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Paulo Artaxo

Paulo Artaxo: Física a serviço do planeta

Pesquisador comenta o acordo na COP-21 e destaca a importância da Amazônia para o clima global

O gosto por questões práticas e problemas de importância social levou o paulistano Paulo Artaxo a seguir uma trilha pouco usual entre seus colegas professores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Depois de um rápido flerte com a física nuclear durante o mestrado no fim dos anos 1970, ele direcionou seus esforços para uma área então relativamente nova, que apenas começava a ser reconhecida: o estudo dos problemas ambientais causados pelos aerossóis, finas partículas em suspensão na atmosfera, em cidades como São Paulo e sobretudo na Amazônia. Com o passar do tempo, as pesquisas do físico se tornaram referência internacional sobre o papel dessas partículas na formação da chuva e no controle dos níveis de radiação solar sobre a grande floresta tropical. “Os aerossóis são a chave dos efeitos climáticos do homem ao lado dos gases de efeito estufa”, afirma Artaxo, um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

A ascensão do tema das mudanças climáticas à condição de uma das questões científicas mais importantes do século XXI colocou o trabalho de Artaxo na ordem do dia. Entre os cerca de 2 mil cientistas que deram contribuições relevantes para o quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que recebeu o Nobel da Paz em 2007 ao lado do ex-vice-presidente americano Al Gore, foram destacados 12 brasileiros – Artaxo foi um deles. Mais recentemente, o professor titular do IF-USP passou a figurar com frequência na lista dos pesquisadores mais influentes do globo, o 1% da elite científica cujos papers são os mais citados e de maior impacto de acordo com levantamento da empresa Thomson Reuters. Nesta entrevista, Artaxo comenta os resultados do acordo fechado na conferência do clima COP–21 em Paris, em dezembro (ver também reportagem sobre o acordo), e fala de sua carreira e de suas pesquisas.

Idade
62 anos
Especialidade
Física aplicada a problemas ambientais
Formação
Graduação, mestrado e doutorado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Quatro pós-doutorados (universidades da Antuérpia, Lund, Harvard e na Nasa)
Instituição
IF-USP
Produção científica
586 artigos científicos e mais de 26 mil citações

Qual é a sua avaliação geral sobre o acordo da COP-21?
Foi, sem dúvida, um excelente início de uma nova era em nossa sociedade global. Pela primeira vez na história, após 21 anos de COP, a maioria dos 195 países que respondem por 90% das emissões de gases de efeito estufa assumiu metas claras de redução de emissões. Uma das diretrizes é substituir combustíveis fósseis por energias renováveis. Entretanto, o desafio que temos pela frente é enorme. As mudanças climáticas já estão em curso e será necessário um esforço de adaptação ao novo clima, sobretudo nos países em desenvolvimento. Precisaremos também de um forte esforço científico para entender os processos de mudança nos vários ecossistemas e desenvolver estratégias de minimização dos impactos ambientais. Nossos sistemas de produção e de uso de energia, e os níveis de consumo, terão que ser revisados para patamares sustentáveis.

Mesmo se forem totalmente cumpridas, as metas de redução de emissões espontaneamente assumidas pelos países na COP-21, as chamadas INDCs, são insuficientes para garantir que a temperatura global suba entre 1,5 e 2 graus Celsius (ºC) até 2100, objetivo a ser buscado pelos signatários do acordo. O que fazer diante desse quadro?
A temperatura do planeta já aumentou 1ºC em relação à época pré-industrial. Se os compromissos de redução nas emissões assumidos em Paris forem respeitados, o planeta, ainda assim, deve aquecer cerca de 3ºC ao longo deste século. Isso provocará uma profunda e rápida alteração no funcionamento dos ecossistemas e terá impactos socioeconômicos significativos. O conjunto dos compromissos das INDCs prevê um corte de 40% nas emissões globais. Mas precisaremos de uma redução global de 70% a 90% nas emissões, se quisermos realmente limitar o aumento da temperatura a 2ºC até o fim deste século. Ou seja, teremos de cortar as emissões de modo mais intenso e mais rápido. Entretanto, precisamos de um sistema de governança em nível global para acompanhar a implementação das INDCs em cada país. Também temos de realizar revisões periódicas – hoje as revisões estão previstas para ocorrer a cada cinco anos – até que nosso planeta consiga estabilizar as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) e reduzi-las a níveis aceitáveis. Não será uma tarefa fácil. A necessária redução das emissões levará várias décadas para ser implementada. Afinal, existem questões econômicas, sociais e políticas ainda a serem resolvidas.

Entrevista: Paulo Artaxo
00:00 / 23:10

As metas brasileiras propostas são tímidas ou ambiciosas?
O problema que temos de resolver é global e depende de cortes nas emissões de todos os países, especialmente os desenvolvidos. A soma das emissões da China e dos Estados Unidos é responsável por mais de 50% das emissões globais. O que esses dois países fizerem será estratégico para todo o planeta. Em relação aos números de 2005, os Estados Unidos estão se comprometendo a reduzir 27% de suas emissões. O Brasil, por exemplo, apenas para fazer uma comparação, está se comprometendo a reduzir em 42% as suas emissões até 2030. A proposta americana é muito tímida. Tem de haver equidade entre os países, tanto nas emissões quanto no padrão de consumo dos recursos naturais globais. Todos terão de fazer um esforço maior do que o prometido até o momento, inclusive o Brasil, que deverá reduzir ainda mais o desmatamento da Amazônia e investir fortemente no aproveitamento de energia solar e eólica, abundantes particularmente no Nordeste.

E o caso da China, que hoje é a maior emissora de gases de efeito estufa?
A China tem uma industrialização relativamente recente, e a maior parte dos seus produtos é exportada para outros países. Então, uma parcela de sua emissão não é propriamente da China porque os bens de consumo produzidos lá são vendidos nos Estados Unidos, Europa e resto do mundo. As fábricas americanas e europeias montaram unidades na China para fazer produtos para seus mercados. Na prática, são os países desenvolvidos que consomem esses produtos, mas a emissão é contabilizada como da China, algo não propriamente correto. Temos que desenvolver mecanismos para contabilizar de modo justo e correto as emissões.

Mas esse raciocínio vale para qualquer economia exportadora, certo?
Sim. Hoje temos uma economia global, mas não um sistema de governança e de contabilidade global das emissões de gases de efeito estufa. Só globalizamos a economia e nenhum outro aspecto sociopolítico. A China em sua INDC, por exemplo, não se comprometeu a reduzir suas emissões. O compromisso é de aumentar a sua eficiência de emissões de CO2 por unidade de crescimento do PIB. Ou seja, suas emissões vão continuar a crescer, porém mais lentamente do que o ritmo da economia. Na prática, países em desenvolvimento, como Índia e China, vão continuar aumentando suas emissões para atender à demanda legítima de sua população por mais bens de consumo – as populações dos países desenvolvidos já usufruem desses bens. A Índia ainda está muito mais atrasada nesse processo de desenvolvimento do que a China. A hora em que cada um dos mais de 2 bilhões de chineses e indianos quiser ter um carro na sua garagem, uma casa com forno de micro-ondas, televisão e outros bens simplesmente não haverá recursos naturais para sustentar esse nível de consumo. Mas, apesar de crucial, a questão da equidade sequer esteve em cima das mesas de discussão da COP–21. Temos de entender que a COP-21 é apenas o início de um processo necessário.

Zerar o desmatamento ilegal no Brasil é factível?
O Brasil teve a maior história de sucesso entre todos os países na redução de emissão de gases de efeito estufa. Reduziu, por meio de políticas públicas, o desmatamento de 27 mil quilômetros quadrados [km2], em 2005, para cerca de 5 mil km2 em 2014. Ou seja, diminuiu drasticamente suas emissões. Todavia, zerar o desmatamento será muito difícil, pois requer novos instrumentos, uma nova legislação e incentivos econômicos. Essa é uma tarefa absolutamente essencial para o Brasil realizar, pois é interesse nosso manter o bioma Amazônia para as gerações futuras. A floresta amazônica em pé, como um ecossistema, tem um valor incalculável. A pior coisa que podemos fazer é transformá-la em dióxido de carbono por meio de queimadas.

Vamos mudar de assunto. Por que você decidiu ser cientista?
Desde os 12 ou 13 anos, percebi que tinha muita habilidade para ciências exatas, matemática, física e química. Além disso, lia muito e tinha uma tremenda curiosidade de entender como funcionava nosso planeta. Também tive a sorte de ter bons professores de física no ensino médio – o que hoje é uma raridade. Esses fatores, juntos, me motivaram a seguir a carreira de cientista.

Por que física?
Queria entender os processos da natureza, desde questões de mecânica até coisas mais amplas, como o funcionamento do Universo como um todo. Lia muito sobre física desde criança. Daí até virar cientista foi um passo simples. Fiz graduação na USP e mestrado em física nuclear, sob orientação do professor Iuda Goldman. Em seguida, decidi fazer algo mais aplicável e de interesse social mais direto. Passei a fazer pesquisa na área ambiental. Primeiro, trabalhei com processos associados à poluição urbana do ar. Na década de 1980, São Paulo tinha problemas sérios de poluição do ar que ainda não eram reconhecidos pela sociedade. Depois, comecei a trabalhar com a compreensão de processos que regulam o funcionamento do ecossistema amazônico de modo interdisciplinar.

Em torre na Amazônia: floresta como diferencial de pesquisa

arquivo pessoalEm torre na Amazônia: floresta como diferencial de pesquisaarquivo pessoal

Naquela época, não era uma escolha óbvia estudar física do clima. Por que optou pela área?
Estava em um instituto de física muito tradicional em áreas como física nuclear, física de partículas e do estado sólido. Todo mundo olhava meio torto para pesquisas aplicadas e para meu trabalho. Perguntavam o que eu queria fazer misturando física com questões ambientais. Felizmente, fiz a escolha certa. Mais tarde mostramos que a física tem muito a contribuir para o entendimento dos processos associados à poluição do ar e às mudanças climáticas globais. De patinho feio do instituto, meu grupo de pesquisas acabou se tornando uma referência na USP e também no exterior.

Você é um especialista no estudo dos aerossóis. O que são essas partículas?
Aerossóis atmosféricos são partículas muito pequenas, sólidas ou líquidas, em suspensão na atmosfera, o que as torna invisíveis a olho nu. Em uma cidade como São Paulo, as pessoas respiram cerca de 30 mil dessas partículas por centímetro cúbico de ar. Os aerossóis, que fazem parte da poluição atmosférica, se depositam no pulmão e podem causar doenças cardiorrespiratórias e outros problemas de saúde. Na Amazônia, as partículas de aerossóis são muito importantes para o funcionamento básico do ecossistema. Uma nuvem não se forma só com vapor-d’água. Ela precisa do vapor e de uma partícula que seja higroscópica, isto é, que tenha afinidade com a água – o aerossol. O vapor se deposita sobre essa partícula e forma uma gotícula da nuvem. Essa nuvem evolui e eventualmente chove. Entender esses processos físico-químicos é um desafio importante da ciência do clima.

Esse processo de formação e desenvolvimento de nuvens também vale para as cidades?
Sim, é um mecanismo universal. Em São Paulo, os aerossóis vêm da chaminé de uma indústria, do cano de descarga dos automóveis, entre outras fontes. Nos motores a diesel de ônibus e caminhões, aquela fumaça preta é composta de partículas em concentrações muito altas. Os aerossóis têm duas propriedades importantes no clima. Primeiro, interceptam e refletem a radiação solar, afetando o balanço de radiação, alterando a quantidade de luz do Sol que chega ao solo. Segundo, são absolutamente fundamentais para a formação das nuvens. Sem nuvens, não há chuva. Sem chuva, não há agricultura. Na verdade, os aerossóis são a chave dos efeitos climáticos do homem ao lado dos gases de efeito estufa. O curioso é que, na Amazônia, a vida biológica da floresta controla a concentração dessas partículas na atmosfera e determina o clima da região. Essa foi uma das descobertas de nosso trabalho.

Como assim?
Na Amazônia, percebemos que as plantas eram as principais responsáveis pelo fornecimento dos aerossóis que controlam a formação das nuvens e o balanço de radiação sobre a floresta. Elas emitem compostos orgânicos voláteis, como os gases terpenos e isopreno, que se convertem em partículas de aerossóis. Também fragmentos de folhas, grãos de pólen, bactérias, fungos, além das cinzas das queimadas, estão na constituição dessas partículas. Ou seja, a própria vegetação controla o clima sobre a floresta. Regula as chuvas e o balanço de radiação por meio da emissão de aerossóis. A floresta também processa o vapor-d’água, que é o segundo ingrediente importante das nuvens. Entender esses processos biológicos, físicos e químicos é fascinante.

Você trabalha com aerossóis desde o doutorado?
Sim, com o efeito dos aerossóis no clima, e em particular na Amazônia. Na década de 1980, isso era uma novidade total. Tive a sorte de ter como colaborador no meu doutorado o professor Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química [em 1995]. Participei do primeiro grande experimento que houve na Amazônia em 1979 chamado Brushfire, coordenado pelo professor Crutzen, que investigava o efeito das queimadas no clima da região. Ele tinha uma ideia, ainda não bem estabelecida naquela época, de que as emissões na Amazônia poderiam afetar o clima global. A questão realmente me fascinou e me estimulou a tentar entender como funciona a integração de processos biológicos, físicos e químicos que controlam o funcionamento da Amazônia como um todo. Conforme resultados inovadores foram sendo produzidos, novas questões importantes apareciam.

Por que se interessou em estudar especificamente os aerossóis?
Na década de 1970, pesquisas em poluição eram quase exclusivamente na componente gasosa, como a fotoquímica do ozônio e seus efeitos nas plantas e na saúde das pessoas. Na comunidade científica, ninguém falava de aerossóis atmosféricos. Mas percebi que havia uma ciência muito importante por trás dessas partículas e me dediquei a desvendar esse papel.

O que o levou a fazer quatro pós-doutorados no exterior?
No início da minha carreira, percebi que em áreas associadas ao meio ambiente e às mudanças climáticas globais não faz sentido trabalhar isolado. Parceiros internacionais fortes são absolutamente necessários e estratégicos. Então, três meses depois de terminar o doutorado, já como professor contratado pela USP, fui para a Universidade da Antuérpia, onde fiquei dois anos trabalhando. Aprendi muito lá. Depois, fiquei mais dois anos nas universidades de Lund e de Estocolmo, na Suécia. Em seguida, percebi que tinha de aprender técnicas de sensoriamento remoto e a usar medidas ambientais de satélites. Fui então trabalhar na Nasa, entre 1993 e 1994. Mais recentemente, em 2008, trabalhei na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e colaborei com bons pesquisadores que estudam o balanço de carbono e aerossóis. Mantenho fortes parcerias internacionais há mais de 25 anos.

Qual é a influência do clima da Amazônia no clima do resto do país e do globo?
A floresta é um gigantesco processador de vapor-d’água. A floresta transforma a água por meio de mecanismos biológicos de uma maneira muito intensa e importante para a manutenção do clima regional e global. Do ponto de vista regional, de 60% a 70% do vapor-d’água que atinge a parte central da América do Sul se origina no oceano Atlântico tropical e é transportado e processado pela Amazônia. Esse transporte de vapor influencia a chuva na região sul da América do Sul. Do ponto de vista global, a Amazônia, por estar em uma região tropical, participa de fortes processos de convecção. Ou seja, massas de ar ascendentes retiram o vapor-d’água da superfície e o levam para altas altitudes, onde ele é eficientemente transportado para as regiões temperadas do nosso planeta. Então, a Amazônia e o oceano Pacífico são as duas principais fontes de umidade do clima global. Além de ser um importante gás de efeito estufa, o vapor-d’água é essencial para a formação de nuvens, controlando o balanço de radiação e a ocorrência de precipitações.

Em 2011, Artaxo recebe título de doutor honoris causa na Universidade de Estocolmo: parcerias fora do país

arquivo pessoalEm 2011, Artaxo recebe título de doutor honoris causa na Universidade de Estocolmo: parcerias fora do paísarquivo pessoal

É possível associar a seca recente em São Paulo ao desmatamento da Amazônia?
Não como fator exclusivo. E as razões são simples. Em média, cerca de 30% do vapor-d’água que chega à cidade de São Paulo vem das frentes frias do sul do país. Outros 30% vêm do oceano Atlântico Sul, através da brisa marítima. Afinal, São Paulo está próximo do litoral. Aproximadamente 40% da umidade da cidade vem da região Norte. Até agora, o Brasil desmatou cerca de 19% da área original da Amazônia. Ou seja, se só 40% do vapor-d’água aqui na região Sudeste vem da Amazônia, e se foi afetado, no máximo, 20% do vapor d’água processado pela floresta, poderia ser atribuída ao desmatamento da Amazônia uma redução de 7% ou 8% da umidade em São Paulo, na pior das hipóteses. Os processos não são lineares, mas essa conta muito simples mostra que é impossível, do ponto de vista climatológico, atribuir a seca em São Paulo diretamente ao desmatamento da Amazônia. De acordo com as últimas análises, a situação em São Paulo se deveu à manutenção de massas de ar muito secas sobre a região Sudeste de uma maneira anômala, um fenômeno ainda não completamente entendido pelos meteorologistas. Evidentemente, o despreparo para enfrentar situações de clima anômalo e a falta de planejamento de médio e longo prazo também contribuíram para a crise de falta de água na região.

Há certeza de que eventos extremos, como grandes secas ou chuvas, estão ligados às mudanças climáticas?
Estatisticamente o aumento na frequência de eventos climáticos extremos está ligado às mudanças climáticas. A razão é simples. Quando se injeta mais energia no sistema climático, o que está ocorrendo agora com o aumento da concentração de gases de efeito estufa, essa energia tem de ser dissipada de alguma maneira. A atmosfera acumula muito mais calor hoje do que há 200 anos. Isso faz com que aumente a frequência de eventos extremos, em nível regional ou global. Também observamos mudanças de pequena escala, como na questão da chuva na cidade de São Paulo. Na década de 1950, São Paulo era a cidade da garoa. Hoje é das grandes tempestades. Agora, quando chove, chove forte e causa prejuízos socioeconômicos. Mas a questão permanece: isso é devido às mudanças climáticas ou não? Ainda não temos uma resposta direta e conclusiva. Provavelmente, no entanto, a resposta virá quando tivermos acumulado informações mais sólidas e de longo prazo. No caso da Amazônia, as secas de 2005 e 2010 não podem ser univocamente associadas às mudanças climáticas globais. Podemos falar com confiança que essas secas foram as maiores dos últimos 100 anos e ocorreram em um intervalo de tempo muito curto – provavelmente causadas pelas mudanças climáticas que estamos promovendo.

Como é fazer pesquisa com colegas de diferentes formações?
Fazer pesquisa interdisciplinar é mais difícil do que em uma única disciplina. Estamos aprendendo algo o tempo todo. Se, por exemplo, tenho de entender o efeito da radiação no ecossistema amazônico, tenho de estudar a fotossíntese, como o estômato de uma folha se abre para receber o CO2 atmosférico e como o fluxo de radiação afeta esse processo. O importante é entender que, na natureza, os processos ocorrem simultaneamente e as coisas não são divididas em física, química e biologia, como a universidade faz. Entendi cedo na minha carreira a questão interdisciplinar, tanto que meu primeiro pós-doutorado foi no Departamento de Química da Universidade da Antuérpia. Nas minhas pesquisas, tenho de olhar o planeta de modo interdisciplinar em todas as suas escalas.

Por que você se tornou um dos pesquisadores brasileiros mais citados no mundo?
Jamais pensei que minha carreira científica teria essa repercussão. Coordeno muitos projetos, publico muito, oriento muitos alunos. A comunidade científica dialoga por meio das publicações e conferências. Segui esse modelo de ter fortes parcerias internacionais e não tenho um único trabalho científico sem a colaboração de pesquisadores estrangeiros. Isso dá visibilidade internacional, mas a importância dos trabalhos, em especial os na Amazônia, também estimula as citações. A Amazônia é um ecossistema onde as pesquisas são recentes e cheias de novidades importantes. Outra questão é que praticamente todos os artigos que publiquei são interdisciplinares. Sou citado por públicos diferentes, de mais de uma área temática. Tenho 11 papers na Science e na Nature, número que poucos cientistas mesmo do exterior atingiram. Até desse ponto de vista dei muita sorte. Isso mostra o dinamismo da ciência brasileira. O Brasil é um dos parceiros mais importantes da ciência hoje em nível mundial, não só na área ambiental. Com a crise econômica atual, não está muito claro como vamos manter essa liderança nos próximos anos, mas temos de achar uma saída. As pesquisas que fizemos na Amazônia foram extremamente importantes para os resultados do IPCC. Alguns processos das nuvens só ocorrem em ambientes muito limpos como a Amazônia e foram descobertos em medidas feitas por grandes experimentos naquela região. Não há como estudar processos naturais em atmosferas limpas nos Estados Unidos, Europa ou Ásia, onde a poluição do ar tomou conta. É preciso aproveitar as vantagens estratégicas que o país tem no campo científico.

O que você está pesquisando hoje?
Estou tocando vários projetos, o principal deles é o programa Green Ocean Amazon (GOAmazon). Estudamos o impacto que um centro urbano como Manaus, com 2 milhões de habitantes, tem nas propriedades atmosféricas de seu entorno. Queremos saber como a poluição gerada por Manaus interage com as emissões naturais da floresta. Manaus é um caso único no mundo, uma situação que só existe na Amazônia. Não há outra cidade grande e isolada por 1.500 quilômetros de floresta em todas as direções. Daí vem a questão: como os gases e aerossóis produzidos pelos automóveis de Manaus interagem com os aerossóis da floresta e quais são os efeitos causados por esse tipo de poluição no ecossistema? Esse é o tema central do experimento GOAmazon, que mobiliza mais de 250 cientistas do Brasil, Estados Unidos e Europa.

O GOAmazon já produziu novos dados?
O impacto da poluição de Manaus no funcionamento do ecossistema amazônico é muito grande. As emissões de óxidos de nitrogênio, provenientes de processos de combustão na cidade, como o funcionamento das termelétricas que alimentam Manaus e os automóveis, interagem com os compostos orgânicos voláteis que as plantas emitem e produzem ozônio. Encontramos concentrações de ozônio saindo de Manaus semelhantes às da cidade de São Paulo, acima de 40 partes por bilhão, limite em que o ozônio começa a ser tóxico para as plantas. As concentrações naturais de ozônio na Amazônia são de 8 a 10 partes por bilhão no meio do dia. Quando se deparam com altas concentrações, os estômatos não se abrem e, assim, evitam danos a seus tecidos. Ao fazer isso, a planta faz menos fotossíntese, fixa menos carbono e tem forte decréscimo na taxa de crescimento. Esse é um efeito direto da poluição urbana no ciclo do carbono da floresta amazônica. Esse efeito aparece centenas de quilômetros vento abaixo de Manaus. Esses dados são importantes para o país. A Amazônia absorve aproximadamente meia tonelada de carbono por hectare por ano. Como a área da floresta é enorme, isso tem um impacto muito grande no ciclo global de carbono. Se a Amazônia perde uma porcentagem dessa capacidade de armazenar carbono, o efeito estufa se agrava. Precisamos entender os fatores que influenciam o ciclo do carbono na Amazônia. No GOAmazon também observamos fortes alterações nas propriedades das nuvens influenciadas pela pluma de poluição de Manaus, quando comparadas com nuvens “limpas”. Isso afeta o ciclo hidrológico de modo intenso.

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