Podcast: Bruno Vaz Castilho
Nos próximos dias, o Steles deverá deixar a sede do LNA, em Itajubá (MG), rumo ao município andino de Vicuña, no norte do Chile. O destino final do instrumento, que custou R$ 2,5 milhões, é o topo de uma montanha situada a 2.700 metros acima do nível do mar, o Cerro Pachón. Nesse ponto privilegiado de observação do céu, o Steles será instalado dentro da cúpula do Observatório Austral de Pesquisa Astrofísica (Soar), um telescópio com espelho de 4,1 metros (m), construído e mantido por investimentos do Brasil, dos Estados Unidos e do Chile. “Em setembro, o Steles deverá receber sua primeira luz”, prevê Castilho. Se tudo correr como previsto, o acesso ao instrumento deverá ser aberto a projetos de pesquisadores dos países associados ao telescópio até o fim deste ano. Por ser sócio do Soar, o Brasil dispõe de 30% do tempo de uso do telescópio.
O Steles é o terceiro instrumento produzido no Brasil para o observatório internacional. Os dois primeiros foram o espectrógrafo Sifs, de menor resolução que o Steles, e o filtro imageador sintonizável brasileiro (BTFI, em inglês), ambos instalados em 2010 no telescópio andino. Inspirado no Feros e no Uves, dois dos mais potentes espectrográfos mantidos em sítios chilenos pelo Observatório Europeu do Sul (Eso), o Steles é uma versão mais moderna de seus congêneres. Pesa 830 quilos, nove vezes menos do que o Uves. Seu tamanho é metade de seus similares. É quase um quadrado, com 1,80 m de altura, 1,9 m de largura e profundidade de 60 centímetros. Mais de 5 mil peças fazem parte do espectrógrafo. A maioria foi projetada no LNA. Do exterior, vieram toda a parte óptica e uma boa porcentagem da eletrônica. As estruturas mecânicas, de usinagem e uma parcela da eletrônica foram fabricadas no Brasil, onde o projeto foi concebido, montado e testado antes de estar pronto para ser despachado para o Chile.
Dez empresas nacionais participaram da construção do espectrógrafo. A Equitecs, de São Carlos, por exemplo, fez a estrutura da bancada e suportes para pendurar no telescópio. A Erominas, de Piranguçu (MG), confeccionou peças mecânicas e a MedTron, de Santa Rita do Sapucaí (MG), fabricou placas eletrônicas para o Steles. “Além de capacitar empresas nacionais a se tornar fornecedoras de peças e serviços para outros projetos de tecnologia sofisticada, a fabricação do Steles permitiu que vários estudantes aprendessem técnicas optomecânicas e alguns até fizeram mestrado sobre temas correlatos à questão da instrumentação”, comenta Castilho.
Construir um espectrógrafo como o Steles no Brasil custou significativamente menos do que se ele tivesse sido fabricado fora do país, segundo pesquisadores envolvidos no projeto. “O objetivo era fazer um instrumento de ponta a um custo mais baixo do que se ele fosse construído no exterior”, diz o astrofísico Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). A FAPESP financiou cerca de metade do custo de construção do Steles. O restante veio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, (MCTIC), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Para Castilho, o preço competitivo do Steles se deve a alguns fatores: o custo administrativo e o salário, em dólar, dos pesquisadores e engenheiros envolvidos no projeto são mais baixos aqui do que no exterior; fabricar as partes mecânicas no país também é mais barato; e o tamanho reduzido do instrumento permitiu o uso de componentes ópticos menores e de preço mais em conta. “O Steles vai ter grande impacto na astrofísica brasileira. Poucos espectrógrafos observam linhas de absorção na região do ultravioleta”, opina Beatriz Barbuy, professora do IAG-USP. “Com ele, a produção científica do Soar deve dobrar.”
O otimismo se deve às características do instrumento. Como todo espectrógrafo, o Steles capta a luz de uma estrela e a separa, inicialmente, em dois grandes canais (azul e vermelho) e, em seguida, em diferentes cores (comprimentos de ondas). Certos elementos químicos emitem radiação em comprimentos de onda muito específicos, de difícil detecção. Esse é o caso do berílio, que se formou nas primeiras estrelas surgidas após o Big Bang, há 13,7 bilhões de anos. Sua radiação está numa faixa estreita do ultravioleta, que, no entanto, deverá ser “vista” com nitidez pelo Steles. A resolução do novo espectrógrafo do Soar é maior que a de seus concorrentes. Ele “enxerga” um sinal até 50 mil vezes menor do que o comprimento de onda observado. O Feros, por exemplo, registra uma linha de absorção no máximo 48 mil vezes menor do que o comprimento de onda.
Projeto
Steles: Espectrógrafo de alta resolução para o Soar (nº 2007/02933-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Augusto Damineli (IAG/USP); Investimento R$ 1.104.780,00.