Imprimir PDF Republicar

Genética

Ramificações da cana

Pequenas moléculas de RNA controlam o crescimento de ramos laterais na planta

038-039_Cana_208-21 léo ramos / 2 e 3 fabio nogueira / unespPlantar um canavial não envolve sementes, mas pedaços do colmo, o talo da cana-de-açúcar. Cada fragmento gera uma nova planta a partir do desenvolvimento de brotos laterais. A genética por trás da arquitetura da cana está sendo desvendada pelo grupo do engenheiro agrônomo Fabio Nogueira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, em parceria com o bioinformata Renato Vicentini, da Universidade Estadual de Campinas. Em artigo publicado em maio no Journal of Experimental Botany, os pesquisadores mostraram que pequenas moléculas de RNA (sRNAs) controlam o silenciamento e a ativação de genes nesses brotos laterais, as gemas axilares.

“Cada entrenó do colmo tem uma ou  duas gemas axilares dormentes”, explica Nogueira. “Quando o colmo é cortado, ocorre uma alteração no balanço hormonal e metabólico que induz o crescimento da gema e produz uma nova planta.” Os protagonistas são moléculas de RNA que agem como interruptores sobre os genes (ver Pesquisa FAPESP nº 133). Um exemplo é o micro-RNA 159, presente em altas quantidades nas gemas axilares dormentes também caracterizadas por alto teor do hormônio vegetal ácido abscísico. Esse RNA bloqueia a resposta fisiológica a outro hormônio, o ácido giberélico, que  estimula a proliferação celular. Quando a planta é cortada, algum sinal ainda não identificado reduz a quantidade de ácido abscísico nas gemas axilares, reduzindo a ação desse micro-RNA e liberando a via de sinalização do ácido giberélico.

A origem de muitos desses pequenos RNAs que podem atuar na sinalização hormonal e nas respostas a situações de estresse, como a resistência à seca, parece estar em fragmentos móveis do DNA, os elementos de transposição. Nogueira chegou a essa conclusão ao comparar as sequências de RNA detectadas em seu projeto com o banco de dados produzido pelo grupo da bióloga da Universidade de São Paulo (USP) Marie-Anne Van Sluys (ver Pesquisa FAPESP nº 198). Segundo ele, os elementos de transposição associados aos pequenos RNAs são responsáveis por aumentar a diversidade e controlar o funcionamento do genoma. E a relação entre as duas entidades genéticas não acaba aí. “Alguns elementos de transposição são regulados negativamente por pequenos RNAs, que funcionariam como um tampão que evita alterações no DNA”, conta Nogueira. No caso da cana, proteger o DNA de alterações é importante para manter as propriedades de variedades comerciais, desenvolvidas para produzir mais açúcar ou crescer em áreas de chuva escassa.

“Busquei o conhecimento básico com meu projeto, mas essa compreensão também é essencial para a propagação e a produtividade da cana”, explica Nogueira. A arquitetura da planta é central para determinar o uso que se pretende fazer de uma plantação. Colmos pouco ramificados são melhores para produzir açúcar, e plantas com mais brotos laterais e folhas geram mais biomassa, a matéria-prima para fabricar etanol de segunda geração. Conhecer os atores genéticos no comando dessas características permite desenvolver marcadores para a seleção de mudas e pode contribuir para o melhoramento das variedades comerciais. A importância desse trabalho foi reconhecida pelo prêmio Top Etanol de 2012 com o segundo lugar na categoria trabalhos acadêmicos para a dissertação de mestrado de Fausto Ortiz-Morea, que gerou o artigo recém-publicado. Outra publicação da equipe de Nogueira, que saiu em 2010 na BMC Plant Biology, ganhou este ano o segundo lugar no mesmo prêmio.

O trabalho de Nogueira produziu um catálogo de pequenos RNAs ativos (microtranscriptoma) em gemas axilares de cana e o tornou disponível para outros pesquisadores. Em colaboração com uma equipe da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, ele está testando alguns desses RNAs em plantas usadas como modelos vegetais para verificar seu efeito no metabolismo.

O pesquisador comemora ser o primeiro a esmiuçar a regulação gênica da arquitetura da cana, mas a precedência vai além. Não há estudos em outras plantas sobre a atividade dos pequenos RNAs em gemas axilares porque essas estruturas são muito pequenas e difíceis de serem isoladas. A cana, com gemas visíveis a olho nu, nas quais se pode medir concentrações hormonais e extrair DNA e RNA, tem tudo para se tornar um organismo modelo para estudos de arquitetura vegetal.

Projeto
Isolamento e caracterização de micro-RNAs e seus genes-alvo em cana-de-açúcar (nº 2007/58289-5); Modalidade: Programa Jovem Pesquisador; Coord.: Fabio Tebaldi Silveira Nogueira – IB/Unesp; Investimento: R$ 314.903,10 (FAPESP).

Artigo científico
ORTIZ-MOREA, F.A. et al. Global analysis of the sugarcane microtranscriptome reveals a unique composition of small RNAs associated with axillary bud outgrowth. Journal of Experimental Botany. v. 64, n. 8, p. 2.307-20. mai. 2013.

Republicar