daniel almeidaUm aprendizado que se impõe a todo pesquisador desde o início de sua carreira é o da necessidade de financiamento para desenvolver projetos com qualidade e certa tranquilidade. No entanto, em um cenário acadêmico cada vez mais competitivo, e de recursos escassos, não basta elaborar uma proposta consistente e inovadora. É preciso também ter clareza sobre quanto cada projeto, em suas distintas etapas, irá custar. “Uma estimativa orçamentária criteriosa é fundamental quando se busca financiamento para um projeto de pesquisa”, afirma a bióloga Lúcia Lohmann, do Instituto de Biociências
da Universidade de São Paulo (IB-USP).
Nos últimos anos várias instituições, sobretudo dos Estados Unidos, lançaram manuais com orientações sobre como estimar e justificar os custos de um projeto. É o caso da Escola de Artes da Universidade de Nova York, que publicou um guia sobre como elaborar uma proposta de orçamento de pesquisa, e da Universidade Dartmouth, que dispõe de um manual dedicado à importância do financiamento na elaboração de um projeto de investigação científica.
Elemento-chave de qualquer solicitação de subvenção científica, o orçamento é a expressão quantitativa de um plano financeiro acerca das despesas futuras de um projeto de pesquisa. “Entre outras coisas, uma proposta orçamentária bem detalhada também indica aos avaliadores que o pesquisador se empenhou na elaboração de seu projeto e tem clareza de todas as etapas e componentes necessários para cumprir seus objetivos”, avalia Lúcia. A bióloga é hoje responsável pela coordenação de vários projetos, sendo o principal desenvolvido no âmbito da cooperação entre os programas Biota-FAPESP e Dimensions of Biodiversity, da National Science Foundation (NSF), principal agência norte-americana de fomento à ciência.
Ela recomenda que os pesquisadores procurem sempre submeter propostas orçamentárias equilibradas. “Despesas superestimadas podem depor contra o projeto, fazendo-o parecer megalomaníaco”, analisa a pesquisadora, a partir de sua experiência como assessora ad hoc. O oposto também pode ser prejudicial. “Subestimar os custos do projeto pode comprometer a pesquisa que, no limite, corre o risco de ser interrompida ou não concluída.”
“Orçar um projeto é um processo trabalhoso. Exige conhecimento técnico, o que nem todo pesquisador em início de carreira tem”, observa a bioquímica Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que solicita financiamento à pesquisa há quase 30 anos. “É preciso humildade para pedir ajuda quando necessário. Sempre contei com a orientação de colegas mais experientes, por isso não me lembro de ter errado gravemente ao longo da carreira.”
Em sua avaliação, a elaboração de um projeto e a preparação de seu orçamento devem se desenvolver em paralelo. “Não dá para fazer um projeto sem saber quanto ele custará, assim como não dá para elaborar um orçamento sem saber o que será necessário para o projeto.” Bernadette lembra que muitas chamadas de propostas lançadas pelas agências de fomento têm um valor limite para cada solicitação, que precisa ser observado na elaboração do projeto, considerando-se a infraestrutura já disponível para sua execução.
Para o psiquiatra Euripedes Constantino Miguel, da Faculdade de Medicina (FM-USP), é crucial que o orçamento do projeto de pesquisa reflita a realidade dos custos necessários para sua execução. “Do contrário, o pesquisador corre o risco de não entregar o que prometeu, o que pode comprometer sua credibilidade perante a agência de fomento, e de ter de devolver os recursos do próprio bolso.” Para Bernadette, é preciso estar atento às especificidades de cada agência de fomento. “Cada uma tem suas próprias regras, as quais podem mudar de acordo com cada tipo de chamada ou edital.”
A NSF aconselha aos pesquisadores que comecem a orçar o projeto bem antes do prazo para submissão, atentando para os custos dos experimentos, da publicação de artigos, das viagens para pesquisa de campo e da participação em eventos científicos. “É importante ter em pauta todos os itens do projeto e saber que há o risco de variações de mercado, sobretudo se os recursos forem concedidos em moeda estrangeira”, explica Juliana Juk, gerente de projetos do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs).
Nesse sentido, Euripedes recomenda que os pesquisadores só comecem a esboçar a proposta orçamentária após ter uma ideia clara sobre seus objetivos e metodologias. “As perguntas científicas e os métodos a serem usados para respondê-las precisam ser coerentes com os recursos necessários à sua execução”, considera. “Se a pesquisa envolve colaborações com outros pesquisadores, vale a pena se reunir previamente com eles para discutir os gastos envolvendo as atividades de cada um. O combinado com cada pesquisador é uma premissa básica e, como tal, deve ser cumprida, mas é importante que também haja espaço, se preciso, para negociação entre projetos ou mesmo readequação dos objetivos iniciais.”
Os pesquisadores lembram que a condução de um projeto de pesquisa é um trabalho coletivo. “Sempre contei com a minha equipe para elaborar os projetos e estimar seus custos”, relata Bernadette, que também responde pela coordenação do Food Research Center (ForC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.
Na organização dessas informações, um bom começo pode ser a elaboração de uma lista com os custos detalhados do projeto e a respectiva porcentagem do orçamento total estimado. Além dos programas de edição de planilhas como o Excel, existem hoje várias ferramentas digitais para ajudar os pesquisadores a gerenciar os custos das pesquisas, como as plataformas Fluxx, Deltek e o Worktribe, muito usado por universidades dos Estados Unidos e Reino Unido. Algumas instituições, como a USP, contam com softwares próprios para o acompanhamento da execução dos recursos concedidos aos pesquisadores.
“É importante manter o controle semanal dos gastos quando se trabalha em grandes projetos”, alerta Lúcia, cujos projetos em curso movimentam quase R$ 2 milhões. “É preciso que os pesquisadores se organizem bem, registrem todo fluxo de caixa e arquivem os recibos e comprovantes de compra de equipamentos, reagentes e demais.” Além de facilitar a prestação de contas, essas práticas contribuem para o equilíbrio das despesas.
Sempre que possível, Euripedes também indica a contratação de um gerente de projetos. “Graças à expertise desses profissionais, conseguimos executar no Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento vários projetos de grande porte, nacionais e internacionais ao mesmo tempo, que movimentam ao todo aproximadamente R$ 11 milhões”, afirma. Ao desincumbir-se de pelo menos parte das tarefas administrativas e contábeis, o pesquisador pode dedicar mais energia e tempo à pesquisa. Também para a ciência, tempo é dinheiro.
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