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Economia

Quem vigia os vigilantes

Tragédia da TAM traz de volta o debate sobre as agências reguladoras

HÉLIO DE ALMEIDAChurchill, com certeza, tinha razão ao afirmar que “a guerra é um assunto sério demais para ser deixado nas mãos dos militares”. Será que o mesmo se aplicaria ao Estado, que, como acreditam muitos, não deveria ficar nas mãos dos políticos escolhidos pelo voto popular, mas nas mãos “isentas” dos técnicos? “Nós fomos eleitos e esse pessoal manda mais do que a gente. Como é que pode?”, desabafou recentemente o vice-presidente José Alencar, referindo-se à autonomia das chamadas agências reguladoras. “O modelo de agências autônomas existe para restringir o poder discricionário dos políticos, para o bem do país e deles próprios. É preciso vigilância contra idéias como as de Alencar, que desprezam mais de 800 anos de evolução institucional, sem a qual a humanidade estaria vivendo na Idade Média”, rebateu o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. Ainda assim gerou polêmica o pouco-caso com que o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, respondeu às perguntas dos congressistas após a tragédia em Congonhas, deixando claro que não pretende renunciar ao posto, apesar das manifestações  do Planalto e de setores da sociedade nessa direção.

“A mistura de interesse entre ‘reguladores’ e ‘regulados’ é perversa nessa relação. Quem deveria regular virou refém de quem deveria ser regulado. É uma espécie de privatização do Estado”, afirma o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Vicente Faleiros, professor associado da Universidade de Brasília (UnB) na área de políticas sociais, acaba de encerrar uma pesquisa, financiada pelo CNPq, que analisa justamente a reforma do Estado e as agências reguladoras, trazendo resultados bem próximos das observações de  Belluzzo. “Se elas foram criadas no governo FHC para defender os interesses dos cidadãos e regular as empresas, menos de uma década depois elas se mostram maiores defensoras do mercado do que dos consumidores. Veja o caso da Anac: há muitos funcionários da GOL e da TAM que fazem parte da agência, que só instalou sua ouvidoria em janeiro deste ano e dos 22 membros do seu conselho apenas dois representam os usuários”, conta Faleiros. “Houve a construção de uma cidadania de mercado, e não de Estado, e os cidadãos têm o seu direito assegurado pela capacidade de comprar no mercado, de consumir. Não há uma cidadania de igualdade de oportunidades”. A eleição de Lula, afirma o pesquisador, trouxe esperança de mudanças no modelo, mas “houve mais continuidade que mudança, com a armadilha criada pelo modelo regulatório que privilegia o mercado”.

As chamadas agências reguladoras nasceram em meados dos anos 1990, no bojo das privatizações do governo FHC. A ampliação das possibilidades de concessão de serviços públicos à iniciativa privada gerou a necessidade de reformular a função reguladora estatal. À medida que o Estado não se encarregava mais da prestação de serviços, tornou-se essencial prevenir e corrigir, por meio da regulação, as “falhas” do mercado, exercendo-se a fiscalização sobre os serviços públicos prestados pelas empresas privadas nos setores de telecomunicação, energia, transporte e outros. “Entre as décadas de 1950 e 1970, o Estado brasileiro tinha um forte papel na criação de infra-estrutura para o desenvolvimento nos moldes do paradigma nacional-desenvolvimentista. Mas, a partir dos anos 1990, houve uma revisão dos papéis estatais e várias empresas do governo foram transferidas para a iniciativa privada. Na maioria dos setores, a criação de agências para regular e fiscalizar os novos agentes privados deu-se após a privatização”, lembra Regina Pacheco, professora da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, autora do artigo “Agências reguladoras”. Para Cláudio Schüller Maciel, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, “a materialização institucional das regulações setoriais foi contaminada pelo seu atrelamento aos ditames e ritmos do processo de privatização. As instituições reguladoras derivam-se de estudos elaborados por consultorias internacionais, com o apoio do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que procuraram moldar padrões jurídico-administrativos anglo-americanos para o Brasil”, analisa em “A supremacia dos mercados”.

Segundo Schüller, nas atividades de formulação de políticas regulatórias, cujos novos entes (as agências) não poderiam deixar de dialogar com os ministérios setoriais, eis que, surpresa, a administração direta foi duramente marginalizada. “Os ministérios infra-estruturais não apenas se situaram à margem do processo, como permaneceram seriamente desaparelhados para cumprir suas funções clássicas ao longo das duas gestões FHC”. O propósito da criação das agências foi a necessidade de dar especialização e eficiência a essa função que, acreditava-se, os ministérios, com quadros pequenos e burocratizados, não conseguiam realizar. Embora fazendo parte da estrutura estatal, elas são consideradas como órgãos especializados numa dada atividade, com carreiras estruturadas e com estruturas mais ágeis do que as máquinas ministeriais. As agências foram dotadas de autonomia com o propósito de colocar certas questões fora da esfera política de curto prazo, para dar continuidade às políticas do planejamento de longo prazo e para evitar suspeitas de favorecimento. Tudo seria feito em prol do interesse público, alvo permanente da ação reguladora. A iniciativa, inovadora, não era totalmente inédita, como lembram Marcos Pó, coordenador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), e Fernando Abrúcio, da FGV, em seu estudo “Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e accountability das agências reguladoras”.

“As primeiras ações em busca da profissionalização da burocracia foram dadas na década de 1930 pelo varguismo. Mas, no modelo criado, conviviam clientelismo, corporativismo estatal e insulamento de setores da burocracia em relação à política”, observam. Na década de 1960, com o regime militar, a administração pública mergulhou de vez no insulamento da burocracia em relação a qualquer accountability, ao mesmo tempo que se desenvolvia uma visão tecnocrática de atuação estatal. A grande reforma administrativa ocorreu na gestão de FHC, com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, que pretendia alterar as bases do Estado para melhorá-lo e democratizá-lo. Com a passagem das “atividades não essenciais” para o setor privado, implantou-se a “administração pública gerencial” com a criação das agências reguladoras. O movimento se deu, analisam os pesquisadores, em três etapas: entre 1996 e 1997, com as agências ligadas à privatização e a quebra do monopólio do Estado, englobando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Petróleo (ANP); num segundo momento, entre 1999 e 2000, buscou-se a modernização do Estado, com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Saúde (ANS); por fim, entre 2001 e 2002, foram criadas a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e, mostrando a perda de referencial, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e a Agência Nacional de Águas (ANA). “Copiavam-se instituições em contextos e problemas diversos”. A última nasceu no governo Lula, a Anac, instalada em 2006.

HÉLIO DE ALMEIDAO Brasil não estava só: na década de 1990 foram criadas agências de regulação em 150 países. “O problema é o espelho dessa mudança, inspirado na tradição anglo-americana, construída numa experiência peculiar, alheia à tradição de cunho autocrático das economias e sociedades em desenvolvimento e periféricas do mundo. O transplante de uma tradição jurídico-institucional estranha é a fonte primordial de entreveros da nova construção regulatória brasileira, originando controversas adaptações do modelo imitado”, avalia Carmen Alveal, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de “Estado e regulação econômica”. Segundo ela, o Brasil, por circunstâncias históricas, abraçou o conceito de fusão do Estado e o poder de sua comunidade e, por essa razão, a união entre política e regulação no país sempre assumiu marcada centralização do processo decisório na esfera do Executivo. “A necessidade de criar em alta velocidade expectativas positivas de credibilidade do processo reformador do Estado limitou a tomada de decisões estratégicas a um campo decisório pressionado pelo curto alcance de objetivos conjunturais”. Para a pesquisadora, esses fatores configuraram “um obscuro nascimento das agências”, em que a separação da esfera política da regulatória conduziu “à obliteração da responsabilidade dos ministérios”.

Técnicos
Esse processo, nota Enrique Saravia, da FGV, em “O modelo regulatório”, debilitou a governabilidade do Estado no que se refere à existência de quadros técnicos capazes de formular políticas coerentes e eficazes. “Isso leva as entidades reguladoras a tomar decisões que excedem suas competências de meros implementadores de políticas setoriais”. Daí não causar surpresa a declaração de Jerson Kelman, diretor-geral da Aneel, de que “as agências não são um fim em si mesmo, mas existem para criar um ambiente propício para o investimento privado”, argumento que, segundo o estudo “Análise e avaliação das agências reguladoras”, feito em 2003, a pedido do presidente da República, sob os auspícios da Casa Civil, reforça o ideal de que “o Brasil, ao contrário do que desejam as agências atuais, deve se alinhar à grande maioria dos países, onde as reguladoras não são responsáveis pela formulação de políticas setoriais, que devem ser formuladas pelos ministérios, a fim de que política setorial não seja tomada por regulação econômica e vice-versa”. Ainda de acordo com o relatório, que serviu de base para o projeto de alteração das agências, enviado pelo governo ao Congresso em 2004 (e ainda não votado), “a independência regulatória não é uma panacéia para os desafios da ação regulatória do Estado. O distanciamento com relação ao Executivo, por exemplo, pode dar origem à negligência da autoridade do regulador para com outros fortes atores políticos do Executivo e do Legislativo”. A fraqueza maior das reguladoras, adverte o estudo, estaria relacionada, pasmem, com sua força.

“Há a possibilidade de uma agência independente poder tornar-se tão forte ou tão independente que venha a se comportar como um poder dentro do Estado e, se não contida, pode ir além do papel visado para ela ao tempo de sua criação”. Ou, nas palavras de Abrucio e Pó, “a proliferação de agências reguladoras pode levar ao fenômeno da ‘agencificação’, trazendo novos desafios à democracia, ao criar domínios controlados por burocracias técnicas com pouca ou nenhuma responsabilização pública, a chamada accountability”. Mesmo defensores da autonomia das reguladoras insistem na sua transparência. “Essa é fundamental para se garantir a legitimidade social à atuação independente da agência. É preciso assegurar, por meio de estruturas estatutárias e mecanismos práticos, a maior quantidade possível de canais de comunicação com os consumidores, de forma a obter uma visão pluralista e balanceada dos pontos de vista específicos dos grupos de interesse”, analisam José Cláudio Pires e Andréa Goldstein no estudo “Agências reguladoras: avaliação e desafios”, preparado pelo departamento de economia do BNDES.

“No entanto, a tradição brasileira reside na opacidade e nos critérios tecnoburocráticos como norteadores dos processos de decisão. Tais características tornam ainda mais aguda a questão sobre ‘quem controla o controlador’, ou seja, ‘quem regula as agências reguladoras'”, nota Regina Pacheco. Curiosamente, segundo a pesquisadora, a origem desse engano estaria justamente na aceitação de uma experiência bem-sucedida no campo da regulação: os Estados Unidos, onde há mais de um século existem atividades regulatórias. O problema é que a importação de institutos foi feita com sinais trocados e objetivos diametralmente opostos. Nos EUA, a criação de agências foi impulsionada pelos reformadores do New Deal, entre os anos de 1930 e 1960. “Só que, comprometidos com a redistribuição de riqueza e com a criação de novos direitos sociais, os new dealers defendiam a criação de agências autônomas visando aumentar o poder regulador do Executivo federal. Lá, ao contrário do Brasil, a defesa da regulação por meio de agências significou a maior atuação do Estado, contrariando a sobrevalorização dos estados em detrimento do poder federal. Era ‘mais Estado’ para promover justiça social”, avalia a pesquisadora. “Aqui, a criação das agências reguladoras independentes sucede uma longa tradição intervencionista do Estado na economia e nos mercados. Com um Estado vigoroso e freqüente politização de decisões que afetam a lógica dos setores de infra-estrutura, o debate da regulação tende a valorizar a despolitização”.

Para a professora, a necessidade de autonomia para os entes reguladores visa criar credibilidade junto aos investidores, agora privados, de que regras não serão alteradas e preços não serão controlados segundo critérios políticos. “Assim, a diferença fundamental entre o Brasil e os EUA refere-se à natureza das relações entre regulação e poder do Estado. A autonomia das agências, para os new dealers, reforçava o poder do Estado, enquanto no Brasil dos anos 1990 a concessão de independência às novas reguladoras buscou reduzir as incertezas, para o investidor, advindas do legado de intervenção do Estado”. Mas, lembra Gustavo Binenbojm, autor de “Regulação e democracia” e professor de direito administrativo da UFRJ, “com o passar dos anos, diante do crescente grau de intrusividade das agências nas atividades privadas, da sua questionável eficiência na gestão dos mercados regulados e da sua não sujeição ao mecanismos de accountability, as agências independentes americanas foram submetidas a críticas e pressões dos agentes políticos e econômicos”. Assim, segundo ele, o grande tema de discussão sobre as agências nos Estados Unidos há muito deixou de ser o da sua autonomia como condição para o exercício técnico e politicamente neutro de suas funções, para se tornar rapidamente o do seu controle político, responsabilidade social e legitimidade democrática. “Aqui, a implantação de um modelo que subtraísse o marco regulatório do processo político-eleitoral se erigiu em verdadeiro tour de force da reforma do Estado, como uma blindagem institucional de um modelo que resistisse até a uma vitória da esquerda nas eleições”.

Cópia
Assim, com certa dose de razão, Murilo Ramos, especialista em telecomunicações e professor da Universidade de Brasília, afirma em seu estudo “Agências reguladoras” que “a cópia do modelo americano foi malfeita, a partir da introdução na legislação brasileira do conceito de independência política, administrativa e financeira, mas de modo inconsistente, à medida que se atribuiu às agências a condição de autoridade administrativa independente, incompatível com a organização administrativa constitucionalmente admitida no Brasil”. Ou, nas palavras de Binenbojm, “enquanto nos EUA as reguladoras foram concebidas para propulsionar a mudança, aqui elas foram criadas para garantir a preservação do status quo; enquanto lá elas buscavam a relativização das liberdades econômicas básicas, como o direito de propriedade e autonomia da vontade, aqui a sua missão era a de assegurá-las em sua plenitude contra eventuais tentativas de mitigação por governos futuros”.

HÉLIO DE ALMEIDAPara Regina Pacheco, isso revela como o debate em torno do grau de autonomia das agências reguladoras no Brasil ainda não faz as distinções necessárias entre controle político e controle hierárquico, nem entre controle político e controle social, tendendo a remeter autonomia à ausência de controle. “O controle hierárquico não garante responsabilização, e sim alinhamento, e pode, portanto, não criar os mecanismos de accountability requeridos”. A questão é velha como a própria burocracia e já foi discutida em detalhes por Max Weber em seus escritos sobre o desafio da delegação de poderes às burocracias especializadas por governantes escolhidos por processo eleitoral. Weber perguntava-se como conciliar os requerimentos de eficiência administrativa e a exigência de que as decisões político-administrativas traduzissem de forma adequada os interesses e preferências dos eleitores, como ponderou o vice-presidente José de Alencar. Segundo a lógica weberiana, ao mesmo tempo que a complexificação das funções estatais passou a impor requerimentos de conhecimento crescentes, o que justificava a racionalização da administração e a delegação de decisões a corpos técnicos, essa mesma delegação corresponderia à expansão do espaço para o exercício do poder pelos burocratas. O risco era que decisões administrativas viessem a não espelhar as preferências políticas dos representantes eleitos, frustrando-se assim as expectativas de que os interesses dos eleitores pudessem ser concretizados em políticas públicas. “Fico sabendo do aumento da gasolina pelos jornais. O Estado brasileiro terceirizou-se”, reclamou, recentemente, o presidente Lula.

Das 47 vagas de diretor de agências reguladoras, 37 perderão o cargo apenas em 2010, final do segundo mandato de Lula. Daí o desejo crescente do Executivo em promover ajustes no modelo, já que o governo considerava que as agências gozavam de autonomia excessiva, que permitia ao ente regulador assumir a formulação de política para o seu setor de atuação, inviabilizando seu controle por parte do Executivo. Qualquer tentativa em contrário, observa o estudo da Casa Civil, é vista por setores da sociedade e da mídia com desconfiança do governo e com seu perfil “intervencionista” ou estatizante, razão pela qual qualquer proposta que possa afetar o status quo existente é, antes de ser analisada e considerada por seus méritos, criticada e questionada. “A transferência de poder de concessão das agências para o Poder Executivo suscita o risco de influência política indesejada na análise das questões que devem ser estritamente técnicas”, avisa um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria. Essa postura, avalia o Grupo de Estudos, impede a criação de formas novas de inserção das reguladoras, como a instituição necessária do ouvidor independente em cada agência (a maioria delas não os tem) ou a implementação dos chamados contratos de gestão. O que se pretende é a obrigatoriedade de as agências firmarem contratos de gestão com o poder concedente, contratos esses que teriam que prever, entre outros, metas de desempenho administrativo e de fiscalização, as responsabilidades em relação a essas metas, estimativas dos recursos orçamentários e cronograma de desembolsos.

“Esses contratos, como instrumento adicional de controle social e de aperfeiçoamento da gestão e desempenho das agências, visam assegurar a compatibilidade entre meios e fins, viabilizando melhores condições operacionais às próprias reguladoras e permitindo uma melhor avaliação da relação custo-benefício da sua atuação para o conjunto da sociedade ao indicar a necessidade, no âmbito da gestão, para permitir essa adequação”, analisa Luiz Alberto Santos, do Setor de Análise de Políticas Governamentais da Casa Civil. Hoje quatro agências já têm sua gestão vinculada à firmatura de contratos, e o que o Executivo propõe ao Legislativo é que todas as outras também adotem o mesmo modelo. Regina Pacheco igualmente cobra maior atitude do Legislativo na questão das reguladoras. “A questão central agora é de que forma o Congresso se comportará diante dessa oportunidade de revisão que se apresenta hoje. Vale dizer, se for correta a hipótese de que no momento da concepção do modelo de reguladoras o Legislativo optou por não se imputar atribuições de controle político muito significativas, cabe perguntar se, nesse momento, o leque de incentivos que informa o cálculo político dos congressistas é mais favorável à assunção de tarefas dessa natureza”. Para ela, aperfeiçoar o aparelho regulador significa tornar as agências socialmente controladas, transparentes, eficientes, comprometidas com o interesse dos consumidores e usuários de serviços públicos, zelando pelo cumprimento dos contratos de concessão, fomentando a competitividade, induzindo à universalização de serviços, aptas a enfrentar não apenas as “falhas” do governo, mas também as do mercado.

Exemplos não faltam, como revela a reportagem da revista Carta Capital, “Autonomia de fachada”. Em 2005 órgãos de defesa do consumidor consideraram ilegal a cobrança de ponto adicional de TVs a cabo. A Anatel e a Associação Brasileira de TV por Assinatura subsidiaram o parecer de Carlos Leifert, do Conselho de Comunicação Social, que devolveu à Anatel a responsabilidade pela decisão. Leifert era diretor de Relações com o Mercado da Rede Globo. O ponto adicional é cobrado até hoje. Detalhe: a Globo é dona da NET. No mesmo artigo, o procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais Paulo Calmon observa que “ANP foi instalada em estrutura necessária, em 1998: de uma hora para outra houve liberação de preços e da distribuição e havia apenas 50 fiscais para vigiar 30 mil postos de gasolina, centenas de distribuidoras e milhares de carretas”. A questão polêmica do mandato de cinco anos dos presidentes das reguladoras é questionada até mesmo por quem, no passado, foi responsável pela reforma do Estado que gerou as agências.

Autonomia
“O presidente Lula reclamou que não é possível um presidente eleito, que tem de prestar contas à população, ter menos poder do que um diretor que foi indicado por um mandato de cinco anos e não pode ser demitido. Ele tem razão: não é razoável e nem democrático. À exceção da Aneel e da Anatel, as demais agências reguladoras devem ter uma autonomia administrativa maior do que departamentos ou secretarias, mas não podem ter autonomia política e devem estar subordinadas ao respectivo ministro’, escreveu num artigo recente no jornal O Estado de S.Paulo, o ex-ministro da Fazenda e professor emérito da FGV Luiz Carlos Bresser-Pereira. “Está se confundindo autonomia administrativa, ou seja, maior liberdade na administração de pessoal e recursos financeiros, com autonomia política, com a existência de mandatos para a diretoria e seu poder de definir políticas”, critica. O economista lembra que, como ministro da Administração Pública e Reforma do Estado do presidente FHC, lutou contra a atribuição de autonomia política real às diretorias das agências. Para Bresser, então como hoje, não faz sentido dar autonomia política à agência que regula o petróleo ou cinema, águas, transportes e, é claro, transportes aéreos. Isso, afirma, além de antidemocrático é perigoso. “É verdade que os políticos não são tão confiáveis quanto desejamos, mas não há razão para acreditar que eles sejam menos confiáveis do que os técnicos. Ambos são corrompíveis pelas empresas reguladas, mas o político, além de responder à lei, responde a seus eleitores, que podem não reelegê-lo. Essa é a força da democracia”. Que, dizia Churchill, “é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas”.

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