augusto zambonatoAs Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos lançaram um relatório no dia 11 de abril em que convocam a comunidade científica norte-americana a aperfeiçoar, de modo coordenado e coletivo, suas práticas e políticas relacionadas à integridade na pesquisa, investigando de modo sistemático todos os indícios de má conduta e lançando ações educativas eficazes que atinjam desde estudantes de graduação até líderes de grupos de pesquisa. Intitulado Promovendo a integridade na pesquisa, o documento tem 285 páginas e faz 11 recomendações (ver quadro). Em comum, as sugestões partem da premissa de que o esforço atual para sustentar um ambiente científico mais transparente e ético não tem sido suficiente – uma evidência disso seria a disseminação de desvios, que em alguns casos demoraram muitos anos para serem detectados, e de artigos científicos retratados nos últimos tempos.
Os 13 pesquisadores que produziram o relatório propõem que sejam dados passos adiante. A primeira recomendação da lista resume essa preocupação e sugere que todos os atores envolvidos na atividade de pesquisa – cientistas, universidades, agências, sociedades e editoras científicas – ampliem e atualizem suas práticas e estratégias para responder aos riscos identificados no relatório. “Evidências acumuladas nas últimas décadas e particularmente nos últimos anos indicam fortemente que o fracasso em definir e dar respostas enfáticas à má conduta científica constitui ameaça significativa à atividade de pesquisa”, alerta o documento.
O texto também aconselha ações coordenadas contra problemas que já são enfrentados, mas não ainda de modo eficiente. Um deles é a recomendação para que cada uma das sociedades científicas estabeleça regras claras e específicas relacionadas à atribuição de autoria em artigos científicos. De acordo com o relatório, as convenções relacionadas a esse assunto são hoje definidas de forma ainda descentralizada e variam entre instituições e periódicos. Estabelecer parâmetros comuns para cada disciplina ajudaria a orientar decisões corretas em laboratórios e no âmbito de colaborações científicas. O texto reitera que deve ser condenada de modo enfático a inclusão, no rol de autores, de indivíduos que não fizeram contribuições intelectuais significativas para o artigo científico.
Outra recomendação de destaque é a criação de um grande conselho consultivo independente e sem vínculos com o governo, formado por representantes de universidades e organizações de pesquisa. As funções do órgão não seriam executivas nem investigativas – a ideia é criar uma caixa de ressonância capaz de refletir sobre os problemas, mediar divergências e dar orientação para as instituições científicas, principalmente as de menor porte. Segundo o bioengenheiro Robert Nerem, presidente do comitê que produziu o relatório e professor emérito do Instituto de Tecnologia da Geórgia, é hora de criar uma instância que garanta a autorregulação das instituições científicas, antes que o Congresso norte-americano, que na legislatura atual tem emitido alguns sinais de hostilidade ao mundo da ciência, resolva criar novas leis sobre integridade científica. “Alguns legisladores são campeões em assuntos de pesquisa, mas eu fico muito desconfiado sobre o que poderá sair dali. Não creio que o Congresso vá considerar os melhores interesses da ciência”, disse Nerem à revista Science.
O relatório faz críticas a iniciativas no campo da educação talhadas para cumprir obrigações legais, mas que seriam insuficientes para produzir resultados concretos, como o treinamento on-line envolvendo temas de integridade científica. Também considera que várias instituições têm sido débeis no enfrentamento de casos de má conduta. Num apêndice, alguns escândalos recentes são analisados, entre os quais um que envolveu dois pesquisadores da Universidade de Duke: Anil Potti e Joseph Nevins. Eles propuseram um método que seria capaz de predizer a evolução de pacientes com câncer pulmonar e uma técnica para prever qual quimioterapia seria mais eficaz em cada vítima de câncer de pulmão, de mama ou de ovário. Apesar do alerta de outros pesquisadores de que não foi possível reproduzir os resultados apresentados, a universidade se contentou com as explicações de Potti e Nevins e liberou ensaios clínicos com as técnicas em fevereiro de 2010. Meses mais tarde, Potti deixou a universidade, acusado de roubar dados de outros pesquisadores. “Não sei se Duke mudou suas práticas, mas não ficaria surpreso se esse problema se repetisse”, criticou Nerem. Segundo ele, a melhor forma de evitar incidentes desse tipo é transformar em prioridade o treinamento sobre má conduta em todas as instituições de pesquisa e universidades – e o conselho consultivo poderia ajudar nessa tarefa.
O comitê responsável pelo relatório começou a trabalhar em 2012, com o objetivo de atualizar um documento lançado há 25 anos pelas Academias Nacionais, intitulado Ciência responsável. Segundo Nerem, a ideia de apenas atualizar o texto foi abandonada após as primeiras reuniões. “Percebemos que o desafio era ter um novo olhar sobre a integridade científica”, contou o pesquisador, referindo-se às transformações que ocorreram no ambiente de pesquisa e no notável crescimento da produção científica nos últimos anos. Enquanto o texto anterior enfatizava a responsabilidade individual dos pesquisadores, o novo trata do conjunto das instituições científicas. “Em vez da narrativa da maçã podre, mudamos o foco para a cesta inteira das maçãs”, explicou a pesquisadora C. K. Gunsulus, membro do comitê e chefe do Centro Nacional de Ética Profissional e de Pesquisa da Universidade de Illinois, de acordo com o site de notícias NPR.
O relatório de 1992 foi encomendado após a eclosão de uma série de escândalos e acelerou a criação do Escritório de Integridade Científica (ORI, em inglês), que consolidou duas estruturas já existentes. O ORI investiga acusações de má conduta em pesquisas biomédicas financiadas com recursos federais. A National Science Foundation (NSF), agência de fomento à pesquisa básica, também tem uma instância própria para julgar casos de má conduta entre os projetos que financia.
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