Léo RamosNos últimos 15 anos o Brasil multiplicou por quatro sua produção de revestimentos cerâmicos, material que engloba pisos e azulejos, e hoje é o segundo maior fabricante mundial desses produtos. Com 866 milhões de metros quadrados (m²) produzidos em 2012, o país só perde para a China e já superou concorrentes tradicionais, como Espanha e Itália, que até há alguns anos dominavam o setor. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento, Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer), que representa 93 empresas de 18 estados, os fabricantes nacionais estão alinhados com a melhor tecnologia disponível no mundo. O crescimento brasileiro acentuou-se na década passada, quando o setor recebeu apoio de um projeto submetido ao programa de Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec), da FAPESP, que reuniu pesquisadores do Centro Cerâmico do Brasil (CCB) e de um conglomerado de empresas do polo cerâmico de Santa Gertrudes, na região de Rio Claro, no interior paulista, além de pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa. Com foco no desenvolvimento da indústria local, o projeto introduziu inovação e capacitação de pessoal nas fábricas a fim de melhorar a qualidade e a competitividade da cerâmica do estado de São Paulo.
Em 2001, quando o projeto Consitec teve início, o Brasil era o quarto produtor mundial de placas cerâmicas, com 473 milhões de m², e São Paulo respondia por 40% da fabricação nacional. Hoje as empresas paulistas respondem por cerca de 70% da produção nacional, de 866 milhões de m², e o país é vice-líder mundial. “Quando se iniciou a articulação com as empresas para formação do consórcio, a imagem dos produtos de Santa Gertrudes era bem negativa. Os itens eram reconhecidos como de baixa qualidade técnica e estética”, recorda-se o engenheiro de materiais José Octavio Armani Paschoal, presidente do CCB e coordenador do projeto do Consitec. “Agora isso mudou. São Paulo conquistou papel de destaque no cenário da fabricação de placas cerâmicas para revestimento. Se antes íamos a reboque, hoje estamos na linha de frente”, diz ele.
As empresas paulistas faturaram R$ 3,78 bilhões em 2011. A Anfacer não divulgou os dados sobre o faturamento do setor em âmbito nacional, que gera 25 mil postos de trabalho diretos e em torno de 200 mil indiretos. O projeto Consitec foi articulado com 20 fábricas paulistas e contemplou sete linhas de pesquisa, desde inovações na área de ensaios para avaliação de produtos a estudos em tecnologia de assentamento de placas cerâmicas. Três linhas tiveram como foco o porcelanato, um tipo de placa cerâmica sofisticada com alto valor agregado e requisitos técnicos diferenciados, como menor absorção de água, maior resistência mecânica e design mais elaborado. Foram pesquisados o desenvolvimento de matérias-primas para fabricação dessas peças, o estudo da tecnologia de processo industrial e a formulação de esmaltes especiais.
Ana Paula CamposUm dos principais benefícios do projeto Consitec, que teve investimentos da ordem de R$ 586 mil num período de sete anos por parte da FAPESP e igual valor das empresas, foi proporcionar uma melhora significativa da qualidade da cerâmica paulista. “O percentual de placas classificadas como classe A, isentas de defeitos, tais como trincas, manchas e variações na tonalidade do esmalte, entre outros, subiu de 50% para 98% ao final do programa. Menos de 2% das placas cerâmicas produzidas hoje no estado têm imperfeições”, diz Paschoal. Segundo ele, o primeiro obstáculo a ser superado foi ajustar o processo de produção nas fábricas, buscando implantar um sistema de gestão de qualidade. “Percebemos que as empresas não tinham o controle de todo o processo. Com o início da certificação da qualidade do produto acabado, feita pelo CCB, o índice de não conformidade às normas nacionais e internacionais caiu drasticamente. O setor de cerâmica para revestimento transformou-se em um dos líderes do setor da construção civil em matéria de conformidade com as normas técnicas”, comenta Paschoal. O número de empresas do polo cerâmico de Santa Gertrudes com produtos de qualidade certificados chegou a 20 em 2008, o dobro de sete anos antes. No mesmo período, a quantidade de fábricas com sistema de qualidade certificado pela norma ISO 9001 passou de 4 para 13.
Além do aumento da qualidade e da certificação dos produtos, as indústrias paulistas também passaram a fabricar um volume maior de peças de porcelanato. “O porcelanato é um produto mais caro e compete com rochas naturais, como mármore e granito”, diz a engenheira de materiais Ana Paula Menegazzo, superintendente do CCB. “Quando as empresas brasileiras começaram a fabricar esse tipo de produto, o consumidor com maior poder aquisitivo comprou a ‘grife’, inclusive pagando mais por ela.” Segundo estatísticas da entidade, a produção brasileira do item aumentou 18 vezes na década passada, saltando de 4 milhões de metros cúbicos em 2001 para 72 milhões em 2011. No mesmo período, o número de fabricantes paulistas da mercadoria passou de 3, que produziam apenas peças de pequenas dimensões (pastilhas), para 15, com know-how para fazer placas com mais de um metro quadrado. Apesar do aumento, o maior centro produtor de porcelanato no país ainda é Santa Catarina – estado que também concentra um importante polo cerâmico.
Ana Paula CamposNo interior paulista, a Villagres, com sede em Santa Gertrudes, é uma das principais fabricantes de pisos e revestimentos de porcelanato. Com tradição na produção de cerâmica há quase 90 anos, ela tem 108 diferentes itens de seu portfólio e vem investindo em novas tecnologias. A empresa foi uma das primeiras no estado a empregar a tecnologia de impressão digital, um processo feito com jato de tinta que possibilita serigrafar qualquer superfície cerâmica. “É um processo sofisticado, mas, ao mesmo tempo, fácil de ser trabalhado. Você pode, por exemplo, escanear uma pedra na natureza e reproduzir seus traços no porcelanato. A máquina funciona como se fosse uma impressora de papel, com a diferença que ela usa esmalte sobre uma placa de cerâmica”, explica Vanderli Vitório Della Coletta, dono da Villagres. A empresa produziu 6 milhões de m2 de revestimentos cerâmicos em 2012 e teve um crescimento de 6% no faturamento em relação a 2011. “Tivemos um ano muito bom e continuamos em expansão. Estamos melhorando o nosso portfólio e migrando nossa produção para o porcelanato”, diz.
Para Marcos Serafim, gerente da área de inovação do CCB, a impressão digital traz uma nova forma de pensar o design de produtos e o sistema industrial do setor, e impõe alguns desafios. “Apesar de toda a mudança tecnológica, a transformação mais profunda tem que acontecer no design. A questão agora é como capturar, trabalhar e manipular digitalmente esses desenhos sem que aconteça uma pasteurização gráfica”, diz ele. Nesse quesito, segundo Serafim, as indústrias nacionais continuam tendo por referência países como Espanha e Itália, que comercializam os desenhos digitais diretamente para as empresas nacionais ou via fornecedores de matérias-primas ou estúdios de design. “O Brasil precisa inovar criando sua própria identidade em design de produtos”, comenta.
Um fator determinante para o crescimento do setor cerâmico de São Paulo é a qualidade da matéria-prima usada na fabricação dos produtos. “Santa Gertrudes tem uma das maiores minas de argila do mundo”, diz Elson Longo, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e coordenador do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp. “Além disso, a argila vermelha que aflora próximo à superfície da região é de ótima qualidade e os fabricantes não precisam colocar quase nenhum aditivo para fabricar os produtos. Esse é um importante diferencial competitivo”, diz Longo. Ele coordenou as pesquisas do projeto Consitec, no lado acadêmico, com pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo. “A tecnologia e o conhecimento gerado no projeto Consitec só foram possíveis com o financiamento da FAPESP”, diz Longo.
Por conta das propriedades da matéria-prima, os revestimentos cerâmicos feitos no interior paulista utilizam a moagem a seco, processo mais simples do que a “via úmida” e que proporciona uma redução de custos de até 50%. A preparação da massa para moagem a úmido, empregada em Santa Catarina e em outros lugares do país, requer várias etapas, enquanto no processo a seco a argila passa apenas por um moinho e já está pronta para prensagem. “A argila encontrada na formação Corumbataí, na região de Santa Gertrudes, possui propriedades de plasticidade privilegiadas, o que permite um tempo de queima menor, elevando os índices de produtividade”, diz Ana Paula.
O estudo das propriedades da argila do interior paulista é o tema do doutorado do engenheiro de materiais Rogers Rocha, dono da fábrica Rochaforte, em Cordeirópolis. “Existe uma grande diferença na argila dentro de uma mina e de uma mina para outra. Eu pesquiso as características mineralógicas, químicas e cerâmicas das rochas da formação Corumbataí, de onde é extraída a argila usada pelas fábricas locais”, afirma o pesquisador-empresário. “Entender melhor as características da matéria-prima vai nos ajudar a melhorar a qualidade dos itens que produzimos.” A Rochaforte foi criada há 60 anos pelo avô de Rogers. Como tantas outras empresas do setor da região, ela começou fabricando telhas e tijolos e passou a oferecer lajotões, um tipo de piso rudimentar. Atualmente fabrica por mês 2 milhões de m2 de revestimentos cerâmicos, utilizando a moagem a seco. “Esse processo é incomparável em termos de custo”, diz Rocha.
Ana Paula CamposSegundo o empresário, o desenvolvimento tecnológico e o aprimoramento dos processos fabris foram fundamentais para o boom da cerâmica paulista. “A aproximação da nossa indústria com a academia melhorou demais os produtos e processos. Percebo resultados práticos da pesquisa na minha empresa. Alguns dos nossos produtos têm o mesmo nível de qualidade dos fabricados na Espanha e na Itália”, diz ele. Além de vender para o mercado interno, a Rochaforte exporta para clientes nos Estados Unidos, Chile, Argentina e alguns países da América Central.
Inaugurado há 20 anos, o CCB teve um papel central na evolução do setor cerâmico nacional. A entidade tem atuado na pesquisa e no desenvolvimento de produtos cerâmicos, operando principalmente na interface universidade-empresa e realizando serviços de assessoria técnica e tecnológica para o setor. O Centro de Inovação Tecnológica em Cerâmica (Citec/CCB) dispõe de uma moderna infraestrutura laboratorial que foi qualificada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para a realização de ensaios de certificação e de controle de qualidade de produto e processo. Ele possui uma instalação completa para fabricar qualquer tipo de placa cerâmica em escala laboratorial, bem como equipamentos para avaliar resistência à flexão, desgaste por abrasão e resistência ao escorregamento de pisos.
Apenas em 2011 foram executados 20.577 ensaios nos laboratórios do Citec/CCB, que conta com 12 pesquisadores, sendo 3 mestres e 3 doutores. “Com o início de operação do Citec, passamos a desenvolver novos produtos, a melhorar o processo produtivo e a realizar atividades pós-venda. Isso permitiu uma sólida compreensão dos principais problemas observados nos revestimentos cerâmicos. Da mesma forma, conduzimos pesquisas no sistema de aplicação da cerâmica, que permitiram uma queda importante nos problemas de assentamento do produto”, afirma Paschoal.
Em conjunto com a Anfacer, a associação de fabricantes, o CCB também participou da elaboração de normas técnicas do setor, entre elas a norma brasileira de porcelanato. A entidade é a coordenadora da Comissão de Estudos de Placas Cerâmicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Com parâmetros muito rigorosos, a norma do porcelanato, a NBR 15463, foi criada a partir de uma demanda dos próprios fabricantes com o objetivo de ressaltar a alta qualidade e a competitividade do porcelanato brasileiro. Pioneira no mundo, ela foi apresentada ao Comitê Internacional ISO 189, que trabalha com normas mundiais para revestimento cerâmico”, conta Ana Paula. “O Brasil é o único país com uma norma específica para porcelanato, cujos requisitos técnicos são os mais exigentes entre todos os países. Por isso, posso afirmar sem medo que os porcelanatos certificados pelo CCB são os melhores do mundo”, diz. Segundo ela, o Brasil participa ativamente dos trabalhos de revisão de normas técnicas internacionais. “Atualmente trabalhamos com o Instituto de Tecnologia Cerâmica (ITC), da Espanha, o Tile Council of North America (TCNA), dos Estados Unidos, e o Centro Cerâmico de Bolonha (CCB), na Itália, na criação de uma nova metodologia de ensaio para medição da resistência à abrasão dos produtos cerâmicos”, diz.
Os bons resultados dos últimos anos têm mantido o otimismo dos industriais em alta. Muitas empresas paulistas planejam expandir suas fábricas, como a Rochaforte, que programa a abertura de filiais no Nordeste. As filiais são importantes porque o transporte das mercadorias das fábricas para os locais de consumo tem um custo relevante no preço final do produto. A expansão do mercado interno, segundo Paschoal, deve continuar aquecendo a procura por revestimentos cerâmicos. “Apesar do aumento significativo de construção de novas unidades habitacionais nos últimos anos, ainda existe um grande déficit de moradias no país, da ordem de 10 milhões de unidades. Além disso, há também o mercado de reforma de construções, o que indica um grande consumo potencial para a cerâmica”, diz. Para ele, o grande desafio daqui para frente é elevar a produtividade da indústria nacional e promover o desenvolvimento de novos produtos cerâmicos, principalmente por meio de inovações tecnológicas, “permitindo que o Brasil atinja ainda mais protagonismo no mercado mundial”.
Projeto
Consórcio setorial da indústria de cerâmica para revestimento do estado de São Paulo: inovação tecnológica e competitividade (nº 2001/10783-5); Modalidade Programa Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec); Coord. José Octávio Armani Paschoal — CCB; Investimento R$ 586.715,13 (FAPESP) e R$ 586.715,13 (Empresas).