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pesquisa empresarial

Ciência à flor da pele

Natura se alia a universidades e institutos de pesquisa para incorporar conhecimento de ponta a produtos

leo ramos Pesquisadores de diversas áreas contribuem com diferentes pontos de vista para projetosleo ramos

A fabricante de cosméticos Natura praticamente dobrou de tamanho em apenas cinco anos. Entre 2007 e 2011, a receita líquida saltou de R$ 3 bilhões para R$ 5,5 bilhões, os pedidos de produtos passaram de 9 milhões para 17 milhões ao ano e a participação das operações internacionais saiu de 4,4% e chegou a 9%. Apesar de um desempenho abaixo do esperado para 2011, encerrou o ano com um crescimento de 9% e lucro líquido recorde de R$ 830,9 milhões. A trajetória de sucesso da empresa criada em 1969 com um laboratório de modestas dimensões e uma pequena loja é fruto de uma estratégia que contempla uma constante busca de soluções inovadoras não só na concepção de produtos, como na gestão dos impactos ambientais e no modelo comercial, além de oportunas correções de rota nos momentos críticos.

A Natura, com sede em Cajamar, na Região Metropolitana de São Paulo, segue um modelo de pesquisa e desenvolvimento que privilegia a conexão entre especialistas de diversas áreascom sólida formação acadêmica, para que os projetos possam incorporar diferentes pontos de vista. “Uma das belezas da ciência é que ela tem uma linguagem relativamente estruturada que torna possível a conversa entre cientistas de áreas diferentes”, diz Victor Fernandes, 50 anos, diretor de ciência, tecnologia e ideias e conceitos da Natura. A área que dirige tem foco de atuação em quatro grandes frentes de pesquisa: ciências clássicas e avançadas de pele e cabelos, tecnologias sustentáveis, design de experiências e bem-estar e relações. “A metodologia de conhecimento Natura é estruturada com esses quatro elementos”, ressalta. “É um trabalho quase fractal de aprofundar e ao mesmo tempo ampliar para ter relação com outros temas.”

Engenheiro químico formado pela Universidade de São Paulo (USP) há 20 anos, Victor fez MBA no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em gestão de inovação e biotecnologia, e morou oito anos nos Estados Unidos, onde trabalhou na área de alimentos e gestão de inovação. Há seis anos na empresa e dois na atual função, Victor diz que o mais comum nas áreas de P&D das empresas é o agrupamento entre hiperespecialistas, sem abertura para outras especialidades. “A ciência é relevante para a criação de valor, mas a conexão entre diversos elementos é que traz a diferenciação para a Natura.”

A bióloga Ana Paula Azambuja, coordenadora de pesquisa de ciências clássicas e avançadas de pele e cabelo da Natura, por exemplo, se dedicou durante seus estudos a  entender a biologia das células de corações embrionários e hoje está à frente de um projeto de mapeamento das características da pele do povo brasileiro. Um caminho aparentemente sem maiores conexões. Mas o coração, estudado por Ana Paula durante seu mestrado e doutorado em biologia celular e molecular no Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP, forneceu toda a base científica e técnica que hoje aplica nos estudos de pele.

leo ramosPelos laboratórios da empresa circulam 300 pesquisadoresleo ramos

A ponte entre as duas linhas de pesquisa foi construída pelo pesquisador Alexandre da Costa Pereira, do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do InCor, que estuda a interação dos hábitos de vida dos brasileiros – como sedentarismo, alimentação, nível de estresse – com os fatores genéticos relacionados ao risco de doenças cardiovasculares. Ao perceber que poderia contribuir para pesquisas que levam em conta não só a genética, mas também os fatores ambientais e culturais na biologia da pele e cabelo, ele apresentou um projeto para a Natura.

“Nesse projeto em parceria tentamos entender como a diversidade biológica, genética e sociocultural do povo brasileiro pode se refletir nas características da pele”, diz Ana Paula, de 30 anos, que há dois está na empresa. A área em que trabalha conta com 12 pesquisadores de formações diversas, como biólogos, biomédicos, bioquímicos, químicos e um físico. “É uma equipe extremamente heterogênea, o que torna mais criativo o nosso processo de inovação em pesquisa”, afirma.

Na Natura, a área de pesquisa e desenvolvimento está abrigada na vice-presidência de inovação, estruturada em quatro diretorias: ciência, tecnologia, ideias e conceitos; desenvolvimento de produtos; gestão e redes de inovação; e segurança do consumidor. São 300 pesquisadores internos, que trazem na bagagem formações e especializações diversas. “Temos pesquisadores formados em pelo menos oito áreas, que englobam biológicas e saúde, ciências exatas, química, agronomia, engenharias, administração, ciências sociais aplicadas e humanas, com 170 especialidades diferentes”, diz o biólogo Gilson Manfio, responsável pela comunicação da área de inovação e gestão do conhecimento na vice-presidência de inovação, com base no mapeamento das competências ligadas à ciência e tecnologia na empresa. Anualmente, a Natura investe cerca de 3% de sua receita líquida em pesquisa e desenvolvimento.  Em 2011 foram destinados R$ 146,6 milhões.

Mesmo com uma equipe tão diversa, a Natura não conseguiria dar conta de desenvolver sozinha centenas de novos produtos a cada ano. Apenas no ano passado, 164 novos itens foram colocados no mercado pela empresa. Para encurtar os ciclos de pesquisa e inovação, a Natura, a exemplo de empresas de ramos diversos, aderiu ao conceito batizado de inovação aberta, cunhado por Henry Chesbrough, professor e diretor executivo do Centro de Inovação Aberta da Universidade de Berkeley, no livro Open innovation: the new imperative for creating and profiting from technology,  lançado em 2003.

leo ramosÓleos essenciais de plantas da biodiversidade brasileira usados em perfumesleo ramos

“Inovação aberta é uma tendência em que as empresas buscam fora dos seus limites empresariais novas oportunidades, tanto em instituições e universidades como em pequenas empresas de base tecnológica e também em relação aos consumidores, aos mercados e aos clientes”, diz João Furtado, membro da Coordenação Adjunta de Pesquisa para Inovação da FAPESP e professor da Escola Politécnica da USP.  “Ao mesmo tempo que buscam oportunidades fora, elas também podem, em alguns casos, transferir para outras empresas oportunidades que nasceram dentro delas e não querem explorar.”

Parceiros externos
“Uma das ferramentas para a execução do modelo de inovação aberta é o programa Natura Campus, uma plataforma que existe há sete anos para aumentar a conexão com a geração de inovação”, explica Adriano Jorge, 29 anos, gerente de redes e parcerias para inovação. A primeira versão do programa em 2003 foi uma parceria com a FAPESP para pesquisas sobre biodiversidade financiadas pelo Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite). “Lançado em 2006, o Natura Campus é o espaço de construção das redes de inovação da empresa com a comunidade científica”, diz Adriano, farmacêutico formado pela USP com MBA em gerenciamento de projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Há 12 anos na empresa, onde começou como estagiário na área de desenvolvimento de produtos, Adriano passou pelo programa de trainees, pela área de ciência e tecnologia e há três anos está no setor de redes e parcerias para inovação.

Entre os parceiros externos estão a USP e as universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Estadual Paulista (Unesp), Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), MIT, Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS) e Universidade de Lyon 1, ambos da França. Colaborações com pequenas empresas de base tecnológica e a captação de recursos de financiadoras de pesquisa também fazem parte do modelo de parcerias em rede da Natura. Mais de 65% do portfólio de projetos de tecnologia da empresa é feito com parceiros externos.

“Temos também várias empresas parceiras que desenvolvem materiais e soluções para embalagens, óleos essenciais e até novos ingredientes para os nossos produtos”, diz Luciana Hashiba, 45 anos, gerente de gestão e redes de inovação. Hoje a Natura conta com mais de 100 empresas que atuam como parceiras em diversos projetos. Formada em engenharia de alimentos pela Unicamp e com doutorado em administração pela FGV, Luciana está há sete anos na empresa. Começou pela área de tecnologia de embalagens, liderou o time de projetos de novos produtos em marketing e há quatro anos está à frente da área de gestão e redes de inovação. Em julho do ano passado, a Natura foi listada pela revista norte-americana Forbes como uma das 50 companhias mais inovadoras do mundo. Única empresa brasileira a figurar na lista, ficou com o oitavo lugar, bem próxima de posições conquistadas pela Apple (5º lugar) e Google (6º).

Além das instalações de Cajamar, que compõem um centro integrado de pesquisa, produção e logística com 80 mil metros quadrados, a empresa tem ainda um laboratório de pesquisa em Belém, no Pará, um laboratório em Paris, na França, e uma parceria com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas. Só nas dependências de Cajamar circulam diariamente cerca de 4 mil funcionários. Dos 300 pesquisadores da empresa, metade tem mestrado ou doutorado.

Os aportes para as escolhas das linhas de pesquisa se dão pela demanda tanto interna como externa. “O macro, por exemplo, é gerenciado pela diretoria da nossa área, que aponta os temas relevantes a serem trabalhados”, diz a bióloga Ines Francke, de 28 anos, gerente científica de tecnologias sustentáveis. Um dos programas em que Ines trabalha é o de indicadores socioambientais, que engloba a questão das emissões de carbono e a pegada hídrica. “A nossa equipe é responsável por criar ferramentas de gestão e quantificação dos impactos socioambientais.” No caso das emissões de carbono, o tema surgiu na esteira das preocupações com o aquecimento global. “Criamos uma metodologia de inventário de gases de efeito estufa com a visão de ciclo de vida dos produtos, que começa na extração dos ativos da biodiversidade e vai até o descarte do produto”, afirma Ines.

Pegada hídrica
O inventário de consumo de água ainda está em fase de validação. “Olhamos as metodologias que estavam no mercado e escolhemos a mais completa delas, chamada de pegada hídrica – ou water foot-print –, um indicador bastante complexo”, diz Ines. “Aprendemos a metodologia com o grupo da University of Twente, na Holanda, que criou o conceito.” Antes de estabelecer um processo de medição para a pegada hídrica da empresa, os pesquisadores fizeram um projeto-piloto com o ciclo de vida de dois produtos, um óleo corporal e um perfume.

A grande dificuldade para estabelecer os indicadores é a quantidade de matérias-primas uti-li-zadas nos produtos. “Para algumas delas conseguimos dados reais com nossos fornecedores, para outras tivemos que recorrer a bancos de dados da Europa”, diz Ines. No caso da pegada hídrica, a Natura fez parceria com uma consultoria suíça junto com empresas como L’Oreal e Kraft, para financiamento de um banco de dados regionalizado. Para chegar ao inventário de carbono, a empresa baseou-se nas diretrizes do instituto Greenhouse Gas Protocol (GHG Protocol), da Suíça.

A área de tecnologias sustentáveis tem 12 colaboradores, que trabalham em quatro programas de pesquisa – indicadores socioambientais, biomimética, ecodesign e bioagricultura. Ines trabalha também com biomimética, um programa iniciado no ano passado por indicação de pesquisadores e gerentes científicos que mapeiam tendências tecnológicas. “Buscamos inspiração na natureza para criar soluções não só para produtos, mas também para processos”, diz a bióloga formada pela Unicamp.

Desde que entrou na Natura em 2007 como trainee na área de segurança do consumidor, ela já trabalhou em diversas áreas, fez pós-graduação em administração e atualmente faz uma especialização em biomimética no instituto Biomimicry 3.8, nos Estados Unidos. A instituição criada por Janine Benyus, inventora do conceito de biomimética, é parceira da empresa nessa linha de pesquisa.

A estratégia de comunicação da Natura com a comunidade científica passou por uma estruturação há um ano e meio. “Queremos cada vez mais colocar todo o conhecimento gerado aqui dentro para fora”, diz Manfio, biólogo de formação com especialização em microbiologia e há sete anos na empresa. Um dos exemplos é a ampliação do número de artigos científicos publicados pelos pesquisadores, após garantir a propriedade intelectual com o depósito de patente. “Ao longo da vida da Natura foram publicados 40 artigos. No último ano foram seis publicações.”

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