Podcast: Gustavo Batista
“Desde que começamos a desenvolver a armadilha, ela tem passado por aprimoramentos constantes”, afirma o entomologista Agenor Mafra-Neto, presidente da empresa brasileira Isca Tecnologias, especializada no controle de pragas, e um dos integrantes do projeto. Ele e os cientistas da computação Gustavo Batista, da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, e Eamonn Keogh, da Universidade da Califórnia em Riverside, já produziram versões que usavam laser no mecanismo de detecção, antes de obterem resultados melhores com led. Também construíram modelos alimentados por baterias e cabos de força conectados à rede elétrica e estudam conectar um painel solar ao equipamento. Simultaneamente a esses ajustes, eles testaram diferentes versões do software que reconhece a espécie e o sexo dos mosquitos pela batida das asas. “Esperamos até o final do ano ter um protótipo robusto adaptado ao uso em campo para testar no Brasil”, diz Mafra-Neto.
A armadilha é simples: um cilindro de tecido preto de quase 60 centímetros de comprimento, fechado na extremidade inferior. Sua aparência austera, porém, não dá pistas de seu conteúdo tecnológico. Na extremidade superior, um tubo negro serve de entrada para os insetos e traz acoplado um sensor eletrônico que usa luz para detectar a passagem dos mosquitos e identificar a espécie e o gênero a que pertencem a partir da frequência com que batem as asas.
Os insetos são atraídos por um aroma artificial, desenvolvido pela Isca Tecnologias, que lembra o de plantas frescas. Sempre que um mosquito entra na armadilha, ele atravessa um cone de luz infravermelha, emitido por um led. Sua passagem pela região iluminada projeta uma sombra no sensor, que é transformada nos sinais elétricos que alimentam o programa de computador responsável por reconhecer a espécie e o sexo. Imediatamente são registradas a hora do evento, a temperatura e a umidade do ar. Uma vez no interior da armadilha, o mosquito não consegue escapar e morre desidratado.
Usar luz para medir o batimento de asas foi uma grande sacada do projeto. Desde os anos 1940, buscam-se estratégias automáticas de se fazer isso. Mas as anteriores registravam o som com microfones, que captavam ruídos do ambiente.
Tanto o aparato de detecção quanto o software de reconhecimento foram desenvolvidos pela equipe de Batista na USP. Seu grupo, com o da Isca Tecnologias e o de Keogh, usou uma abordagem computacional, chamada aprendizado de máquina, para desenvolver um software que aprende a reconhecer os padrões de batimento das asas de cada espécie depois de exposto a alguns exemplos.
Ao mesmo tempo que trabalhavam na programação, os pesquisadores começaram a criar bibliotecas de referência para ensinar o programa a identificar o ritmo de batimento de asa de diferentes espécies. Os pesquisadores já avaliaram a capacidade do programa de identificar ao menos seis espécies de mosquitos. De modo geral, a taxa de acerto foi alta: variou de 80% para as moscas-da-fruta da espécie Drosophila simulans a 99% para o Aedes aegypti, segundo artigo publicado em 2014 no Journal of Insect Behavior.
Aprimoramento e aplicativo
Batista e Mafra-Neto calculam que já foram investidos US$ 5 milhões no desenvolvimento da armadilha, financiados pela FAPESP, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo governo dos Estados Unidos. Em agosto, o projeto foi um dos 21 selecionados entre 900 concorrentes para receber financiamento da Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos (Usaid) para combater a zika. Os pesquisadores terão US$ 500 mil dólares para aprimorar a armadilha.
O dinheiro já tem destino. Mafra-Neto e seu grupo na Isca Tecnologias devem finalizar o desenvolvimento da isca atrativa de longa duração, um blend de compostos que atrai os mosquitos e repele polinizadores. Em São Carlos, Batista e sua equipe trabalharão no aprimoramento do sensor, para barateá-lo, e na finalização de um aplicativo móvel, que permitirá receber via celular informações sobre as espécies de mosquitos e sua densidade populacional nas áreas monitoradas pela armadilha. O aplicativo também deverá fornecer dados sobre o comportamento das espécies e dicas para combatê-las. “Esse tipo de informação pode estimular as pessoas a controlar os mosquitos e os ovos em casa”, diz Batista.
O objetivo é chegar a um produto de valor acessível, que possa ser facilmente usado pelas autoridades de saúde e pela população. “Hoje, a contagem e a identificação dos mosquitos são feitas manualmente por especialistas em taxonomia e entomologia”, explica Mafra-Neto. “Esses profissionais são um recurso caro e escasso, o que provoca gargalos na detecção de focos de transmissão de doenças.”
As armadilhas disponíveis para o monitoramento de insetos apenas os capturam. “Desconheço alguma que faça a identificação automática”, afirma o biólogo Delsio Natal, estudioso da ecologia de mosquitos da família Culicidae e professor aposentado da Faculdade de Saúde Pública da USP em São Paulo. “Se esse projeto funcionar, será pioneiro”, diz. Para a bióloga da USP Margareth Capurro, que desenvolveu uma linhagem de Aedes geneticamente alterada para produzir machos estéreis, uma armadilha que identifique os mosquitos permitiria saber quando uma nova espécie entra no local. “Esse tipo de monitoramento é importante, ainda que não permita saber se os mosquitos estão infectados”, afirma.
A versão atual da armadilha sai por US$ 100 e os pesquisadores querem barateá-la. “Estamos próximos de chegar a uma versão que possa ir para o mercado internacional”, afirma Mafra-Neto.
Projeto
Sensores inteligentes para controle de pragas agrícolas e insetos vetores de doenças (FAPESP-PPP/2012) (nº 2012/50714-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Gustavo Enrique de Almeida Prado Alves Batista (USP); Investimento R$ 137.402,06.
Artigo científico
CHEN, Y. et al. Flying insect classification with inexpensive sensors. Journal of Insect Behavior. v. 27 (5). p. 657-77. set. 2014.