Com um tronco avermelhado de quase 2 metros de diâmetro e 25 metros de altura, com uma casca que lembra escamas de peixe, a jueirana-vermelha ou Parkia pendula é uma das espécies de árvores típicas da floresta amazônica que começaram a ser encontradas em uma reserva de mata atlântica em Linhares, norte do Espírito Santo, a 2.400 quilômetros das bordas da atual floresta amazônica, há 30 anos. No entanto, até hoje ninguém sabe muito bem por que elas estão aqui. Agora, para deixar ainda mais emocionante a dúvida, especialistas de São Paulo, com base em análises de solo e de pólen retirados dos sedimentos do fundo de uma lagoa, estão literalmente desenterrando as paisagens do passado e mostrando que as espécies amazônicas já viviam nesta região há pelo menos 7,8 mil anos.
Esse levantamento está indicando que espécies se mantiveram ou desapareceram como resultado das variações de clima e de solo ao longo de milhares de anos. Além disso, sugere possíveis interações entre ambientes hoje distantes e isolados, como a floresta litorânea e a Amazônia, e, de modo mais amplo, indica a tendência das transformações, a resistência ou a fragilidade das diversas formas de vegetação nativa do país, em resposta às variações de clima. “As matas fechadas, se não houver interferência humana nem mudanças climáticas intensas, tendem a avançar sobre as áreas abertas, ocupadas pelos campos”, diz Luiz Carlos Pessenda, pesquisador do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, que coordena os levantamentos que estão refazendo a floresta submersa do norte do Espírito Santo.
Nos últimos 20 anos, Pessenda, físico de formação, fez cerca de 200 furos pelas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste em busca de pólen em sedimentos terrestres e lacustres e em amostras de solo, antes de concluir que as áreas abertas tendem a escassear, seguindo a tendência dos últimos 4 mil anos. Talvez não aqui em Linhares, ele suspeitou, ao percorrer essas matas pela primeira vez, há quatro anos, e ver os campos nativos – cerca de 20 áreas circulares com uma vegetação rasteira e raras árvores, que crescem em solo bastante arenoso e resistem em meio à mata fechada. “Há 8 mil anos havia ilhas de floresta amazônica aqui, onde o clima não mudou muito, ou então a floresta amazônica chegava até aqui.”
Com base nos dados obtidos até agora, Pessenda, com sua equipe do Cena, concluiu que o clima no norte do Espírito Santo deve ter se mantido relativamente estável nos últimos 15 mil anos. Desse modo, a área, a composição e a estrutura das matas devem ter se mantido com poucas alterações, enquanto em outras regiões do país as florestas encolhiam ou desapareciam, em resposta a variações climáticas intensas. Esse contraste sugere que as matas capixabas podem ter sido refúgios biológicos, preservando espécies de plantas e de animais que podem ter se extinguido em outros lugares ou mesmo servindo como espaço para a formação de novas espécies, à medida que se separavam de outras. O arquipélago de Fernando de Noronha, onde ele também fez levantamentos de campo, pode ter sido outro lugar sem grandes mudanças na vegetação, mas com claros registros do avanço da linha de costa. “Onde é manguezal, a 200 metros da praia”, diz ele, “já foi praia, há aproximadamente 5 mil anos.”
A possibilidade de ter sido um refúgio com florestas há milhares de anos, se confirmada por outros estudos, poderá ampliar o valor biológico dessas matas que há meio século seguiam contínuas até o sul da Bahia e ganharam o nome de hileia baiana, em razão da semelhança com a Amazônia. As florestas encolheram bastante, em razão da expansão das cidades e do desenvolvimento econômico – Linhares já foi um pujante centro de produção de móveis, com madeiras retiradas das matas nativas. Mas restou uma respeitável área de 45 mil hectares – metade preservada como área pública federal, a reserva biológica de Sooretama, e outra metade pela mineradora Vale – cercada de fazendas de café e mamão.
“A biodiversidade salvou a floresta dessa região”, diz o engenheiro florestal Gilberto Terra Ribeiro Alves, coordenador de pesquisa da Reserva Natural Vale (RNV). A mineradora começou a formar a reserva em 1955 comprando fazendas com matas nativas. De acordo com o plano inicial, as árvores seriam cortadas em regime de exploração seletiva e a madeira aproveitada para construir dormentes para a ferrovia Vitória–Minas, que transporta minério de ferro do Quadrilátero Ferrífero até o porto de Vitória. Seria necessário, porém, adaptar os métodos de produção e as máquinas de corte para cada árvore que chegasse da mata. E, por fim, foi mais simples e mais barato fazer dormentes com eucaliptos plantados na região.
A reserva da Vale ganhou outro destino e se tornou uma área de preservação da mata atlântica peculiar dessa região, a chamada floresta de tabuleiro, mantendo atualmente cerca de 100 projetos próprios, principalmente nas áreas de silvicultura de espécies não tradicionais e restauração florestal. É também um espaço para pesquisas em botânica e ecologia. Segundo Alves, a reserva abriga hoje cerca de 60 projetos de pesquisa em andamento, executados por equipes de 17 instituições nacionais e oito estrangeiras, além de um herbário com quase 4 mil espécies e coleções de sementes, madeira e frutos que tem se mostrado valioso para completar a identificação de espécies coletadas na mata.
Siqueira, o curador do herbário, nasceu em Linhares, mas nunca tinha entrado em uma floresta até começar a trabalhar na reserva, em 1995. No início, morria de medo de andar por ali. “Quando entrava na mata, o pelo do braço arrepiava, o coração disparava”, ele conta. “Aos poucos vi que a floresta não era tão amedrontadora quanto parecia.” De lá para cá, ele coletou 800 plantas da mata para reforçar o herbário e tem sido bastante requisitado para trabalhar na identificação das espécies ao lado de botânicos veteranos como José Rubens Pirani, da USP. Pirani visitou a reserva em fevereiro de 2011 para ver in loco a Spiranthera atlantica, uma espécie nova e a primeira ocorrência na mata atlântica de um gênero de árvore antes encontrada apenas na Amazônia e no cerrado, da qual Siqueira já tinha lhe enviado material para identificação.
Um levantamento preliminar indicou que cerca de 800 espécies de árvores e palmeiras – as mais abundantes são típicas de mata atlântica – se espalham pela reserva da Vale, incluindo algumas só encontradas nestas matas, como duas espécies de ipês. Em uma contagem de campo recém-concluída, uma equipe da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, encontrou 142 espécies de árvores que ocorrem também na Amazônia – e algumas delas também na caatinga e no cerrado. “As espécies de outros ecossistemas não são as mais importantes, em número de indivíduos, mas apresentam uma alta diversidade”, diz o engenheiro florestal Sebastião Venâncio Martins, professor da UFV e coordenador dos estudos de campo nas florestas de Linhares. Além disso, espécies como a Parkia ajudam a formar o dossel, a parte mais alta da floresta. Para Martins, a maior concentração de espécies amazônicas nos trechos mais preservados e distantes das bordas da floresta da reserva, verificada na pesquisa de doutorado de Luiz Fernando Magnago, que ele orienta, reforça a necessidade de preservação de grandes áreas de florestas nativas nesta região do Espírito Santo.
A pergunta que persiste na mente de quem vê estas matas: por que essas espécies de árvores amazônicas estão aqui? “Pode ter havido uma conexão entre a Amazônia e a mata atlântica, talvez por meio das matas próximas aos rios”, diz o biólogo Antonio Álvaro Buso Junior, que trabalha com Pessenda no Cena. “Quando? Talvez há 10 ou 20 milhões de anos. Ou mais recente, há 50 ou 100 anos. A conexão pode ter sido feita por meio das matas ciliares e foi desfeita com o desmatamento.”
Pirani concorda: “Vários estudos paleobotânicos têm demonstrado que, em uma época de clima mais úmido e quente, havia cordões de mata e manchas de mata úmida onde hoje é caatinga e cerrado”. Para Martins, além de prováveis ligações remotas entre tipos de vegetação hoje bastante diferenciadas, mas que antes deviam formar um tapete verde contínuo, essa floresta apresenta solo arenoso, relevo plano e um clima marcado por chuvas constantes semelhantes à Amazônia. Essas semelhanças ajudam a explicar a sobrevivência de espécies comuns nas matas nativas da Região Norte do país.
Do fundo de um lago
Equilibrando-se em barcos infláveis, Álvaro e Paulo Eduardo de Oliveira, pesquisador da Universidade São Francisco com experiência nessa área, recolheram amostras de sedimentos de até dois metros de profundidade do fundo da lagoa do Macuco, que se espalha com cerca de um quilômetro de largura e três metros de profundidade, na reserva de Sooretama. De volta ao Cena, Álvaro identificou pólen de 234 gêneros ou famílias de árvores, arbustos, ervas, samambaias e plantas aquáticas (cada grão de pólen mede de 20 a 60 micrômetros). “A identificação por pólen permite a identificação taxonômica com segurança apenas até o nível de gênero”, argumenta.
A maioria dos gêneros reconhecidos representava espécies de árvores típicas de mata atlântica, alguns, como o gênero Hydrogaster, exclusivos das matas de tabuleiro do sul da Bahia e norte do Espírito Santo. Outros gêneros são encontrados na Amazônica e na mata atlântica, como Glycydendron, Rinorea e Senefeldera. “Por que acham que vieram de lá para cá?”, indaga Domingos Folli, botânico que antecedeu Siqueira no herbário, com a autoridade de quem fez 6.800 coletas. “Podem ter ido daqui para lá.” Pode ter ocorrido, claro, um fluxo de mão dupla.
As sementes das árvores podem ter sido transportadas pelo vento, pela chuva, pelos rios ou pelos animais que circulavam nas áreas de comunicação entre florestas antes possivelmente conectadas e, elas próprias, muito mais amplas. Ainda hoje vivem por aqui onças e outras raridades, como o gavião-real e mutuns. Uma das 380 espécies de aves já identificadas que vivem nessas matas, o tropeiro ou cricrió (Lipaugus vociferans), é típica da Amazônia. Lá e aqui, dificilmente é visto por ter uma plumagem que se confunde com a vegetação, mas é um dos primeiros pássaros que se põe a cantar, como se estivesse dando um alarme, ao ver pessoas pela mata. Um dia, andando pela mata, Álvaro ouviu algo ainda mais raro: papagaios cantando Ilariê-ê-ê-ê; a música da Xuxa! Ele não acreditou, mas depois soube que um bando de papagaios criados em casas tinham sido soltos ali havia poucos dias e ainda exibiam o repertório dos tempos de cativeiro.
Resquícios do mar
No material colhido no fundo da lagoa, Álvaro encontrou pólen dos três gêneros de árvores típicas de manguezais, indicando que há cerca de 8 mil anos um denso manguezal deve ter ocupado as margens da lagoa e dos rios que a abastecem. As análises de carbono 14, sob o cuidado de Pessenda, reiteraram essa conclusão.
“Esta área já foi estuário e a água do mar deve ter chegado até aqui há no mínimo 8 mil anos”, diz Álvaro do alto do barranco da lagoa, a quase 30 metros de altura. Esqueletos calcificados de algas e esponjas marinhas retirados do fundo da lagoa – bem maiores que os grãos de pólen, com até meio milímetro de diâmetro – reforçam a conclusão de que há 10 mil anos a água dos rios próximos deve ter ser misturada com a do mar, hoje a 23 quilômetros de distância. “Os manguezais, que hoje vemos apenas ao norte, na divisa com a Bahia, devem ter desaparecido antes da ocupação humana, quando o nível do mar recuou”, diz Pessenda. Em colaboração com Marcelo Cohen, especialista em evolução de paleomanguezais da Universidade Federal do Pará, o grupo do Cena pretende conhecer os limites geográficos e as possíveis causas do desaparecimento dessa vegetação. Em um estudo anterior, Pessenda concluiu que há cerca de 40 mil anos uma floresta ocupava as áreas atualmente cobertas pelos manguezais na ilha do Cardoso, litoral sul paulista, porque a linha de costa estava a cerca de 100 quilômetros de onde está hoje.
Por volta de 6 mil anos atrás, o mar no litoral capixaba devia estar cerca de quatro metros acima do que está hoje, concluiu o geólogo Paulo Giannini, com sua equipe do Instituto de Geociências da USP. Sua conclusão se apoia em análises de fósseis de moluscos gastrópodes chamados vermetídeos (Petaloconchus varians), que formam colônias sobre rochas acompanhando a linha da água.
Giannini tem um pé em Linhares. “Há uns dois anos, Pessenda me pediu, ‘Paulo, descobre por que os campos nativos estão lá’”, diz ele. “A vegetação não é só resultado do clima; temos de ver também a influência do substrato, por exemplo, se há milhares de anos existiram lagos na região, que depois foram assoreados, conformando as áreas em que cresceram grupos específicos de plantas.” Os campos das matas do norte capixaba são áreas circulares, de 100 a 500 metros de diâmetro, que lembram uma área de pouso de naves espaciais. Podem ser diferentes entre si. Em um deles a camada de areia ocupa quase um metro antes de chegar a uma camada preta e compacta rica em metais e matéria orgânica, em outra a areia chega a quase dois metros de profundidade.
Sobre esse solo pobre em nutrientes crescem espécies distintas de gramíneas, mais rasteiras em um campo, mais altas em outro, às vezes com árvores isoladas, semelhante às formas mais abertas de cerrado. Em um dos campos, alojada em uma árvore isolada, exibe-se uma orquídea de flores brancas, a Sobralia liliastrum, comum nas matas da Chapada Diamantina, sul da Bahia, e já vista nas matas da serra dos Carajás, no Pará.
Os especialistas acreditam que as árvores da floresta que cerca os campos, adaptadas a um solo mais fértil, dificilmente poderiam sobreviver neste espaço pobre em nutrientes, que, além disso, permanece coberto por uma camada de água de 10 a 15 centímetros durante a época de chuvas. Uma vegetação de altura intermediária ocupa as áreas mais próximas da floresta, mas ainda ninguém arrisca dizer se os campos estão avançando sobre as matas, se estão recuando ou se simplesmente há uma oscilação anual, de acordo com a estação seca ou chuvosa. “Se o clima sazonal se mantiver”, diz Pessenda, “provavelmente as árvores de terra firme que se encontram no entorno dos campos não vão se atrever a colonizar o terreno alheio, que frequentemente se encontra encharcado. Não é o seu ambiente!”
Siqueira suspeita que os campos estejam encolhendo – e já viu muitos desaparecerem, por causa da areia fácil de ser retirada e por muitos anos bastante usada na construção de casas e prédios. “Se não houver grandes intervenções”, diz Martins, de Viçosa, “a tendência é se manterem, por causa do tipo de solo, que bloqueia o avanço das espécies florestais”. Pessenda acredita que os campos devem estar na mesma área “há pelo menos 15 mil anos”.
Em 20 anos de trabalho de campo, o que mais ele tem visto são florestas comendo os campos. Foi assim em Humaitá, no sul do estado do Amazonas, que Pessenda acompanhou durante cinco anos. Nos primeiros anos ele deixava um barbante estendido marcando os limites da mata com os campos. Ao voltar, no ano seguinte, custava a encontrar o barbante, engolido pela floresta, que tinha avançado um ou dois metros sobre os campos (ver mapa).
Pessenda conta que teve de fazer uma cirurgia no ombro por causa do esforço exigido para fazer os furos (os estudantes hoje o ajudam, claro), mas nem pensa em parar. “Estamos indo para o sul da Bahia, em busca de sinais de manguezais e campos e matas antigas”, anuncia, enquanto planeja as próximas viagens e a ampliação do laboratório de 240 para 400 metros quadrados (eram 90 em 1990). Esse campo de estudo também está se mostrando bastante fértil, e equipes do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, entre outras, estão refazendo paisagens de milhares de anos atrás – e imaginando como vão se transformar daqui para a frente – com base em análises de solo e pólen.
Outra indicação dos bons ventos desse campo de pesquisa: o navio oceanográfico alemão Maria Merian partiu do porto de Recife em 11 de fevereiro para coletar sedimentos da foz dos rios Parnaíba e Amazonas e da costa da Guiana Francesa. Outro objetivo é reconstituir a evolução do clima da região amazônica nos últimos 2 mil anos. “Neste momento [início de março] estamos na desembocadura do rio Amazonas e já coletamos testemunhos sedimentares de excelente qualidade, além de amostras da coluna de água, e pudemos mapear o delta subaquático do rio Amazonas com uma resolução espacial simplesmente impressionante”, relata o geólogo Cristiano Chiessi, da USP, um dos pesquisadores brasileiros, diretamente do navio. “Nosso destino final é Bridgetown, Barbados, aonde devemos chegar em 11 de março.”
O Projeto
Estudos paleoambientais interdisciplinares na costa do Espírito Santo (nº 11/00995-7); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Luiz Carlos Ruiz Pessenda – Cena/USP; Investimento R$ 1.027.868,62 (FAPESP)