A matéria-prima da empresa Brasil Ozônio, localizada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) na Cidade Universitária, em São Paulo, é o próprio oxigênio retirado do ar que circula no ambiente. Após receber uma descarga elétrica para quebrar suas moléculas, é transformado em ozônio, um gás com alto poder bactericida e oxidante utilizado para tratamento de água, higienização de alimentos ou para neutralizar gases tóxicos. A vida útil do ozônio no ambiente é em torno de sete minutos, período após o qual volta ao seu estado original – o oxigênio – sem deixar resíduos.
A Brasil Ozônio, criada em 2005 pelo engenheiro eletrônico Samy Menasce, com longa experiência em multinacionais, tinha como objetivo fabricar e vender geradores de ozônio para tratamento de água de piscinas e de poços artesianos. O primeiro modelo foi vendido em 2006 e, desde então, outras cinco versões foram desenvolvidas até chegar ao equipamento atual, totalmente automatizado, que utiliza componentes de mais de 90 fornecedores.
Agora a empresa se prepara para levar a campo um ambicioso projeto em que o gás ozônio será utilizado para tratamento de água, efluentes e solo contaminados por metais pesados de uma mina de extração de urânio em Caldas, Minas Gerais, desativada desde 1995. O primeiro teste para avaliação do sistema foi feito no laboratório da empresa paulistana. Após a aplicação do ozônio, em 20 minutos os metais pesados presentes na amostra transformaram-se em sólidos em suspensão. “Os resultados preliminares foram bastante animadores”, diz o engenheiro químico Maurício de Almeida Ribeiro, gerente da unidade de tratamento de minério da empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Caldas, local onde se explorou urânio nas décadas de 1980 e 1990. A partir daí, durante seis meses vários testes foram feitos no laboratório da INB, responsável pela mineração de urânio em todo o território brasileiro e subordinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu um apoio não reembolsável no valor de R$ 9,6 milhões para o projeto e a empresa dará como contrapartida R$ 1,2 milhão.
A Brasil Ozônio já instalou 2 mil equipamentos para a desodorização de ambientes em grandes redes hoteleiras, de gases em indústrias de fertilizantes e de cigarros, tratamento de água em academias, higienização de alimentos, além de outras aplicações. O tratamento de água do Aquário de São Paulo com ozônio, no bairro do Ipiranga, na capital paulista, com exemplares tão diversos como peixe-boi, tubarão, pinguins e arraias, foi desenvolvido pela empresa, adaptado às necessidades de cada espécie.
“No começo captávamos o ar, que era jogado diretamente dentro do sistema de geração de ozônio, uma prática bastante difundida mas equivocada, porque junto com o oxigênio vêm outros gases, como o nitrogênio, que no processo se transforma em ácido”, diz Menasce. Em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a empresa desenvolveu um sistema que capta, filtra e seca o ar e depois separa o oxigênio, que representa cerca de 21% do total presente no ambiente, para produção de ozônio. Todos os equipamentos possuem três componentes principais: concentrador de oxigênio, gerador de ozônio e centro de comando automatizado.
Parceria ampliada
O projeto para tratamento da mina desativada de urânio tem como parceiros a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), de Criciúma, e a Fundação Parque de Alta Tecnologia da Região de Iperó e Adjacências (Patria), de Iperó, no interior paulista. A fundação está subordinada à Marinha, que divide com a Comissão Nacional de Energia Nuclear a responsabilidade pelo setor nuclear brasileiro. Também colaboram pesquisadores da USP e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).
O problema de contaminação em águas da mineração decorre da presença de minerais, como a pirita, que contêm enxofre. “Quando chove, os minerais presentes em resíduos de mineração são oxidados em presença de água, gerando uma solução chamada de drenagem ácida de mina”, diz o professor Elídio Angioletto, da área de engenharias química, ambiental e de materiais na Unesc e coordenador do projeto na universidade. A drenagem ácida de mina, constituída por metais dissolvidos e ácido sulfúrico, representa um dos mais graves impactos ambientais associados à atividade de mineração. Se chegar até rios próximos, pode contaminá-los, tornando-os impróprios para uso.
Passivo ambiental
Grandes quantidades de rejeitos são geradas durante a mineração de urânio, já que ele está presente apenas em quantidades que variam entre 0,5% e 1% do total. “Para retirar o urânio da água, usamos colunas de troca iônica”, diz Ribeiro, da INB. O passivo ambiental nas instalações da empresa em Caldas é da ordem de 45 milhões de toneladas de rejeitos – compostos por montes de terra, pedra e argila contendo metais pesados, como o manganês. O tratamento convencional para esses resíduos consiste na adição de cal à água, o que eleva o seu pH e precipita os metais. A INB utiliza diariamente um caminhão com 25 toneladas de cal. No total, o gasto anual com esse produto é de R$ 2 milhões. “Nós não conhecíamos outra tecnologia para retirar o manganês da água”, diz Ribeiro. “Em cada litro de água da mina são encontrados cerca de 180 miligramas de manganês”, relata Menasce. Segundo Ribeiro, a aplicação de ozônio mostrou que não só o manganês como todos os outros metais se precipitaram na forma insolúvel. Dessa forma, eles poderão ser separados da água e utilizados posteriormente. “O uso de ozônio vai permitir uma economia de 60% nos gastos com cal”, diz Ribeiro.
Ana Paula Campos / Alexandre Affonso“Pela rota convencional são tratados 300 mil litros de efluentes por hora”, relata. Nos testes feitos até agora com o ozônio foram tratados cerca de 2 mil litros de efluentes. Parece pouco, mas se o sistema mostrar em campo ser tão eficiente quanto em laboratório ele representará uma solução inovadora não só para os resíduos da extração de urânio como para os de outros minerais. A expectativa é de que ainda neste primeiro semestre a planta-piloto esteja em funcionamento em Caldas. A Brasil Ozônio já desenvolveu o protótipo dos sistemas de geração de ozônio que irão para o local. Ela também fará o monitoramento a distância dos equipamentos e quinzenalmente uma equipe estará presente para fazer os ajustes necessários. O tratamento dos efluentes ficará a cargo da INB. “Esperamos que no final do projeto, daqui a dois anos, de 5% a 10% de todos os efluentes estejam totalmente tratados”, diz Menasce. Após o término do projeto, com todos os parâmetros dimensionados para aplicação do ozônio, a INB se encarregará de dar continuidade ao tratamento.
A Unesc foi escolhida para compor a parceria, porque Criciúma e municípios vizinhos enfrentam um severo problema ambiental em decorrência da mineração de carvão, atividade centenária na região. “A região está bastante contaminada com rejeitos de carvão que contêm compostos sulfurosos. Esses compostos, em contato com o ar e a água, acabam tornando ácido o meio e liberando metais pesados”, diz Angioletto. São cerca de 5 mil hectares de área contaminada, espalhada por quase todos os 12 municípios que compõem a região carbonífera de Santa Catarina. “Em Criciúma e região carbonífera trechos importantes dos rios estão mortos. Quando os rejeitos da mineração entram em contato com a água, o pH fica em torno de 3, muito ácido para a sobrevivência de peixes e para a maioria das plantas aquáticas”, relata. O uso da água para agricultura ou abastecimento também fica inviável. Mas não são só os resíduos da mineração de carvão e da extração de urânio que representam problemas. “Qualquer mineral que estiver associado ao enxofre, como o carvão de Santa Catarina, vai gerar drenagem ácida quando retirado do subsolo e exposto ao ar e à chuva.”
Angioletto coordenou alguns testes para tratamento de efluentes com o sistema de ozônio. “Testamos drenagem proveniente de três bocas de minas diferentes, com condições físico-químicas distintas e os resultados foram excelentes.” Na próxima etapa serão construídos equipamentos específicos para tratamento dos resíduos catarinenses.
Embora o ozônio seja aplicado há décadas em água – a limpeza da água consumida em Paris, por exemplo, é em grande parte realizada com esse gás –, o tratamento de efluentes de urânio por esse sistema é algo novo, diz Angioletto. “A grande inovação, no entanto, será a aplicação de ozônio em solos contaminados, uma das vertentes do projeto.” A responsável é a professora Maria Eugenia Gimenez Boscov, da Engenharia Civil e Ambiental da Escola Politécnica da USP. “O projeto de tratamento do solo da mina de urânio abre portas para tratar outros tipos de contaminantes em solos brasileiros”, diz Maria Eugenia, que começou a trabalhar com contaminação de solos durante o seu doutorado, em 1994. “Por enquanto o projeto ainda está em fase de pesquisa, já que mesmo na bibliografia científica são poucas as referências.”
Os estudos que ela vai coordenar terão início com experimentos controlados em laboratório. Uma das ideias é injetar o ozônio diretamente nas montanhas de resíduos para eliminar a bactéria Thiobacillus ferrooxidans, responsável pela produção de sulfato ferroso em grande quantidade quando em contato com metais como a pirita, o que favorece a produção da drenagem ácida. “Como o ozônio é germicida e oxidante, ele vai matar essa bactéria”, diz Menasce.
Atualmente, a companhia está finalizando os testes em um esterilizador à base de ozônio, totalmente automatizado, destinado a hospitais, centros cirúrgicos e fabricantes de medicamentos. Desenvolvido com apoio da FAPESP na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), o equipamento tem consumo mínimo de energia e funciona apenas com o apertar de um botão. “Os processos normalmente utilizados para esterilização, à base de formaldeído, óxido de etileno e plasma de peróxido de hidrogênio necessitam de funcionários treinados, com risco de haver falhas durante o procedimento”, diz Menasce.
Projeto
Autoclave ozônio – otimização construtiva e de processo de um equipamento de ação esterilizante à base de ozônio com validação microbiológica por meio de testes desafio com esporos bacterianos (nº 10/50281-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Frederico de Almeida Lage Filho – Brasil Ozônio; Investimento R$ 186.888,67 (FAPESP)