Podcast: Alex Bastos
A primeira caracterização de como se comportam os sedimentos que o rio normalmente transporta está em um artigo publicado em dezembro de 2015 pelo grupo de Valéria na revista Brazilian Journal of Geology. Os resultados mostram que os sedimentos mais finos passam por um processo rápido de deposição, conhecido como floculação, quando a água doce encontra a salinidade e o pH diferentes do mar. A deposição desse sedimento, classificado como lama terrígena, se dá principalmente em profundidades de ao menos 10 metros, ao sul de onde o rio Doce desemboca, para onde são empurrados pelo vento nordeste – o predominante por ali. “Em seguida esse material pode ser ressuspendido e redistribuído para norte, conforme a força e a direção dos ventos e das ondas”, explica Valéria, que mapeou a deposição desses sedimentos não só no trabalho resultante das amostras que seu grupo coletou, como em dados compilados no artigo de revisão publicado em novembro de 2015 na revista Journal of South American Earth Sciences. Na região ao norte do rio Doce, junto à linha costeira, predominam partículas maiores e menos argilosas.
Mesmo com conhecimento da região e com todo o preparo para receber a onda de lama que percorreu parte de Minas Gerais e do Espírito Santo, causando grandes danos às cidades adjacentes e à ecologia do rio e seus arredores, a avaliação do impacto do material oriundo dos rejeitos de mineração não é imediata. O que deu para ver logo de cara é que se trata de um volume espantoso de material argiloso com partículas muito finas, que não se depositam facilmente. “Não conhecemos esse tipo de sedimento que integra os rejeitos”, conta Valéria, “não sabemos como ele se comporta”. Ela pretende acompanhar sua trajetória em uma série de futuras viagens de campo. “Precisamos entre um e dois meses para ver como ficou o fundo.”
A preocupação gerada pela mudança na dinâmica de transporte de sedimentos vai muito além de seu papel essencial para a estabilidade da linha de costa. Nas coletas que já fizeram, os pesquisadores se espantaram com a água completamente turva, que tornava difícil enxergar os equipamentos submersos. Essa mudança nas características físicas da água, segundo Valéria, pode alterar completamente o ambiente necessário à vida dos organismos que vivem no fundo e compõem a base da cadeia alimentar marinha: a comunidade bentônica.
Química
Além dos sedimentos, também preocupa os pesquisadores o conteúdo da lama em termos químicos. Um componente cuja abundância surpreende pouco, dada a atividade de extração de minério que deu origem ao acidente, é o ferro. Valéria afirma que isso pode ser um problema porque seu excesso pode causar uma proliferação excessiva dos organismos planctônicos (seres microscópicos que flutuam na coluna d’água) e provocar grande desequilíbrio ecológico.
O químico Renato Rodrigues Neto, coordenador do Laboratório de Geoquímica Ambiental do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes, está à frente do grupo que vem analisando os elementos presentes na enxurrada de rejeitos. Por enquanto só foram analisadas amostras de cinco pontos na desembocadura do rio Doce, mas já se nota um aumento importante de alguns metais quando se compara antes e depois da chegada da lama. “Aumentaram muito os teores de vanádio, alumínio, ferro, manganês e cromo”, conta o pesquisador, que no final de dezembro terminou de elaborar um relatório preliminar com esses resultados. Mesmo espantado com o aumento em 50 vezes da concentração de ferro, que seu grupo detectou, esse não é o elemento que o preocupa por ser um nutriente naturalmente disponível.
Mais preocupante foi o teor muito aumentado de cromo, um elemento que pode ser tóxico conforme sua apresentação. “Em geral ele ocorre na forma menos tóxica”, explica Rodrigues Neto, “mas ainda não testamos para saber o que existe agora”. São análises mais complexas, que exigirão uma parceria com outros laboratórios. Também falta, de acordo com o químico, avaliar se o cromo está numa forma biodisponível, que pode ser absorvida pelos organismos.
A gravidade do acidente levou a uma cobrança por respostas imediatas e à organização rápida de pesquisadores empenhados em encontrá-las. Mesmo assim, entender como o ambiente e os organismos que vivem nele vão reagir e ser afetados requer tempo. Nos próximos meses, deve começar a se delinear o efeito causado nos animais e nas plantas da região.
Artigos científicos
BASTOS, A. C. et al. Shelf morphology as an indicator of sedimentary regimes: a synthesis from a mixed siliciclastic-carbonate shelf on the eastern Brazilian margin. Journal of South American Earth Sciences. v. 63, p. 125-36. nov. 2015.
QUARESMA, V. S. et al. Modern sedimentary processes along the Doce river adjacent continental shelf. Brazilian Journal of Geology. v. 45, n. 4, p. 635-44. dez. 2015