O Brasil se destaca no panorama internacional do acesso aberto, movimento lançado no início dos anos 2000 com o objetivo de tornar a produção científica disponível on-line e sem custo para os leitores. Segundo dados compilados pelo grupo de pesquisa espanhol Scimago, 33,5% dos artigos de autores brasileiros indexados na base de dados Scopus em 2016 foram divulgados em periódicos que oferecem livremente para leitura na web todo o seu conteúdo assim que ele é publicado, num modelo conhecido como “via dourada”. Trata-se da maior proporção entre as 15 nações com maior volume de produção científica cadastrada na Scopus. O país também se distingue no ranking das nações com maior número de periódicos científicos de acesso aberto (ver quadros).
O engajamento de periódicos do Brasil no acesso aberto, que se contrapõe ao modelo tradicional de acesso por assinaturas, teve início antes mesmo de o movimento ser criado internacionalmente. Tomou impulso a partir de 1997 com a criação da biblioteca virtual SciELO (sigla de Scientific Electronic Library Online), programa financiado pela FAPESP com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que reúne atualmente 283 periódicos do Brasil disponíveis na web – no total, eles publicaram mais de 300 mil artigos que foram objeto de uma média de 810 mil downloads diários nos oito primeiros meses de 2017.
De acordo com Abel Packer, coordenador-geral da SciELO, o programa vem ajudando a profissionalizar e internacionalizar dezenas de periódicos do país, permitindo sua indexação em bases de dados internacionais, além de dar mais visibilidade à produção científica brasileira. “Sai mais barato publicar em um periódico vinculado a SciELO, pois o objetivo final não é o lucro”, completa. O custo médio estimado do processo de avaliação, editoração, publicação e disseminação dos periódicos indexados na SciELO é de US$ 500 por artigo. A conta dobra se for preciso traduzir o paper para o inglês. “Vários estudos apontam uma média internacional de mais de US$ 1,2 mil da taxa de publicação de artigos dos periódicos de acesso aberto via dourada”, diz Packer. “A quantia chega a US$ 2.500 em periódicos híbridos”, afirma o coordenador da SciELO, referindo-se a revistas disponíveis só para assinantes, mas que divulgam papers em seus sites se o autor pagar uma quantia extra.
A maioria das revistas de acesso aberto do Brasil segue a via dourada, oferecendo acesso a todo o seu conteúdo sem que o leitor precise pagar. Nesse modelo, os custos podem ser cobertos ou pela cobrança dos autores de uma taxa de publicação de artigos (APC) ou por subsídios governamentais de agências ou entidades de fomento à pesquisa. No caso brasileiro, é raro cobrar taxas de autores. As despesas são bancadas por linhas de financiamento de órgãos como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o CNPq e a FAPESP, e pelas sociedades científicas e instituições que publicam cada revista. “Mais da metade dos custos é financiada pela instituição que publica o periódico, que também fornece instalações e funcionários”, afirma Packer. No caso da coleção SciELO, diz o coordenador da biblioteca, os recursos investidos pela FAPESP custeiam o funcionamento do sistema de submissão on-line de manuscritos, além da manutenção do portal e da sua base de dados, e da disseminação internacional. “O custo médio anual da SciELO é de US$ 120 por artigo”, diz Packer.
Custos crescentes
O acesso aberto avança no mundo inteiro, impulsionado por iniciativas como a decisão da União Europeia de exigir que todos os artigos produzidos em seus estados-membros estejam disponíveis sem cobrança para os leitores até 2020. Ações desse tipo, porém, envolvem o financiamento dos custos de taxas de publicação e pressionam os orçamentos de universidades e agências de fomento. É o que mostra a experiência do Reino Unido, que desde 2014 determinou que a produção científica de instituições vinculadas a seus Conselhos de Pesquisa (RCUK) fosse divulgada em acesso aberto. Como parte significativa dos pesquisadores publica em revistas que cobram taxas extras para disponibilizar artigos em acesso aberto, os custos aumentaram. Segundo um estudo da Universidade de Birmingham, as universidades do Reino Unido gastaram em 2015 £ 33 milhões, o equivalente a R$ 135 milhões, em despesas associadas à publicação em acesso aberto em 2015 – o equivalente a 20% do gasto geral com publicações. “O acesso aberto é uma tendência irreversível, mas alguém tem de pagar a conta, que está cada vez mais salgada”, afirma Rui Seabra Ferreira Júnior, presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec).
Segundo um estudo divulgado em agosto no repositório PeerJ Preprints e liderado pela norte-americana Heather Piwowar, da Universidade de Pittsburgh, só 12% dos artigos em acesso aberto são disponibilizados no modelo prevalente no Brasil, a via dourada. Outros 17% seguem a “via verde”, em que o autor arquiva no banco de dados de sua instituição uma cópia do trabalho publicado em periódicos fechados, que, dessa forma, fica disponível ao público. Algumas revistas permitem que os autores ofereçam a versão final do manuscrito, outras só a versão do anterior à revisão (ver quadro).
Cerca de 13% dos artigos da amostra estavam classificados na “via híbrida”, em que revistas de acesso fechado cobram taxa extra do autor para divulgação on-line. A editora Elsevier transformou seus periódicos em híbridos. “Decidimos flexibilizar para que cada um decida como deseja publicar”, afirma Dante Cid, vice-presidente para relações acadêmicas na América Latina da Elsevier. O trabalho da PeerJ Preprints observou a existência de um quarto modelo, batizado de “via de bronze” – cerca de 58% dos artigos consultados livremente vinham de periódicos de acesso fechado que foram disponibilizados pelas editoras sem que houvesse uma licença formal para isso.
A divulgação em acesso aberto amplia as chances de que os artigos sejam conhecidos, mas não garante mais impacto. No caso dos periódicos do Brasil, o número de citações é restrito, embora haja sinais de crescimento. Mais da metade dos 122 periódicos do país que constam no ranking de 2016 do Journal Citation Reports (JCR) aumentou o seu Fator de Impacto (FI), com cinco deles atingindo FI maior do que 2. Isso significa que, em média, cada artigo desses periódicos foi citado em outras publicações pouco mais de duas vezes nos últimos dois anos. Só um terço dos periódicos do Brasil listados no JCR tem FI superior a 1 – nos outros dois terços, a média é inferior a uma citação por artigo. Há cinco anos, só 17 periódicos do Brasil alcançavam FI maior que 1. Para efeito de comparação com um periódico de referência mundial de acesso aberto, o PLOS ONE teve fator de impacto 2.806 em 2016.
Desempenho dos modelos
O avanço do acesso aberto tem estimulado pesquisadores a estudar qual dos modelos produz mais impacto. O trabalho de Heather Piwowar constatou que os artigos em acesso aberto são citados 18% mais que a média dos papers indexados na base Web of Science (WoS). Mas isso varia de acordo com o modelo. Os de via verde e os híbridos têm desempenho de 30% acima da média mundial de citações. Já os de via dourada, prevalente no Brasil, apresentam desempenho 17% abaixo da média mundial.
Um trabalho publicado em maio na revista Scientometrics por pesquisadores da Espanha analisou a trajetória de artigos indexados na base WoS publicados em 2009 e concluiu que, em 173 temas de pesquisa, os de via dourada tiveram menos impacto do que os de acesso via assinatura, enquanto em apenas 36 temas o impacto foi maior. Abel Packer, da SciELO, diz que o estudo tem um viés: ele inclui na via dourada periódicos muito heterogêneos e a maioria com pouco tempo de indexação, que não deveriam ser comparados diretamente com os periódicos de acesso fechado, a maioria indexada há muitos anos.
Ferreira Júnior, da Abec, distingue resultados de pesquisas que devem ser publicados em revistas internacionais daqueles que têm escopo regional e podem ser mais bem aproveitados em periódicos do país. “Existe uma produção científica com importância estratégica para a ciência e a sociedade brasileira. Mas ela não se enquadra nos critérios de publicação de revistas internacionais de alto impacto, que só aceitam manuscritos de conteúdo muito inovador, na fronteira do conhecimento.” Cita o exemplo da revista Pesquisa Agropecuária Brasileira, editada desde 1966 pela Embrapa, que tem fator de impacto 0.542. “O impacto não é alto para padrões internacionais ou mesmo para a Capes, mas ela é estratégica, pois o Brasil tem o agronegócio como carro-chefe da economia.” A ideia de que existe uma produção regional desdenhada por periódicos de alto impacto nunca foi aferida. “Nesse contexto, não há estudos sobre artigos rejeitados”, afirma Abel Packer.
Para ampliar o impacto de seus periódicos, editores buscam atrair artigos de conteúdo inovador. Não é um desafio trivial. Uma queixa dos editores é de que o Sistema Qualis, usado pela Capes para classificar periódicos nos quais os programas de pós-graduação do país publicam sua produção, dá mais peso para a divulgação em revistas dos países desenvolvidos, o que impediria a consolidação de periódicos do Brasil.
Na opinião de Ferreira Júnior, da Abec, falta definir uma política editorial nacional. “O governo federal ajuda a financiar os periódicos nacionais, mas, para fins de avaliação, a Capes pede que o pesquisador mande seus melhores artigos para o exterior”, aponta. Em países da Europa ou nos Estados Unidos, governos não se envolvem nas políticas de publicação. “Já na China, o governo investiu no fortalecimento de um conjunto de periódicos que canalizaram parte do crescimento da produção científica do país”, diz Ferreira. De acordo com Rita Barradas Barata, diretora de avaliação da Capes, a instituição avalia os periódicos pelo potencial de circulação e pelo impacto, sem distinguir os de acesso aberto ou fechado. Em algumas áreas, principalmente em humanidades e ciências sociais aplicadas, em que a indexação em bases mais internacionais não é frequente, estar na base da SciELO é “fortemente valorizado como critério de qualidade para o periódico”. Mas, lembra Rita, existem publicações científicas relevantes produzidas por editoras comerciais e que apresentam política restrita de acesso aberto. “Não há por que impedir os pesquisadores de publicarem em periódicos de grande prestígio apenas por não adotarem o acesso aberto.”
Há dois anos, a biblioteca SciELO lançou novas normas para ampliar a repercussão internacional de seus periódicos, exigindo, por exemplo, que 75% dos artigos indexados estivessem em inglês – o patamar anterior era de 60% – e que o contingente de autores e de pareceristas com afiliação no exterior fosse ampliado (ver Pesquisa FAPESP nº 227). Paulo Sentelhas, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, e editor-chefe do periódico Scientia Agricola, conta que a internacionalização rende resultados, mas não é isenta de traumas. O periódico da Esalq, que integra a coleção SciELO desde o seu início e tem hoje fator de impacto 1.108, o mais alto entre os periódicos do Brasil no campo da agronomia, decidiu em 2003 que só publicaria manuscritos em inglês. “Houve uma reação contrária e, em um primeiro momento, o número de manuscritos submetidos caiu”, lembra ele. “Aos poucos, a revista ganhou mais visibilidade e passamos a atrair mais autores de fora.” Hoje, 65% dos pareceristas que avaliam artigos são do exterior, ante 5% no início dos anos 2000. “Os artigos em inglês nos deram acesso a revisores estrangeiros e foram fundamentais para melhorar a qualidade da revista.” Ele sustenta que os periódicos do Brasil mais internacionalizados vão se beneficiar do avanço do acesso aberto. “A partir de 2020, quando os pesquisadores da Europa tiverem de publicar em acesso aberto, haverá mais oportunidades para que nossas boas publicações atraiam artigos de qualidade de fora”, vaticina.
Projeto
Desenvolvimento e operação da coleção SciELO Brasil para o período de 1º de novembro de 2016 a 31 de outubro de 2019 (nº 15/26964-1) Modalidade Auxílio a Pesquisa – Regular Pesquisador responsável Abel Laerte Packer (Fundação de Apoio à Unifesp) Investimento R$ 21.756.884,07 (para todo o projeto).
Artigos científicos
DORTA-GONZÁLEZ, P. et. al. Reconsidering the gold open access citation advantage postulate in a multidisciplinary context: an analysis of the subject categories in the Web of Science database 2009–2014. Scientometrics. v. 112 p. 877–901. ago. 2017.
PIWOWAR H. et al. The State of OA: A large-scale analysis of the prevalence and impact of Open Access articles. PeerJ Preprints, 2017.