Nas últimas semanas, duas possíveis vacinas contra o vírus zika foram administradas a umas poucas dezenas de pessoas nos Estados Unidos e no Canadá. Essa é a primeira vez que potenciais imunizantes contra o zika são testados em seres humanos. Ambas as formulações são o que os pesquisadores chamam de vacina de DNA e apresentam composição semelhante: elas contêm cópias sintéticas de um trecho do material genético do vírus que codifica duas proteínas que o recobrem externamente, a partir das quais as células de defesa do organismo identificam o invasor.
Essa é a primeira das três fases de testes em seres humanos que medicamentos e vacinas têm de cumprir antes de serem liberados para comercialização e uso amplo na população. Na etapa atual, as duas formulações estão sendo administradas a voluntários saudáveis com o objetivo de verificar se são seguras e não causam reações indesejáveis graves. Uma foi desenvolvida por pesquisadores do Centro de Pesquisas em Vacinas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos; a outra pelas empresas Gene-One Life Sciences, sul-coreana, e Inovio Pharmaceuticals, norte-americana.
Pouco se sabe sobre a vacina da GeneOne e da Inovio. Identificada pela sigla GLS-5700, ela está sendo testada nos Estados Unidos e no Canadá, mas até o momento não foram divulgados os resultados dos experimentos com animais. A formulação dos NIH, a VRC-ZKADNA085-00-VP, que está sendo aplicada apenas nos Estados Unidos, mostrou-se eficaz em experimentos com roedores e macacos. Dados apresentados em 22 de setembro na revista Science mostram que 17 dos 18 macacos que receberam duas doses da vacina dos NIH ficaram protegidos da infecção por zika.
“Verificamos que há uma concentração mínima de anticorpos necessária para conferir proteção”, conta a pesquisadora brasileira Leda dos Reis Castilho, que participa do estudo. Formada em engenharia química, Leda é professora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde vinha desenvolvendo uma vacina contra a febre amarela antes de a epidemia de zika eclodir. Atualmente ela passa uma temporada como pesquisadora-visitante nos NIH para atuar no desenvolvimento de vacinas e anticorpos contra o zika.
“Com base nesses resultados com animais, obtidos em julho, os NIH conseguiram aprovação para iniciar os ensaios clínicos em seres humanos”, conta Leda. Em agosto e setembro, as equipes dos NIH aplicaram a primeira dose da vacina em 55 pessoas com idade entre 18 anos e 35 anos. Nessa fase, 80 indivíduos devem receber de duas a três doses.
Tanto a vacina dos NIH como a das empresas GeneOne e Inovio guardam pequenas diferenças em relação à vacina de DNA desenvolvida pela equipe de Dan Barouch na Escola Médica Harvard, nos Estados Unidos. Seu grupo foi o primeiro a comprovar que esse tipo de imunizante era capaz de proteger roedores e macacos da infecção por zika.
“Estamos apostando que a vacina de DNA dos NIH será segura e de rápido desenvolvimento”, afirma Leda. A segunda fase de testes clínicos deve começar em janeiro de 2017 e ser realizada em vários países, entre eles o Brasil. Se tudo correr como esperado, em alguns anos essa vacina pode estar disponível para a população. Em São Paulo, o Instituto Butantan, um dos principais centros produtores de soros e vacinas no Brasil, estuda produzir a vacina de DNA dos NIH. “Essa é uma vacina que poderá ser produzida no Butantan em um primeiro momento”, conta o biólogo Paulo Lee Ho, diretor da Divisão de Desenvolvimento e Inovação Industrial do Butantan.
Artigo científico
DOWD, K. A. et al. Rapid development of a DNA vaccine for Zika virus. Science. 22 set. 2016.