Cerca de 1,2 mil atropelamentos de animais silvestres e domésticos foram registrados no ano passado nos 6,9 mil quilômetros (km) de rodovias paulistas privatizadas, segundo dados da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Considerando toda a malha viária estadual, composta por 35 mil km de vias asfaltadas, 4% dos acidentes são causados por colisões com bichos, algumas delas fatais para os ocupantes dos veículos. Não existem dados disponíveis do problema em nível nacional, mas uma estimativa do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), da Universidade Federal de Lavras (Ufla), elaborada a partir da análise de 14 estudos científicos com registros de mortes em diversos biomas, aponta que 5 milhões de animais de grande porte, como capivaras, onças, macacos e lobos-guará, são mortos anualmente em rodovias e estradas do país.
Para reduzir a mortandade de animais e tornar as rodovias mais seguras, concessionárias e órgãos públicos do setor rodoviário adotam há algum tempo soluções para diminuir o problema, como a instalação de cercas ou barreiras nas margens das pistas e a construção de passagens subterrâneas para a fauna. Outra possibilidade recente são as tecnologias antiatropelamento. Uma dessas soluções foi formulada pela consultoria ambiental paulistana ViaFauna e ganhou o nome de Passa-Bicho, um sistema de detecção animal baseado em um conjunto de sensores posicionados em pontos da rodovia com alta presença de animais. Por meio de luzes de advertência ou mensagens em painéis, o sistema alertará motoristas sobre a existência de bichos na pista (ver infográfico).
![](http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2017/10/069_passabicho02_260-300x225.jpg)
viafauna/divulgação
A bióloga Fernanda Abra, da ViaFauna, segura uma jaritataca, conhecida popularmente como gambá, atropelada na estrada que corta o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiásviafauna/divulgaçãoEspecializada em estudos e manejo de fauna em rodovias, ferrovias e aeroportos, a ViaFauna já tem um protótipo funcional do Passa-Bicho, capaz de detectar animais silvestres e domésticos a partir de 3 quilos. A empresa deve iniciar nos próximos meses testes em campo para refinar a tecnologia. “Nossa meta é ter um modelo comercial até 2019. Os atropelamentos em rodovias são um dos principais fatores de redução da população de animais silvestres no mundo. No caso do Brasil, estamos falando de espécies ameaçadas de extinção, como lobo-guará, onça-parda e tamanduá-bandeira”, diz a bióloga Fernanda Delborgo Abra, uma das sócias da startup juntamente com as também biólogas Mariane Rodrigues Biz Silva e Paula Ribeiro Prist. O sistema, abastecido por energia solar, foi desenvolvido em parceria com a Trapa Câmera, empresa especializada na fabricação de equipamentos eletrônicos para conservação da fauna, como câmeras para filmagem de animais na mata.
Podcast: Fernanda Abra
Embora ainda não esteja pronto, o Passa-Bicho desperta interesse do mercado. “Queremos fazer um teste-piloto em uma de nossas rodovias com grande presença de animais”, afirma Luciano Louzane, diretor-superintendente das concessionárias Centrovias e Intervias, que administram cerca de 600 km de rodovias no estado de São Paulo. “Os atropelamentos de animais são um problema sério. Em determinado trecho de uma de nossas rodovias já foram registradas 700 ocorrências envolvendo capivaras. Além da perda de biodiversidade, as colisões afetam a operação da malha viária, geram perdas materiais e colocam em risco a vida do motorista e ocupantes dos veículos.”
Sistemas como o desenvolvido pela ViaFauna são inéditos no Brasil, mas já funcionam no Canadá, nos Estados Unidos, na Holanda, na Finlândia e na Suíça. “Esse tipo de tecnologia reduz em até 90% os atropelamentos nos locais onde é adotado. Além de poder ser instalado em qualquer ponto da rodovia, o sistema apresenta alta eficiência em comparação com outras medidas para diminuir os atropelamentos, como passagens de fauna, cercas, muros de concreto e placas de sinalização de travessia de animais”, destaca Fernanda Abra. Segundo ela, o Passa-Bicho também poderá ajudar os especialistas em ecologia de rodovias. “Um dos maiores gargalos desse campo de pesquisa é saber quantos animais atravessam a rodovia com sucesso. Hoje, só temos dados sobre os animais que morrem na pista.”