Podcast: Fabio Santos do Nascimento
Ao liberar HCCs, as rainhas indicam que estão férteis e inibem o ímpeto de acasalamento das operárias, de acordo com um estudo do grupo da USP publicado em junho de 2017 na revista Nature Ecology & Evolution. “É a sinalização química induzida pelas rainhas que mantém as operárias dedicadas à limpeza e à guarda do ninho ou à busca de alimentos”, conta Nascimento, contratado em 2009 como professor da FFCLRP. As equipes de Ribeirão Preto verificaram também que as rainhas de abelhas Melipona scutellaris espalham HCCs sobre os compartimentos em que depositam seus ovos, sinalizando que as operárias não devem mexer ali.
Produzidos por glândulas subcutâneas, os HCCs formam a cera amarelada que reveste o esqueleto externo dos insetos. São substâncias formadas apenas por átomos de carbono e hidrogênio organizados em longas estruturas lineares com ligações simples ou duplas entre os carbonos. “A posição das ligações duplas entre os átomos de carbono varia segundo a espécie ou o gênero dos insetos”, diz Lopes. “E a variação nas estruturas dessas moléculas permite o reconhecimento de indivíduos da mesma colmeia e torna possível o dialeto entre eles.” Em 2003, quando começou a trabalhar com Nascimento, seus equipamentos de análise química caracterizavam hidrocarbonetos com até 40 carbonos, mas agora uma nova técnica de espectrometria de massa adotada em seu laboratório permite a identificação de compostos de cadeia ainda mais longa, com 60 carbonos, que também se mostraram diferentes entre machos e fêmeas e entre rainhas e operárias.
Contato revelador
Essa forma de comunicação depende do contato físico entre os insetos. Uma formiga, por exemplo, reconhecerá que outra formiga é da mesma espécie ou da mesma colônia tocando seu corpo – principalmente a cabeça – com as antenas, dotada de poros ou receptores próprios para a identificação dos HCCs. Por essa razão é que os mais de mil HCCs já identificados são chamados de feromônios superficiais ou de contato. Essa classificação os diferencia dos feromônios sexuais, liberados no ar pelas fêmeas aptas a procriar.
“Nas colmeias, os insetos sociais se comunicam principalmente através de sinais químicos”, informa Lopes. “Fora da colônia, a primeira forma de comunicação entre as espécies é a visual. Se um inseto da mesma espécie ou de outra tentar invadir o formigueiro, as formigas vão reconhecê-lo como inimigo e o atacarão de imediato.” Quando há luz, as vespas Polistes satan se reconhecem também por meio de sinais peculiares em suas faces, de acordo com um estudo conduzido pela bióloga Ivelize Tannure Nascimento, da USP de Ribeirão Preto, e publicado em 2008 na Proceedings of the Royal Society B.
Dois dias depois de saírem do ovo, as vespas já produzem o HCC característico da colônia, por causa do contato com os outros integrantes do grupo. A composição dessas substâncias pode mudar, em resposta, por exemplo, à variação na dieta. Sob a orientação de Nascimento, o biólogo Lohan Valadares dividiu uma colônia de saúvas em dois grupos e alimentou um com folhas e pétalas de rosa e outro com folhas de extremosa (Lagerstroemia sp.), árvore de flores rosa usada na arborização urbana. Depois, ele colocou as formigas de um grupo em outro. As que chegavam eram hostilizadas. As análises indicaram que o cheiro das formigas tinha mudado depois da alteração da dieta. “Como o perfil químico dos hidrocarbonetos cuticulares se alterou, as formigas que faziam parte de uma mesma colônia deixaram de se reconhecer”, comenta Nascimento.
A habilidade de produzir esses compostos deve ter surgido antes mesmo de os insetos começarem a viver em colônias, há cerca de 100 milhões de anos. Os biólogos Ricarda Kather e Stephen Martin, da Universidade de Salford-Manchester, Inglaterra, examinaram o perfil químico dos HCCs de 241 espécies de insetos, incluindo 164 de hábitos sociais, da ordem Hymenoptera — a maior desse grupo, com 130 mil espécies. Como detalhado em um estudo de 2015 na Journal of Chemical Ecology, espécies solitárias apresentaram um perfil de HCCs tão complexo quanto o das sociais.
Outro grupo da Inglaterra indicou que as antenas – ao menos as das formigas Iridomyrmex purpureus – não apenas recebiam, mas também transmitiam sinais químicos, desse modo ampliando a conclusão do psiquiatra e entomologista suíço Auguste-Henri Forel (1848-1931). No final do século XIX, Forel mostrou que as antenas funcionavam como órgãos capazes de captar sinais químicos ao remover as antenas de quatro espécies de formigas e observar que os insetos se desorientavam e amontoavam-se, independentemente da espécie.
Formigas desnorteadas
Sem HCCs, do mesmo modo, os insetos ficam desnorteados e a organização social se quebra. No laboratório de comportamento e evolução da Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos, a equipe do biólogo Daniel Kronauer desativou o gene orco, responsável pela produção de receptores dos HCCs, em formigas da espécie Ooceraea biroi, originária do Japão. Assim que saíam da fase larval e tornavam-se adultas, as formigas geneticamente alteradas mostravam de imediato um comportamento incomum para a espécie: não andavam mais em linha, mas se moviam sem direção, a esmo, como detalhado em um artigo de dezembro de 2016 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Os pesquisadores observaram também mudanças nas estruturas cerebrais das formigas, o que indicou que os insetos precisariam dos receptores de odor para o cérebro se desenvolver corretamente.
Os HCCs explicam comportamentos intrigantes dos insetos sociais – e não só o fato de viverem se tocando com as antenas. “Depois de se sujarem ou saírem da água, as formigas se limpam ou se enxugam com as pernas como forma de recuperar a camada de hidrocarbonetos que cobre seu corpo. De outro modo, os guardas da colônia não os reconheceriam e não os deixariam entrar”, exemplifica Nascimento. Outro mistério resolvido se refere ao fato de as abelhas operárias da espécie Melipona scutellaris decapitarem as rainhas virgens com sete dias, quando poderiam atrair os machos interessados na cópula. Tocando o corpo – principalmente a cabeça – das rainhas virgens, as operárias percebem que o HCC delas é diferente do das rainhas fecundas. A percepção dessa diferença induz à matança, concluiu o biólogo Edmilson Souza, professor da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Não haveria grandes danos à colmeia porque as rainhas das colônias de abelhas sem ferrão como a uruçu produzem com frequência ovos que originam rainhas.
Ao unirem biologia e química, esses estudos estão complementando os trabalhos sobre genética das abelhas, iniciados pelo geneticista paulista Warwick Kerr na década de 1950, e os de biologia do comportamento de insetos sociais, com a bióloga Vera Imperatriz Fonseca, a partir da década de 1970, e exigem uma visão multidisciplinar dos pesquisadores. “Aqui no laboratório”, conta Nascimento, “todo aluno e pesquisador, mesmo sendo biólogo, tem de ser um pouco químico, aprender a usar o cromatógrafo e a interpretar os resultados que produzirem”.
As asas vivas de uma libélula
Encontrada no Cerrado e conhecida como morpho por sua semelhança com um gênero de borboletas predominantemente azuis, a libélula Zenithoptera lanei pode ter se tornado o primeiro caso de um inseto adulto com asas constituídas por tecido vivo – e não morto, como se pensava.
O biólogo Rhainer Guillermo Ferreira, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), identificou por meio de imagens de microscopia eletrônica uma rede de canais – as traqueias – em meio às membranas das asas de um azul intenso dessa espécie.
Como detalhado em um artigo publicado em setembro de 2017 na revista Biology Letters, as traqueias têm um diâmetro variando de 3 a 200 nanômetros e devem abastecer com oxigênio as células que produzem uma cera espessa que recobre as asas. Segundo Ferreira, a cera deve refletir a radiação ultravioleta, o que ao mesmo tempo acentua a cor azul das asas e protege o inseto do excesso de luz solar. “Uma das indicações de que as células das asas estão vivas é que o azul perde o brilho rapidamente depois que a libélula morre”, diz ele.
A rede de traqueias deve também contribuir para a sustentação das asas e para o controle da temperatura desses insetos. “Por enquanto, essa espécie é a única com esse tipo de estrutura”, afirma. “Examinamos outras 40 espécies de libélulas e não encontramos nada parecido.”
Projetos
1. Avaliação dos mecanismos exógenos e endógenos que influenciam a variabilidade dos hidrocarbonetos cuticulares em insetos sociais neotropicais (nº 15/25301-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Fábio Santos do Nascimento; Investimento R$ 191.870,92.
2. Metabolismo e distribuição de xenobióticos naturais e sintéticos: Da compreensão dos processos reacionais à geração de imagens teciduais (nº 14/50265-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Norberto Peporine Lopes; Investimento R$ 1.137.805,87.
Artigos científicos
KATHER, R. e MARTIN, S. J. Evolution of Cuticular Hydrocarbons in the Hymenoptera: a Meta-Analysis. Journal of Chemical Ecology. v. 41, n. 10, p. 871-883, 2015.
McKENZIE, S. K. et al. Transcriptomics and neuroanatomy of the clonal raider ant implicate an expanded clade of odorant receptors in chemical communication. PNAS. v. 113, n. 49, p. 14091-6, 2016.
NUNES, T. M. et al. Evolution of queen cuticular hydrocarbons and worker reproduction in stingless bees. Nature Ecology & Evolution. v. 1, 0185, 2017
TANNURE-NASCIMENTO, I.C. et al. The look of royalty: visual and odour signals of reproductive status in a paper wasp. Proceedings of the Royal Society B. v. 275, p. 2555-61, 2008.
GUILLERMO-FERREIRA, R. et al. The unusual tracheal system within the wing membrane of a dragonfly. Biology Letters. v. 13 (5), 20160960, 2017.