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Redes Complexas

Efeitos da simultaneidade

Eliminar sincronismos em redes pode ajudar no controle de multidões e de distúrbios cerebrais

VIEW PICTURES / UIG VIA GETTY IMAGESA sincronia dos passos de milhares de pessoas cruzando ao mesmo tempo a Millenium Bridge, em Londres, em 2002, fez a ponte oscilarVIEW PICTURES / UIG VIA GETTY IMAGES

Parece haver uma forma bastante simples de evitar que a atividade em rede tão complexas e distintas quanto a internet ou o cérebro humano se torne sincronizada, o que as impede de funcionar adequadamente. Em trabalho publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Escola Politécnica de Zurique (ETH), na Suíça, propõem que é possível quebrar o sincronismo de um sistema interferindo em alguns pontos-chave, sem precisar atuar sobre o todo. “Exemplos de sincronização podem ser encontrados num amplo espectro de fenômenos, como o disparo de neurônios, as cascatas de laser, as reações químicas e a formação de opinião”, afirmam os pesquisadores no artigo. “Mas, em muitos casos, a formação de um estado coerente não é desejada e precisa ser atenuada.”

Em todo sistema que opera de algum modo como uma rede é possível (e muitas vezes provável) que se crie um sincronismo em sua atividade. E muitas vezes esse processo é prejudicial ao seu contínuo funcionamento. O trabalho do matemático Vitor Louzada e dos físicos José Soares Andrade Junior, Nuno Araujo e Hans Herrmann foi justamente tentar desenvolver uma estratégia que permitisse quebrar o sincronismo e manter o sistema saudável.

Hoje em dia quando se fala em rede logo se pensa em computadores interligados. Mas a rigor todo conjunto de elementos conectados em que a atividade de um influencia a dos demais pode ser tratado, do ponto de vista matemático, como uma rede. Um exemplo lembrado pelos pesquisadores foi a inauguração da Millenium Bridge (ponte do Milênio), em Londres, em 2002. Uma multidão se aglomerou à entrada da passagem, para cruzá-la logo que fosse inaugurada. Quando o trânsito foi autorizado, todos iniciaram uma frenética caminhada pela ponte e, em razão do tamanho da multidão, criou-se um sincronismo entre os passos dos caminhantes. Resultado: a vibração conjunta levou a um balanço lateral da estrutura que assustou quem estava ali.

Em outras situações, a sincronização de uma rede pode ser bem mais perigosa. É o caso da doença neurológica conhecida como epilepsia. Nas crises epilépticas os neurônios entram em sincronismo, disparando impulsos simultaneamente. O resultado é uma convulsão. Na doença de Parkinson, em que há uma gradual perda de controle dos movimentos, o problema é semelhante: a sincronização nos disparos neuronais leva ao descontrole motor. Para combater esses problemas, os médicos desenvolveram dispositivos conhecidos como marca-passos cerebrais, que, implantados no cérebro, emitem impulsos elétricos que interrompem o sincronismo e restauram a atividade normal. Contudo, esses sistemas existentes hoje precisam levar em conta todo o conjunto da atividade cerebral antes que possam entrar em ação. O resultado é uma resposta lenta e um nível de controle menos fino sobre a necessidade ou não de intervenção na rede neuronal.

O diferencial do trabalho publicado na Scientific Reports é mostrar, primeiro na teoria e depois em simulações de computador e em experimentos com seres vivos, que é possível evitar o processo de sincronização sem interferir na rede inteira. Além de reduzir a intervenção necessária, a resposta pode ser iniciada de maneira local, sem nem mesmo levar em conta o conjunto da rede. No estudo, os pesquisadores sugerem que é possível incluir na rede o que eles chamam de contrários, entradas de dados pontuais que seguem na contramão da tendência de sincronização. Aplicando esse princípio ao exemplo da Millenium Bridge, seria como se o governo tivesse treinado alguns atores para caminhar sempre fora de sincronismo com a multidão. Com uns poucos contrários distribuídos de maneira inteligente ao longo da ponte, seria possível impedir que o sistema entrasse em sincronia e que a ponte começasse a oscilar.

Intervenções locais
O mesmo vale para a epilepsia. Em vez de implantar no crânio um marca-passo desajeitado que leve em conta toda a rede, seria possível desenvolver dispositivos diminutos que interagissem individualmente com neurônios e, levando em conta apenas as conexões próximas (o estado local), fossem capazes de atuar como contrários no momento apropriado para eliminar o risco de sincronização. O sucesso dessa estratégia dependeria de instalar os dispositivos nos pontos de interligação ou hubs, as regiões que mantêm o maior número de conexões na rede.

O grupo testou essa estratégia no sistema nervoso de um verme muito usado para pesquisa científica, o Caenorhabditis elegans, cujo organismo é relativamente simples, por se tratar de um ser pluricelular. Com um total de cerca de mil células, ele foi o único organismo vivo cujo sistema nervoso foi completamente mapeado. Como o conhecimento de sua rede neuronal é completo, foi possível identificar onde instalar os contrários e impedir o sincronismo de suas células cerebrais. Segundo os pesquisadores, essa foi uma prova de princípio importante. O teste mostrou que os cálculos feitos pelo grupo estavam corretos e abriu a perspectiva de que marca-passos cerebrais mais eficientes possam ser criados no futuro.

Mas ainda há desafios a serem superados. Numa rede imensa, como o cérebro humano, o desafio de identificar os hubs é bem maior. “A dificuldade em realizar essa tarefa depende da complexidade da rede envolvida”, afirma Andrade. “Uma possível forma de encontrar os tais hubs é por meio da monitoração espacial da atividade do cérebro, o que pode revelar as regiões em que a atividade neuronal é tipicamente mais alta.”

A aplicação dessa estratégia parece ser mais simples no caso das redes de computadores, por maiores que sejam. Como essas redes podem ser mapeadas mais facilmente, torna-se menos trabalhoso identificar os hubs e interferir em seu funcionamento, dissipando potenciais ataques de hackers que tentem sobrecarregar o sistema induzindo a sua sincronização. Já a aplicação social desse novo conhecimento pode ser controversa. É provável que ninguém se opusesse à tentativa de impedir a Millenium Bridge de balançar lateralmente. Mas o que dizer de alguém que se aproveitasse de um grupo de contrários posicionados em pontos estratégicos de uma plateia com a intenção de atrapalhar uma estrondosa salva de palmas?

Artigo científico
LOUZADA, V.H.P. et al. How to suppress undesired synchronization. Scientific Reports. v. 2 (658). 2012.

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