Léo Ramos ChavesA jovem que chegou da França em 1955 acabou se tornando também brasileira de uma maneira absolutamente distante da maior parte dos nascidos no país: se embrenhou em povoamentos indígenas na Amazônia. E se ambientou. No início conformada em cuidar das crianças para ter uma função na aldeia durante suas visitas de pesquisa, hoje Lux Vidal se tornou uma colaboradora valiosa para os povos com os quais convive, tanto por contribuir para a afirmação de suas culturas como por sua ação indigenista. Durante o regime militar, foi fundadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo, da qual ainda é conselheira. O compromisso com os índios, o respeito com que os vê e a compreensão da importância da arte produzida por eles são traços marcantes nessa pesquisadora que formou toda uma geração de antropólogos e foi a precursora da etnoestética no país.
Quando chegou ao Brasil com o marido e uma filha, dedicou-se aos filhos: dos três, dois nasceram aqui. Lux começou a trabalhar como professora na Aliança Francesa e em seguida no Liceu Pasteur, onde seus filhos também estudaram.
Inquieta, em 1967 mudou de rumo e entrou na pós-graduação em ciências sociais na Universidade de São Paulo (USP). Pouco depois, em 1969, tornou-se professora na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH) da USP e logo foi a campo pela primeira vez, para estudar um povo indígena quase extinto: os Xikrin do Cateté, um grupo Jê-Kayapó. Começou aí o trabalho que a pôs no centro da nascente antropologia brasileira, tratando as manifestações artísticas e do corpo como centrais para entender as sociedades e cosmologias indígenas.
Idade |
86 anos |
Especialidade |
Antropologia |
Formação |
Graduação em antropologia, literatura e teatro pela Universidade Sarah Lawrence, Estados Unidos (1951); mestrado e doutorado em antropologia pela Universidade de São Paulo – USP (1972 e 1973) |
Instituição |
FFLCH-USP |
Produção científica |
37 artigos, 8 livros como autora ou organizadora, 13 capítulos de livros, 13 exposições, orientou 15 mestrados e 22 doutorados |
Ainda em atividade, Lux continua a frequentar a Amazônia. No momento em que esta edição é publicada está em Alter do Chão, no Pará, para a reunião anual do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), do qual é sócia.
Você foi para a Amazônia em 1969 quando acabava de começar como professora da USP. Como foi essa experiência?
Muito tranquila. Para mim a universidade foi um lugar de desafio, a aldeia não. Eu vivi em uma aldeia na Espanha durante a Segunda Grande Guerra, catávamos comida no mato. Sempre me senti bem em campo, vivendo a vida dos índios com eles. Durante toda a minha vida foi uma grande satisfação, e hoje, com 86 anos continuo indo para campo, porque é isso que gosto de fazer: pesquisar, estudar e conviver com os índios nos diferentes momentos históricos pelos quais passam e passamos. No início, ajudá-los com os doentes, com a demarcação de terras, e lutar contra as invasões, as madeireiras. Mais tarde houve novas fases, com o crescente protagonismo indígena depois da Constituição de 1988. Os índios conquistaram o direito não só às terras, mas a uma educação diferenciada. Então as relações mudam, os problemas mudam e a maneira de compartilhar a vida e os conhecimentos com eles também. Atualmente ainda mais, porque hoje os índios vão à escola, a grande maioria cursa o ensino fundamental, muitos têm ensino médio nas aldeias e cada vez mais frequentam a universidade. Isso torna o convívio mais participativo, tanto para pensar o passado como o futuro. O mais importante na minha vida profissional foi o fato de ter podido participar de toda essa trajetória extremamente complicada.
De certa maneira, você foi preparada para esse desafio por sua vivência anterior. Como foi essa trajetória?
Minha vida não começa só como professora na USP. Muito do que veio antes eu hoje vejo como foi importante para o desenvolvimento posterior da minha vida pessoal e acadêmica, inclusive o fato de não me ater apenas à vida acadêmica. Sempre me dediquei muito a ser atenta aos problemas das sociedades com as quais trabalhávamos. Me formei em antropologia, literatura e teatro na Universidade Sarah Lawrence, nos Estados Unidos. Era uma universidade de vanguarda apenas para mulheres, agora mudou um pouco. Havia grandes exigências, mas muita escolha, sem exames. Era permitido cursar apenas três disciplinas por ano e uma tinha que ser nas artes. Hoje vejo como essa formação foi importante mais tarde.
O interesse em antropologia estava lá desde o início, então?
Sim. Fiz curso de antropologia com o norte-americano Irving Goldman, que trabalhou entre os Cubeo da Amazônia e incentivou muito meus estudos. Isso foi muito bom, mas o que se ensinava na época era a antropologia cultural americana e funcionalista estrutural inglesa. Especialmente estudos africanistas. Nasci em Berlim, na Alemanha, e depois vivi na Espanha, na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos. Sempre tive uma vida muito atribulada, por causa da guerra e outras circunstâncias. Quando cheguei na universidade estava interessada principalmente em literatura espanhola. Mas quando fiz minha entrevista na universidade, disseram: “Você tem uma experiência tão diversificada que achamos que você deveria cursar a disciplina de antropologia”.
O que a conduziu foi uma bagagem de vida, de encontros culturais.
Sim, isso foi uma das minhas características durante toda a vida acadêmica. Depois da graduação voltei para a França, apesar de ter sido aceita na pós-graduação da Universidade Columbia. Lá me casei, trabalhei fazendo traduções e estudei espanhol na Sorbonne, até que decidimos vir para o Brasil. Depois de alguns anos como professora na Aliança Francesa e no Liceu Pasteur, uma ótima experiência, eu queria retomar a antropologia e entrei em contato com uma amiga, Thekla Hartmann, do Departamento de Antropologia da USP, que ainda ficava na rua Maria Antonia. Ela me apresentou os professores Egon Schaden e João Baptista Borges Pereira e comecei a fazer alguns cursos. Já em 1969, prestei concurso e fui contratada para ser assessora da professora Gioconda Mussolini, mas ela faleceu antes de começarmos e tive que me adaptar sozinha. Eu tinha muitas leituras, mas me faltava pesquisa de campo até para um entrosamento melhor na academia com os colegas da área. Logo tive a ocasião de ir para a aldeia Xikrin com um padre dominicano, José Caron. Naquela época, os Xikrin eram um pequeno grupo já considerado desaparecido, com menos de 100 pessoas no sul do Pará, entre o Xingu e o Tocantins. Tinham sofrido muito com os primeiros contatos com castanheiros, madeireiros, caçadores, gateiros. Era uma nova fronteira que invadia a região. Minha primeira experiência foi conviver com os índios nessa pequena aldeia que eles reconstruíram quando o padre Caron os levou de volta ao seu lugar de origem, o rio Cateté.
Esse trabalho levou ao seu mestrado e doutorado, com a descrição de rituais e da vida da sociedade Xikrin, mas é muito mais do que um catálogo de costumes, não?
Naquela época, por tudo o que tinham passado, os Xikrin tentavam se reconstituir enquanto sociedade. Tive a sorte de assistir a um ritual chamado merêrêmê, que sintetizou naquele momento toda a sua visão de mundo, sua cosmologia, sua organização social. Concentraram em um só todos os rituais que normalmente se revezam ao longo dos anos. Isso foi extraordinário. Me dei conta de que estava testemunhando um momento histórico e datado. Eles fizeram isso dançando todas as tardes, se pintando o tempo todo, como uma maneira de se recuperar. Em meu livro sobre os Xikrin, Morte e vida de uma sociedade indígena brasileira [Hucitec-Edusp, 1977], descrevo rituais que foram retomados apenas depois e me foram contados, mas nunca vi.
Foi só depois que veio o interesse por arte indígena?
Não era a intenção. Mas, uma vez lá, vi que as manifestações artísticas – na plumária, nos rituais, nos cantos, na maneira de construir a aldeia, de cuidar dela – eram absolutamente fundamentais. E também o trato dado ao corpo: se pintar e ornamentar continuamente era uma prioridade que me intrigava. O estudo da corporalidade acabou sendo fundamental para entender como funcionam essas sociedades, a noção de pessoa, da cosmologia, da relação com o ambiente e da hierarquia.
Há uma série de elementos da pintura corporal que indicam papéis na sociedade. Existe também uma variação individual?
Não. Entre os Xikrin as regras são muito rígidas. Na pintura corporal feita com jenipapo os desenhos são estritamente estruturados de acordo com sexo, idade ou ocasiões rituais e são propriedade de todos. Os outros bens culturais que também vêm das entidades sobrenaturais, como os ornamentos, os cantos e os nomes, são repartidos entre as casas. As casas, que são das mulheres, têm prerrogativas de certos nomes, certos objetos, heranças que se perpetuam ao longo do tempo e são transmitidas nos grandes rituais. Em outras sociedades amazônicas, como os Wajãpi do Amapá estudados pela Dominique Gallois, a pintura corporal não é relacionada à morfologia social, mas à cosmologia. É um diálogo com a alteridade: os outros, os invisíveis ou os inimigos. Há certos padrões, mas cada indivíduo tem sua maneira criativa de interpretar esse legado dos invisíveis, de onde provém a arte transmitida para a sociedade por meio dos xamãs e do sonho.
Os grafismos fazem uma ponte entre antropologia e arqueologia, na forma das decorações em cerâmica?
Os grafismos encontrados na cerâmica também possuem a sua dimensão cosmológica. Então a articulação entre antropologia e arqueologia vem aumentando, especialmente quando se trata da decoração e dos grafismos tão presentes na cerâmica brasileira atual e arqueológica. As teorias modernas da antropologia com relação ao entendimento da filosofia e da cosmologia ajudam a entender melhor os achados arqueológicos.
O título do seu primeiro livro sobre os Xikrin, resultado de seu doutorado, é Morte e vida de uma sociedade indígena brasileira. Morte primeiro, vida depois. Por quê?
Em 1970 os Xikrin eram menos de 100 e hoje são quase mil, em quatro aldeias. O contato dos Xikrin com a sociedade nacional foi muito brutal, sua aldeia estava na maior mancha de mogno do mundo e cercados por projetos de mineração da Vale do Rio Doce [atual Vale]. Ferro a leste, cobre ao norte e níquel a oeste. Ao sul, a estrada e as fazendas. Os Xikrin do Cateté recebem uma indenização financeira por estarem cercados, mas isso não compensará o desastre ambiental. Agora o rio Cateté, que atravessa a área, está sendo poluído pela mineração a oeste do território. É muito grave.
Como é possível funcionar dentro de um contexto nacional e ao mesmo tempo se preservar?
A cultura se reinventa o tempo todo! Só que agora de maneira mais rápida, em conjunto com atores não indígenas: a Funai [Fundação Nacional do Índio], a Vale, professores, médicos e antropólogos, no contexto de um contato maior com a cidade. Hoje tudo é mais dinâmico e complexo. Essa consciência do contraste com o outro faz com que os índios entendam e apreciem melhor sua própria vida e identidade, que preservam e reconstroem.
Outro momento da sua carreira se concentrou nos índios do Oiapoque. Era um trabalho muito diferente?
Sim, totalmente diferente. Quatro povos indígenas vivem no Baixo Oiapoque: Karipuna, Galibi Marworno, Palikur e Galibi Kali’na. São sociedades com uma história muito perturbada de 500 anos de contato que hoje convivem no norte do Amapá, nas terras indígenas do Uaçá, Galibi e Juminã. Eles mesmos se dizem um povo muito misturado. É uma sociedade aberta que tem muito contato com a cidade de Oiapoque, com o Amapá, a Guiana Francesa. As terras já estavam demarcadas quando chegamos, então eu não apitava nada. Mas eram povos meio esquecidos, não atraíam interesse do poder público porque estavam no extremo norte do país, nem da antropologia por serem considerados aculturados. Eles mesmos diziam que o trabalho não seria interessante para nós, mas foi exatamente o contrário. Realizamos boas pesquisas acompanhando e apoiando a recuperação dos valores mais profundos, da cosmologia e da cultura material.
Qual foi sua motivação em ir para lá?
Partiu de um acaso. Um índio daquela área ficou doente e passou um tempo em São Paulo com o João Paulo Botelho [endocrinologista da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp]. Quando voltou para sua aldeia, nos convidou e fomos. Eu tinha uma pequena verba de pesquisa, então levei uma aluna para ser treinada, a Antonella Tassinari, mesmo que não tivéssemos um projeto definido. Ela começou a trabalhar entre os Karipuna, fez sua tese lá e hoje é professora em Santa Catarina. Outros pesquisadores também foram trabalhar lá e nesses mais de 25 anos muita coisa foi feita, boa para nós e para eles. Foi um acompanhamento contínuo e profícuo que dura até hoje.
Veio dessa experiência a formação do museu Kuahí, em Oiapoque?
Sim. Chegou um momento em que os índios pediam que restituíssemos o material usado em nossas pesquisas. Mas são muitas aldeias – hoje 7 mil índios – e era quase impossível atender a todos. Em 1998, um grupo deles foi para a Alemanha participar de uma competição de canoagem e visitou museus lá, na França e em Portugal. Conheciam também o Museu Goeldi, em Belém, e tinham visto imagens do Museu Magüta, o primeiro museu indígena na Amazônia. Então propuseram ao governador do Amapá, à época João Alberto Capiberibe, a criação de um museu indígena no Oiapoque. Pediram a minha assessoria, a Lúcia van Velthem, do Goeldi, ajudou também. Foi pensado como um museu dos índios, e não sobre os índios. O grupo que formaria a equipe do museu participou de cursos de capacitação como museologia, antropologia, arqueologia, fotografia e produção de vídeos. O processo de construção levou 10 anos e a inauguração aconteceu em 2007.
A instituição ajuda a solidificar a cultura recuperada?
Sim. Para a inauguração, os índios queriam expor tudo o que tinham produzido e reunido durante as oficinas de valorização cultural desenvolvidas durante dois anos nas aldeias. Às vezes, em ocasiões festivas, encenavam um ritual chamado turé em frente ao museu, usando os próprios bancos, mastros e instrumentos expostos no Kuahí. Ele é muito frequentado pelos próprios índios, pelas escolas locais e pelos turistas nacionais e da Guiana Francesa. É o único museu de fronteira no Brasil. Abriga coleções de objetos coletados em diferentes momentos, assim como uma biblioteca muito frequentada pelos índios de toda a região que cursam faculdade no Oiapoque. O museu incentivou muito as atividades culturais nas aldeias e às vezes dava a impressão de que as comunidades queriam competir com ele, o que considerei um sucesso, mas em 2014 a instituição enfrentou problemas. Goteiras danificaram a estrutura do prédio e o governo demorou a fazer os reparos, ao mesmo tempo que lutas partidárias estaduais tiveram repercussão na equipe do museu. A maioria dos índios que tinha contrato administrativo foi demitida, prejudicando os projetos de exposições. São acontecimentos que fazem parte das turbulências do momento que o Brasil vive hoje.
Nesse encontro de culturas, o quanto os costumes de uns afetam os de outros?
É uma coisa inevitável, conflitos e desafios são constantes. Há momentos de maior tensão e outros de alguma calma. Os índios do Oiapoque organizam assembleias gerais que reúnem todos os povos a cada ano para avaliação, e uma a cada dois anos para a qual convidam também pessoas de fora, onde discutem problemas, colocam prioridades, decidem o que vai ser feito. Em 2008, durante vários meses os índios do Oiapoque elaboraram um Projeto de Vida a longo termo extremamente interessante, que foi publicado. A organização das mulheres indígenas é muito ativa e eficiente e faz encontros em que discutem alimentação, práticas agrícolas, medicina tradicional, gestão territorial e a elaboração de protocolos de consulta e consentimento.
Do ponto de vista nacional, é necessário conhecer um mínimo para proteger e demarcar territórios, e ao mesmo tempo pode haver uma preocupação de não interferir.
Os índios têm direito às suas terras e ao usufruto exclusivo delas, por isso a questão da demarcação é central para eles. Na Amazônia o processo se deu de uma maneira um pouco mais adequada, mas há povos para os quais a demarcação das terras é extremamente difícil e que estão em situação absolutamente calamitosa, como é o caso dos Guarani de Mato Grosso. Existem frentes agrícolas muito agressivas que avançam o tempo todo. É um grande desafio e as coisas atualmente parecem não melhorar, mas os grupos que conseguiram a demarcação estão organizados para controlar suas terras. Por exemplo, os povos indígenas do Oiapoque a cada ano percorrem todo o limite do seu território para controlá-lo. Eles têm agentes ambientais indígenas formados, participam de reuniões no âmbito estadual, nacional e mesmo internacional. Os índios hoje estão cientes da problemática planetária sobre o clima e outros assuntos, como a proteção das florestas e da biodiversidade.
Quando você veio para o Brasil em 1955, imaginava que seria permanente?
Não, eu não queria vir para o Brasil! Estava muito bem em Paris. Vim por causa do meu marido, para ficar dois anos. Ele seria engenheiro da Renault, mas as fábricas acabaram só sendo montadas no Brasil muitos anos mais tarde. Como fomos ficando em São Paulo, comecei a trabalhar, mas sempre pensando em voltar. Quando tive contato com os índios, já na USP, tudo mudou de rumo, acabei me adaptando muito bem. Eu já tinha uma filha quando cheguei da França, mas os outros filhos nasceram aqui, os netos e os bisnetos também. Tenho 86 anos e me sinto brasileira, além de francesa.
Você participou do início da antropologia no Brasil, como era?
A visão com relação aos índios era muito culturalista, com a ideia de salvar alguma coisa que poderia se perder. Acreditava-se que os índios iriam desaparecer. Depois houve movimentos que reverteram essa visão, tanto na USP quanto no Museu Nacional e outros centros de pesquisa, também com a colaboração de muitos pesquisadores estrangeiros: o Central Brazil Research Project, do professor Maybury-Lewis, da Universidade Harvard, e pesquisadores brasileiros como Roberto Cardoso, Roberto DaMatta, Julio Melatti e muitos outros. Aí que a antropologia começa a desabrochar. Durante o XLII Congresso Internacional dos Americanistas em Paris, em 1976, se chegou à conclusão de que os modelos dos africanistas com os quais ainda trabalhávamos – usávamos a produção inglesa ou norte-americana – não se adaptavam ao Brasil. Nos anos 1970 vivenciamos mudanças teóricas interessantes, em grande parte influenciadas por Lévi-Strauss. Um simpósio realizado no Brasil em 1978 teve forte influência no desenvolvimento da etnologia brasileira, particularmente em relação à noção de pessoa, da corporalidade e da dimensão simbólica como formadora da práxis. Nessa época, começou a ser elaborado um levantamento sistemático e atualizado sobre os povos indígenas existentes no país, do qual participamos compilando informações sobre localização, população, situação jurídica das terras e projetos de infraestrutura. Esse levantamento deu origem ao Programa Povos Indígenas, gerenciado até hoje pelo Instituto Socioambiental. Ficou mais clara a grande diversidade étnica e cultural deste país e a existência de muitos povos indígenas, especialmente no Nordeste, que haviam sido calados. Ao lado dos estudos acadêmicos, foi assim que se iniciaram as primeiras ações concretas de cunho político em defesa dos direitos dos povos indígenas.
O que vê como legado?
Sempre dei muita importância a dar aulas e à pesquisa de campo. O apoio financeiro da FAPESP ajudou bastante, no começo era diferente porque a Fundação era muito pequena e conhecíamos todo mundo. Eles perguntavam sobre a pesquisa, mostrávamos fotos. Era uma relação muito pessoal. Orientei um grande número de teses, sempre com um contato muito estreito com os orientandos que hoje são professores em todo o Brasil e dão continuidade à pesquisa. A trajetória acadêmica não é linear. Ela é sempre realimentada pelas pesquisas, as novas contribuições teóricas dos ex-alunos. Isso continua, e eu continuo me informando e atuando na medida de minhas possibilidades. É bom lembrar que todos os meus trabalhos são coletivos, resultado de pesquisas e seminários com alunos e orientandos.
E a etnoestética sempre esteve presente.
Sim. Se fechei o trabalho com os Xikrin de etnoestética com o livro Grafismo indígena [Studio Nobel, 2007], fechei agora mais de 25 anos de trabalho entre os povos indígenas do Oiapoque com o livro A presença do invisível [Iepé/Museu do Índio-Funai, 2016], um resumo de todas as etnografias e todos os trabalhos que desenvolvemos naquela região, tudo coroado por uma exposição de 2007 a 2013 no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, portanto também ligado à estética. É uma trajetória com duas fases, bem definidas e diferenciadas, mas apontando as mesmas preocupações e interesses.