, com amplo direito de defesa. Se o relatório final não for considerado satisfatório, a FAPESP poderá fazer novo processo de investigação. As medidas punitivas que podem ser impostas pela Fundação incluem, entre outras, o envio de uma carta de repreensão aos autores da má conduta, a suspensão temporária da prerrogativa de solicitar auxílios e bolsas à FAPESP; e a devolução de recursos concedidos para a realização da pesquisa a que se relacionam os problemas.

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