EDUARDO CESARNão é exagero prever que dentro de alguns anos um novo pigmento desenvolvido em uma parceria entre o Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a empresa Bunge esteja presente na formulação de tintas em várias partes do mundo. Biphor é o nome desse pigmento branco produzido a partir de nanopartículas de fosfato de alumínio que vai competir com a matéria-prima atual, o dióxido de titânio. As vantagens, segundo o professor Fernando Galembeck, coordenador do projeto no IQ e um dos descobridores do produto, são o preço menor, de 10 a 15% mais baixo que o dióxido, a durabilidade e a maior facilidade de aplicação da tinta, além de um processo de produção que não agride o ambiente e não gera resíduos.
Anunciado no mercado mundial em setembro, o pigmento de fosfato de alumínio é destinado a tintas à base de água, as chamadas tintas látex, para acabamento de paredes. Atualmente a Bunge, uma multinacional de origem holandesa que está há mais de cem anos no Brasil e hoje atua na industrialização de alimentos e produção de fertilizantes, está operando uma linha de produção com capacidade para mil toneladas anuais na cidade de Cajati, na região do Vale do Ribeira, em São Paulo, a 230 quilômetros da capital. Em 2007 a expectativa, não confirmada pela empresa, é que unidades maiores deverão produzir cerca de 50 mil toneladas anuais.
Ainda é uma quantidade pequena se comparada aos 2 milhões de toneladas por ano de dióxido de titânio produzidos no mundo, que representam um mercado de US$ 5 bilhões. A substituição completa exige grandes investimentos e faz parte de um futuro distante. “Talvez venha a acontecer, mas o dióxido está na formulação das tintas desde o início do século 20, portanto possui uma cultura solidificada de uso”. Embora a empresa não diga quanto está investindo no novo produto, sabe-se que há planos para vender o Biphor no exterior. Uma empresa de marketing norte-americana foi contratada para divulgar o produto em outros países, começando pela América Latina.
O novo pigmento traz como inovação a capacidade de melhor espalhar a luz refletida pela tinta. “Ele é composto por partículas nanoestruturadas ocas de fosfato de alumínio, preenchidas com ar em seu interior, capazes de espalhar luz em todas as direções”, explica Galembeck. É uma situação semelhante à espuma da cerveja que é branca, embora o líquido seja amarelo, porque está cheia de bolhinhas de ar e devolve, ao ambiente, a luz de todas as cores incidentes sobre ela. Essa é a propriedade que as tintas devem ter, para cobrir as superfícies sobre as quais são aplicadas: a capacidade de devolver a luz ao ambiente.
O mesmo princípio vale para o fosfato de alumínio, que também já foi testado em tintas coloridas. Na tinta líquida, as partículas ocas estão inicialmente cheias de água, mas quando ela vai para a parede as partículas secam e ficam cheias de ar, ganhando a capacidade de retroespalhar a luz. A função de retroespalhamento é bem executada hoje pelas partículas de dióxido de titânio dispersas na resina formadora da tinta, que é a substância branca com maior índice de refração. “Nossa idéia básica foi introduzir partículas que contêm vazios preenchidos com ar, com dimensões de centenas de nanômetros, utilizando o fosfato de alumínio”, diz Galembeck. Com o desenvolvimento do novo pigmento, os pesquisadores também descobriram que o fosfato não catalisa nas resinas a oxidação provocada pelo oxigênio da atmosfera, oferecendo maior durabilidade à pintura ao longo do tempo.
Estudo inicial
O Biphor é um exemplo feliz de um projeto de pesquisa básica feito dentro de uma universidade que se transforma em produto e vai para o mercado. “Tudo começou em 1988, com o início dos trabalhos de três dissertações e teses de mestrado e doutorado, quando partimos para a elaboração, em laboratório, do pigmento básico. Até 1994, nossos estudos resultaram no depósito de três patentes e algumas publicações”, lembra Galembeck. Nesse período, a novidade rendeu ao IQ da Unicamp três prêmios, dois da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas e outro no exterior, da International Association of Colloid and Interface Scientists (Iacis), entidade que reúne pesquisadores que estudam sistemas que formam as colas e os géis, por exemplo.
Em 1995, a Serrana, empresa do grupo Bunge e fabricante de fertilizantes fosfatados, de fosfatos para nutrição animal e de ácido fosfórico, interessou-se pelos pigmentos de fosfato de alumínio. A partir desse interesse foi estabelecido um contrato para pagamento da exclusividade das patentes que rendeu cerca de R$ 600 mil para a Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) entre 1996 e 2005. “O dinheiro foi usado para melhorias nos laboratórios e para a operação do laboratório de microscopia eletrônica”, diz Galembeck. Entre 1997 e 1998, o desenvolvimento do pigmento teve o apoio de um projeto do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP.
A partir de 1998, a Bunge começou a dimensionar o mercado e a fazer a avaliação do desempenho do produto. Mas, nesse período, ela vendeu duas empresas do grupo que atuavam no ramo químico: a Tintas Coral e a Quimbrasil. Isso resultou em um retardamento da tomada de decisão de fabricar o novo produto. A partir de 2003, o projeto voltou a andar e uma nova patente foi depositada em 2004, com inovações incorporadas com a seqüência dos estudos. Em 2005, com a decisão de produzir o novo pigmento e lançá-lo globalmente, a patente de 2004 foi estendida para um grande número de países, cobrindo as inovações em produto, processo e aplicações. As negociações para a renovação do contrato inicial (de 1995) foram realizadas pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova), que manteve os royalties de 1,5% sobre o faturamento líquido do produto por um período de 15 anos, tempo de validade das patentes no âmbito internacional. Dos royalties, um terço irá para a Unicamp, um terço para o Instituto de Química e um terço para o grupo de pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento do novo pigmento.
A longa jornada de Galembeck, acompanhada por Pesquisa FAPESP nos números 16 (ainda como Notícias FAPESP), 58 e 97, torna-se uma referência nas relações universidade-empresa e na proteção das descobertas por meio de patentes. “Temos que preservar o interesse público quando fazemos pesquisa em universidades públicas”, diz Galembeck, que depositou sua primeira patente em 1978. “É possível fazer ciência, publicar trabalhos científicos e, ao mesmo tempo, preservar o patrimônio público. Para isso, é essencial o poder público proteger a propriedade do conhecimento gerado com recursos públicos e tomar as providências para o uso do conhecimento ser remunerado pelas empresas licenciadas, que transformam o conhecimento em riqueza”.
O Projeto
Novos pigmentos inorgânicos e híbridos à base de fosfatos (nº 95/03986-4); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coordenador Fernando Galembeck – Unicamp; Investimento R$ 25.915,30 e US$ 107.132,70 (FAPESP) e R$ 67.340,00 (Serrana)