Dotados de espelhos com diâmetro superior a 20 metros (m) de resolução 10 a 15 vezes maior do que a do telescópio espacial Hubble, o instrumento de observação do Universo mais bem-sucedido dos últimos 25 anos, os supertelescópios ópticos baseados em terra firme deverão elevar a pesquisa astronômica e cosmológica a outros patamares na próxima década. Essa nova classe de observadores gigantes dos céus terá uma capacidade de gerar dados nos comprimentos de onda da luz visível e do infravermelho sobre planetas, estrelas e galáxias sem paralelo na história da humanidade. Com eles, os astrofísicos esperam, por exemplo, produzir as primeiras imagens de planetas extrassolares semelhantes à Terra e, talvez, encontrar evidências irrefutáveis de vida em mundos ao redor de outras estrelas que não o Sol. O Giant Magellan Telescope (GMT) está previsto para ser o primeiro supertelescópio a entrar em atividade. Ainda sem estar totalmente terminado, deverá começar a funcionar em 2021. A meta é, no ano seguinte, estar totalmente operacional, com 100% de sua capacidade. Esse, ao menos, é o plano por ora.
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Projeto de US$ 1 bilhão tocado por um consórcio de sete universidades e instituições norte-americanas, dois centros de estudos astrofísicos da Austrália e o Instituto de Astronomia e Ciência Espacial da Coreia do Sul, o GMT incorporou, oficialmente desde dezembro passado, as instituições de pesquisa do estado de São Paulo ao seu grupo de sócios. Naquela ocasião, após ter submetido a proposta de entrada no GMT a um processo de análise de aproximadamente três anos, a FAPESP aprovou o pedido e liberou a primeira das oito parcelas anuais de US$ 5 milhões que garantirão aos astrofísicos de universidades paulistas 4% do tempo de observação do equipamento e um representante no seu conselho de administração.
O supertelescópio será construído a 2.500 m de altitude no sul da porção chilena do deserto de Atacama, em um sítio do Observatório de Las Campanas, onde a Carnegie Institution for Science, umas das instituições americanas parceiras da empreitada, mantém telescópios desde o início dos anos 1970. “No passado, se não tivéssemos entrado nos telescópios Gemini e Soar, a astrofísica brasileira teria definhado”, afirma João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), coordenador do projeto que colocou as instituições paulistas no supertelescópio. “Até o fim da próxima década, o mesmo poderia ocorrer se não tivéssemos fechado um acordo como esse com o GMT.”
Rede paulista de astronomia
Desde o ano 2000, a ciência feita no Pico dos Dias – o principal observatório situado em território nacional, em Minas Gerais, que dispõe de três pequenos telescópios, o maior com espelho de 1,6 m de diâmetro – apresenta tendência de estagnação ou queda. Já a produção de artigos científicos de astrofísicos brasileiros feitos a partir de observações no Gemini e Soar cresce 17% ao ano. Está hoje na casa dos 40 papers a cada 12 meses. Os astrofísicos esperam que a entrada no GMT represente um novo impulso à área.
O quartel-general da parceria com o GMT ficará na USP, que trabalhou em prol do acordo e concentra a maior parte da produção científica em astrofísica do estado, mas os grupos de pesquisa de outras universidades paulistas também poderão submeter projetos para uso do tempo de observação no supertelescópio. “Os investimentos recentes da FAPESP em projetos como o GMT, o Llama e o CTA criaram um potencial enorme para que São Paulo se torne um polo internacional de astrofísica”, afirma Augusto Damineli, também do IAG-USP, outro pesquisador envolvido diretamente nas negociações que levaram à entrada de São Paulo como sócio do supertelescópio. “Queremos montar uma rede paulista de astronomia, aumentar a produção científica e o tamanho das pós-graduações e investir em divulgação da ciência.”
Além do GMT, dois projetos, também vultosos, disputam a corrida dos telescópios gigantes: o Thirty Meter Telescope (TMT), iniciativa de US$ 1,2 bilhão bancada por um consórcio internacional de instituições de pesquisa dos Estados Unidos, Canadá, Japão, China e Índia, que será construído num ponto a mais de 4 mil m de altitude dos Observatórios de Mauna Kea, no Havaí, onde há mais de uma dezena de telescópios instalados; e o European Extremely Large Telescope (E-ELT), empreitada de pouco mais de € 1 bilhão patrocinada pelos estados-membros do Observatório Europeu do Sul (ESO), a ser instalado a 3 mil m de altitude no topo do Cerro Amazones, na região de Antofagasta, no deserto de Atacama, Chile.
O TMT e o E-ELT terão, respectivamente, espelhos de 30 m e de 39 m de diâmetro. Serão, portanto, maiores do que o GMT, cujos sete espelhos de 8,4 m vão funcionar em conjunto como se fossem um só espelho de 24,5 m, diâmetro duas vezes e meia maior do que o dos maiores telescópios terrestres hoje em atividade, como os dois Keck, no Havaí. O Brasil não terá acesso ao TMT, e a utilização do E-ELT, o projeto mais ambicioso do ESO, depende da ratificação do acordo federal com o observatório europeu.
Em teoria, o cronograma de construções conta a favor do GMT, o menor dos supertelescópios, diante de seus competidores de maior porte. O TMT está previsto para iniciar suas atividades em 2023 ou no ano seguinte. O prazo mais otimista para a primeira luz do E-ELT é 2024. Nesse cenário, enquanto seus dois concorrentes ainda estariam terminando a fase de aquecimento, o GMT poderia correr com pista livre por talvez dois anos, se começar a operar em 2021. Tal vantagem, acreditam seus defensores, aumenta a possibilidade de garantir a primazia de descobertas há tempos esperadas. “Um dos estudos mais excitantes do GMT será com os planetas de massa similar à da Terra. Ele será o primeiro telescópio com capacidade de confirmar a existência desses planetas, de medir sua atmosfera e, se houver vida neles, detectá-la”, diz a astrofísica Wendy Freedman, da Universidade de Chicago, presidente do conselho de diretores do GMT.
Atualmente, entre os cerca de 1.900 exoplanetas confirmados desde 1995, apenas entre uma e duas dezenas de mundos extrassolares se assemelham realmente à Terra, a julgar pelas exíguas informações hoje disponíveis. Ou seja, poucos parecem ser os exoplanetas rochosos situados na chamada zona habitável, com temperaturas amenas e condições ambientais ideais para abrigar água líquida e fomentar vida. “Também vamos estudar a alvorada cósmica do Universo, os momentos primordiais quando as primeiras estrelas, galáxias, supernovas e buracos negros estavam se formando”, informa Wendy. “Teremos o primeiro telescópio com sensibilidade para testemunhar esse processo, ver detalhes desses objetos tênues e medir suas distâncias.”
O lançamento da pedra fundamental do GMT ocorrerá em 11 de novembro deste ano, no Chile. O evento marcará o início das obras de engenharia para edificação do observatório que abrigará o supertelescópio. A parte óptica do GMT vem sendo feita há anos. Três dos sete espelhos de 8,4m já foram moldados na Universidade do Arizona, uma das sócias do empreendimento. Um desses espelhos foi polido, etapa fundamental em seu processo de finalização. Neste mês, a construção do quarto espelho será iniciada.
O GMT também disporá de um centro de fibras ópticas e quatro instrumentos observacionais, basicamente diferentes tipos de espectrógrafos, aparelhos que decompõem a luz em diferentes cores (ou espectros), como o ultravioleta e o infravermelho e as frequências visíveis. Um dos espectrógrafos, o GMTIFS, será ainda responsável pelas correções efetuadas pela técnica de óptica adaptativa, que reduz as distorções de imagem causadas pela turbulência do ar. “Nossa indústria tem condição de construir partes desses instrumentos”, diz a astrofísica Cláudia Mendes de Oliveira, do IAG-USP, que está fazendo contatos com empresas de São Paulo interessadas em fornecer serviços e peças para o GMT e outros projetos de astrofísica.
Projeto
Explorando o Universo, da formação de galáxias aos planetas tipo-Terra, com o Telescópio Gigante Magellan (nº 2011/51680-6); Modalidade Projetos Especiais; Pesquisador responsável João Steiner (USP); Investimento R$ 17.860.000,00 e US$ 40.000.000,00 (FAPESP).