GABRIEL BITTARO Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Mato Grosso monitora os gastos nas áreas de educação e saúde de 141 municípios e os impactos dessas políticas na qualidade do atendimento à população, por meio de base de dados georreferenciados desenvolvida pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM). “Esse modelo permite não apenas avaliar se os municípios estão gastando o que a Constituição exige, mas também se eles vêm melhorando o seu desempenho”, diz Marta Arretche, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do CEM.
A metodologia, criada há cinco anos por encomenda do TCE de Mato Grosso, foi transferida para o estado e passou a ser utilizada como ferramenta de avaliação de desempenho das administrações municipais. Mais que isso: as informações resultantes da aplicação do Índice do desempenho da saúde e da educação das cidades do Mato Grosso estão disponíveis no site do TCE e podem ser acessadas por qualquer cidadão interessado em obter informações sobre gastos e atendimento nessas áreas em seu município.
A transferência de conhecimento na avaliação de políticas públicas é a principal missão do CEM, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP, formado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Desde a sua instalação, em 2003, já foram implementados mais de 30 projetos de pesquisa envolvendo transferência de metodologia ao setor público.
A parceria entre o TCE/MT e CEM iniciou-se quando o tribunal decidiu, em 2007, fazer uma investigação que fosse além da verificação da regularidade do gasto público, no que se refere à sua legalidade, legitimidade e economicidade. “O tribunal entendeu que também era preciso avaliar se os referidos gastos tiveram impacto positivo na sociedade”, conta Volmar Bucco Júnior, auditor público do TCE/MT. Foi quando surgiu a ideia de avaliar políticas públicas por meio de indicadores de resultados e foi firmada a parceria com o CEM. “Trata-se de uma ferramenta valiosa. Ao retratar os resultados das políticas públicas de saúde e educação do estado e dos municípios, o controle externo avalia a eficiência na gestão dos recursos públicos”, ele explica. As administrações, assim, podem avaliar sua própria atuação, verificando a evolução dos resultados e sua posição em comparação com a média Brasil, o que permite tomada de decisões, e a sociedade pode acompanhar o desempenho dos gestores públicos, podendo reivindicar a melhoria dos serviços.
O Índice do desempenho da saúde e da educação é, na verdade, uma base geor-referenciada de dados com informações fornecidas pelos ministérios da Educação e da Saúde e que permite a comparação do desempenho dos diferentes municípios brasileiros. A matriz da avaliação considera 10 itens para cada uma das áreas em questão. A análise dos sistemas de saúde, por exemplo, contabiliza mortalidade neonatal, cobertura à saúde da gestante, indicadores sobre a saúde da criança, óbitos por doenças infectocontagiosas (como dengue e tuberculose) e números de atendimentos relativos à saúde da mulher. Os dados são recolhidos pelo banco de dados do Sistema Único de Saúde (Datasus). Para a análise do sistema de educação, foram recolhidas informações sobre taxas de reprovação até a 4ª série e da 5ª à 8ª série do ensino fundamental, entre outros quesitos. As informações foram fornecidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e pelo Censo Escolar (sistemas de avaliação da educação básica do país).
Dados nacionais
Os mapas ao lado e da página 113 permitem, por exemplo, comparar o desempenho de sistemas de saúde e de educação em diferentes municípios do país. As manchas vermelhadas sinalizam situações classificadas como “muito ruins”. A cor azul-escuro revela o que foi avaliado como “muito bom”. Esses dois tons e o degradê de cores que existe entre eles consolidam dados recolhidos município por município em todo o território nacional.
Segundo Marta Arretche, esse tipo de estudo só pode ser realizado porque o país tem sistemas públicos abrangentes e gratuitos de informação. “Para saber como os governos municipais ou estaduais estão gastando, é preciso montar um sistema confiável. E essa informação já existe. Só o Japão se compara ao Brasil em termos de disponibilização da informação de sistemas públicos.” Nos Estados Unidos, ela acrescenta, não existem sistemas de informações nacionais sobre os municípios. Lá, para montar um sistema semelhante, seria preciso percorrer cidade por cidade, buscando a informação desejada, para depois compatibilizá-la. “Aqui temos o Censo Escolar, a Prova Brasil, o Datasus, além das pesquisas de informações municipais do IBGE.”
Essas informações devem ser equacionadas para possibilitar comparações. Para cada indicador, o município recebe uma nota de 0 a 1. Para a nota total, os itens são somados. As condições são analisadas sempre em períodos de três anos (os mapas se referem aos triênios de 2004 a 2006 e de 2007 a 2009). “A gente trabalha com média de três anos porque, se houve um evento extremo em uma cidade em um dado ano, por exemplo, dá para corrigir distorções.”
O resultado das análises comparativas no período revela que, na educação, havia uma “massa” de municípios em péssima situação no início da década, enquanto um pequeno número de cidades representava “ilhas de excelência” que aumentaram ao longo da década. Na saúde brasileira, por outro lado, não existe essa situação de contrastes. “Há menos desigualdade entre os municípios, mas não temos pontos de excelência, ainda que se tenha registrado melhoras significativas com o passar dos anos”, analisa Arretche.
Indicador de qualidade de vida
A expectativa do auditor público do TCE/MT é viabilizar essa metodologia de análise para qualquer órgão público, ou mesmo privado, do Brasil. Na avaliação de Marta Arretche, o estudo pode ajudar a medir o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população de um país com as dimensões do Brasil. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em sua avaliação, não dá uma boa medida de sistemas descentralizados de prestação de serviços públicos. Já a metodologia do CEM permite avaliar o desempenho de políticas sociais de saúde e de educação em esferas muito mais abrangentes e mais próximas da realidade, o que permite que as políticas públicas tenham melhor precisão e efeitos sobre a população afetada.
Mato Grosso, por exemplo, já começa a contabilizar os resultados. Os diagnósticos consolidados por esse sistema já resultaram em melhorias para todo o estado. “Como o TCE/MT passou a utilizar também essa metodologia para a apreciação das contas dos gestores públicos, o controle social se intensificou e a ferramenta começou a mostrar a situação de seu município frente aos demais”, explica. “Os agentes públicos, então, tiveram que tomar medidas para melhorar seus índices.”
O sucesso da implementação da metodologia teve até desdobramentos: o CEM foi convidado a desenvolver para a Secretaria de Segurança Pública do estado um painel de monitoramento do número de homicídios, baseado em um conjunto de indicadores que medem o desempenho das ações de segurança e que também permitem a comparação entre diversas regiões do estado. O painel funciona como uma espécie de alarme sempre que registra mudanças negativas nos padrões médios dos indicadores.
“Essa metodologia de informações se tornou uma ferramenta importante para avaliar e subsidiar a formulação de políticas públicas”, afirma Eduardo Marques, pesquisador do CEM e professor do Departamento de Ciência Política da USP. O CEM desenvolveu mais de 30 projetos de pesquisa orientados para auxiliar a formulação e a implementação de políticas públicas. Entre elas se inclui, para a prefeitura de São Paulo, o Mapa da vulnerabilidade social – que permitiu detectar as situações de carência social por meio da análise da distribuição da estrutura socioeconômica – e os Indicadores ambientais e gestão urbana: os desafios para a construção da sustentabilidade na cidade de São Paulo, que possibilitou à administração identificar o alto grau de variedade em relação aos problemas e pressões ambientais em diferentes espaços urbanos. Ainda para a prefeitura paulistana foram desenvolvidos dois estudos sobre a precariedade habitacional, que subsidiaram o Plano Habitacional do Município. Esta última experiência levou o Ministério das Cidades a encomendar o desenvolvimento de metodologia para análise de assentamentos precários gerando informações sobre carências habitacionais de um grupo selecionado em 560 municípios.
As parcerias com os órgãos públicos ocorreram de forma paulatina por contatos entre os gestores. “O CEM foi um dos primeiros a digitalizar bases de dados”, diz Marques. “Começamos com a prefeitura de Mauá, em 2003. A informação circula e as demandas aparecem.”
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