Ilustração sobre foto arun kulshreshtha / wikimediaEm uma tarde de fevereiro de 2008 o sistema de alerta da Defesa Civil da cidade de Barueri na Região Metropolitana de São Paulo recebeu uma informação de previsão de tempestade para as próximas duas a três horas direto do sistema de radar meteorológico mantido por uma parceria entre a prefeitura do município e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). O pessoal da Defesa Civil imediatamente isolou algumas áreas, principalmente de encostas, e evitou, muito provavelmente, a morte de moradores de duas casas que foram destruídas com aquelas chuvas. O exemplo mostra a importância do monitoramento imediato do tempo em uma região como a de São Paulo, de alta concentração urbana.
O radar meteorológico que faz o monitoramento de nuvens e a aproximação de tempestades, granizo e velocidade dos ventos, além de medir uma série de outras variáveis do tempo, é um instrumento que faz parte da rotina dos pesquisadores de meteorologia do IAG-USP desde 2007. Ele foi financiado pela FAPESP por meio do Programa Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo (Sihesp), uma parceria entre o Conselho de Hidrometeorologia (Cehidro) e a atual Secretaria de Desenvolvimento do Estado. O projeto e a montagem são da empresa paulistana Atmos, que utilizou instrumentos e software importados adicionados à tecnologia nacional. O radar móvel está instalado em um caminhão, com uma antena multidirecional, equipamentos, computadores, além de um gerador a diesel, que o deixam capaz de operar em qualquer lugar. Sob a coordenação do professor Augusto José Pereira Filho, do Laboratório de Hidrometeorologia (Labhidro) do IAG, o radar faz parte de um sistema de previsão hidrometeorológica que inclui as modelagens atmosférica e hidrológica para dar suporte na previsão de chuvas intensas e a possibilidade de enchentes e na previsão do tempo com até dois dias de antecedência realizada por meio de outro sistema de previsão numérica, denominado Advanced Regional Prediction System (ARPS). Precipitações severas previstas com esse sistema são monitoradas com o radar do IAG, que permite uma previsão de duas a três horas de antecedência com alto detalhamento para a área de cobertura do equipamento.
“Os radares móveis são mais indicados para pesquisa e os principais estão nos Estados Unidos e Japão. Nos Estados Unidos são muito usados para monitorar tornados. O nosso radar é o primeiro do mundo a ser operado com objetivos operacionais e de pesquisa”, diz Pereira Filho. Num raio de ação de 150 quilômetros, o radar permite o monitoramento e previsão de chuva que abrange parte do Vale do Paraíba, Baixada Santista, serra do Mar, Campinas, Região Metropolitana de São Paulo e parte da região oeste do estado. Com ele é possível analisar a maior incidência de chuvas na Região Metropolitana da capital e menor ao redor das cidades, em dias de tempestades isoladas, como nos mananciais. Chove mais nas cidades porque o ar é aquecido próximo à superfície terrestre em consequência do acúmulo, na área urbana, de concreto e asfalto que absorvem a energia solar e a devolvem na forma de calor. Principalmente no verão o ar seco e quente muitas vezes é misturado com o ar úmido e frio oriundo da brisa que vem do oceano. O resultado é a formação rápida de tempestades e pancadas de chuva forte, rajadas de vento, granizo, descargas elétricas e, consequentemente, enchentes e deslizamentos. “O que temos em São Paulo, no caso das chuvas fortes e enchentes, é uma formação local, muito particular, de eventos meteorológicos, no nível de microclima”, conclui Pereira Filho. Somente em 2010, um ano que já havia sido prognosticado por Pereira Filho como muito chuvoso, o sistema de previsão emitiu mais de 50 alertas de tempestade. “A quantidade de chuvas fortes em janeiro último também teve relação com o fenômeno climático El Niño associado com temperaturas da superfície do oceano Atlântico Sul acima do normal, o que injetou na atmosfera grandes quantidades de umidade, levadas pelas circulações atmosféricas para o continente.”
O convênio entre o IAG e a prefeitura de Barueri que dá suporte a esse sistema foi firmado em 2008. “Isso proporcionou que nós treinássemos o pessoal da Defesa Civil da cidade para operar o radar durante 24 horas por dia no período chuvoso, de setembro a março.” O radar móvel também é utilizado no ensino e pesquisa de estudantes de graduação e pós-graduação em meteorologia do IAG e engenharia ambiental da Escola Politécnica da USP. “Eles vão até o radar e verificam como o sistema é operado”, diz o professor Pereira Filho. Atualmente o caminhão com todo o equipamento instalado está estacionado em um terreno elevado em Barueri. Uma massa grande de dados, como mapas de chuva, vento, tamanho de gotas, está disponível no site do Labhidro para as defesas civis, secretarias de Estado e demais órgãos públicos que possuam meteorologistas. A página inicial do site www.labhidro.iag.usp.br é aberta ao público e contém a previsão do tempo com temperatura, umidade, ventos e chuva, além dos boletins de alertas de tempestades. O volume de informação gerado pelo radar é muito grande, são cerca de 10 megabytes (MB) a cada cinco minutos. Ao todo são 20 produtos que estão disponíveis. “Já atingimos a marca de milhares de usuários em dias de muita chuva”, diz. As informações captadas pelo radar são enviadas ao IAG por meio de um sistema de micro-ondas e os dados armazenados em um servidor. São arquivos que mostram os vários fenômenos monitorados desde a formação de nuvens até a dissipação das tempestades. Os registros rápidos e acelerados são fáceis para um leigo entender o fenômeno na tela do computador.
A sequência de coleta de dados do radar foi quebrada principalmente em 2009. “No verão daquele ano não pudemos fazer um levantamento porque o radar ficou seis meses parado por problemas técnicos”, diz Pereira Filho. Além do radar, a equipe do professor, formada por professores, alunos do IAG e o pessoal treinado da prefeitura de Barueri, conta com mais duas estações meteorológicas terrestres e sensores de medição de umidade de solo e espectro de gotas, entre outros, adquiridos com recursos da FAPESP no mesmo projeto do Sihesp, que visava dar suporte a instituições de pesquisa do estado na compra de instrumental para estudos de tempo e clima. Uma estação está instalada no Parque de Ciência e Tecnologia (Cientec) da USP, na zona sul de São Paulo, e outro no campus da USP Leste. No mesmo programa também foram reformados os radares meteorológicos de Bauru e Presidente Prudente, do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (Ipmet) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e instalado um sistema de computação para processar as informações climáticas do estado no IAG.
Formação empresarial
O Programa Sihesp e a FAPESP resolveram em 2005 entregar a construção do radar meteorológico móvel para a Atmos, a única empresa brasileira que apresentou uma proposta, porque a Fundação preferiu fortalecer a presença de uma companhia nacional no fornecimento desse tipo de equipamento. Com sede em São Paulo, a Atmos foi fundada em 2004 como um braço da Fundação Aplicações de Tecnologias Críticas, a Atech, uma organização de direito privado e sem fins lucrativos criada em 1997 para integrar o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), e que atualmente presta serviços para os sistemas de controle do tráfego aéreo brasileiro. A Atmos também teve outra empresa na sua formação, a Omnisys, que desenvolve e presta manutenção a sistemas de radares para tráfego aéreo. Atech e Omnisys construíram um radar meteorológico fixo em Mogi das Cruzes com base na experiência do Sivam e que serviu de experimentação para a criação da Atmos.
“Para produzirmos o radar móvel, o professor Augusto forneceu os requisitos técnicos necessários e nós procuramos atender e resolver os desafios eletrônicos e mecânicos, como desenvolver o pedestal da antena e mudar a suspensão do caminhão convencional para um sistema pneumático que inibe a vibração”, diz Claudio Carvas, diretor-presidente da Atmos. Uma das necessidades era que o radar funcionasse em banda X, designação de frequência eletromagnética que funciona em 9,4 gigahertz (GHz), recomendável para monitorar a atmosfera, medir o volume das nuvens e a quantidade de água que vai cair em um determinado período. A chamada banda S, usada em outros radares meteorológicos, opera na frequência de 2,8 GHz. A banda X funciona bem até um raio de 150 quilômetros (km), enquanto a S atinge até 240 km.
O radar, denominado MXPol pelo Labhidro, sigla em inglês para banda X de mobilidade e polarização vertical e horizontal, tem a potência de 80 quilowatts (kW) de pico. “Isso significa que o radar transmite pulsos estreitos de alta potência que se propagam na atmosfera e atinge um fenômeno atmosférico como nuvens, chuvas, granizo e neve”, diz Paulo Eduardo Martins, gerente técnico do projeto na Atmos. Outra vantagem do radar móvel explicitado pelo professor Pereira Filho é a dupla polarização, técnica que permite observar o fenômeno na faixa vertical e horizontal. É possível analisar o interior das nuvens por meio de um software e identificar a quantidade de água ou granizo, e não apenas visualizar essas formações de baixo para cima. Outro recurso, o sistema Doppler, permite detectar o deslocamento das nuvens e tempestades.
Pedestal inovador
Para montar o radar móvel, que teve um orçamento de R$ 2 milhões, o projeto permitiu a compra, no Brasil, de um caminhão de série, um gerador a diesel, equipamento de ar-condicionado, racks e o contêiner, além da importação dos sistemas de transmissão, recepção, processadores digitais, software e computadores, dos Estados Unidos, motores de antena, da Itália, e refletor, da Finlândia. A Atmos desenvolveu um sistema inovador para o pedestal da antena parabólica de 2,44 metros de diâmetro, que não necessita ser lubrificado com óleo. Os testes de avaliação e adaptação antes da entrega foram realizados pelo engenheiro francês Frédéric Cazenave, pesquisador do Laboratório de Hidrologia da Universidade de Grenoble.
Como muitos dos equipamentos e softwares ainda são importados e muitas vezes a preços elevadíssimos, a Atmos resolveu desenvolver produtos para radares no país. O primeiro, por meio de um projeto do programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, coordenado pelo diretor-técnico da empresa, Fábio Fukuda, foi um receptor digital para radar. “Esse aparelho processa para o software os sinais recebidos de uma forma muito mais precisa que os receptores analógicos usados atualmente. Desenvolvemos esse equipamento para uso nos nossos radares e até vender para outros fabricantes”, diz Martins. Esse produto só é feito por empresas alemãs e norte-americanas. Outro desenvolvimento da empresa é um software de meteorologia que gera todos os produtos (informação de nuvens, granizo, gotas de chuva, ventos etc.) recebidos do processador de sinais do radar. “Hoje só existe esse software lá fora, a um preço de licença de até US$ 200 mil para cada radar”, diz Carvas. Para desenvolver esse produto, a empresa teve aprovado, em 2007, um projeto dentro do Programa Subvenção Econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) no valor de R$ 855 mil.
Além de construir e desenvolver equipamentos, a empresa presta serviços de manutenção para radares de vigilância aérea da Aeronáutica e controle de tráfego aéreo e vai vender serviços de meteorologia para a empresa Somar, de São Paulo, com o radar de Mogi, que será transferido, nos próximos meses, para a rodovia dos Imigrantes para melhor posicionamento. “Fizemos também a atualização e reformulação dos radares do porta-aviões São Paulo. Também fizemos reparos em geradores de frequência em bandas S e X para seis corvetas da Marinha brasileira. Atualmente temos 25 engenheiros dentro do Centro de Manutenção de Sistemas da Marinha”, diz Carvas. A Atmos possui ainda uma série de parcerias internacionais com empresas dos Estados Unidos e da Europa para suprir nichos tecnológicos como equipamentos de aproximação de aeronaves em aeroportos, radares de uso militar e equipamentos de vigilância para gerenciamento de tráfego aéreo baseado em informações de posicionamento via GPS.
A perspectiva de novos radares instalados no país é grande. No Brasil existem 25 radares meteorológicos, sendo 17 ligados ao controle de tráfego aéreo. “Para deixar o país bem coberto seriam necessários cerca de 400. Nos Estados Unidos existem redes com até 200 radares meteorológicos”, diz Martins.
Os projetos
1. Sistema de previsão hidrometeorológica para a Bacia do Alto Tietê (nº 01/13952-2); Modalidade Sistema Integrado de Hidrometeorologia do Estado de São Paulo (Sihesp); Coordenador Augusto José Pereira Filho – USP; Investimento R$ 1.820.586,34 e US$ 409.727,04 (FAPESP)
2. Desenvolvimento de receptor digital para radares meteorológicos Doppler (nº 06/51396-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Fábio Haruo Fukuda – Atmos; Investimento R$ 94.773,75 e US$ 43.549,52 (FAPESP)