A busca por matérias-primas alternativas aos derivados de petróleo está na pauta do dia nas áreas relacionadas à produção de plástico. O alto preço do óleo in natura no mercado mundial e a necessidade de produtos ambientalmente mais favoráveis, seja biodegradáveis ou obtidos por recursos renováveis, têm contribuído para o aparecimento de novas rotas tecnológicas para esse tipo de indústria. No Brasil, a mais recente novidade é o uso da glicerina que sobra, como subproduto, da elaboração do biodiesel para produzir o propeno, resina obtida até aqui de derivados de petróleo e utilizada para fazer polipropileno (PP). Esse plástico é amplamente utilizado em automóveis, eletrodomésticos, seringas descartáveis, fraldas, embalagens para alimentos e produtos de limpeza.
O desenvolvimento da alternativa de produção é da empresa Nova Petroquímica, a antiga Suzano, que desde junho deste ano participa do conglomerado Quattor, formado pela Petrobras e pelo grupo Unipar. O início da produção está marcado para 2009, com uma planta piloto em local a ser definido. Depois será a vez de uma planta industrial definitiva a ser instalada até 2014. O total dos investimentos industriais deverá atingir US$ 50 milhões. A rota de produção da empresa segue outros grandes fabricantes de matérias-primas para a produção de plástico, como Braskem, Dow Química e Oxiteno (leia em Pesquisa FAPESP n°142), empresas que possuem projetos para a produção de polímeros de origem vegetal com a utilização, principalmente, de cana-de-açúcar. Junto com a glicerina do biodiesel elas estão formando a cadeia de petroquímica verde ou renovável.
A produção do PP com glicerina é importante porque envolve grandes números tanto na produção de biodiesel como da própria resina em que a Quattor detém 45% do mercado, com 875 mil toneladas anuais de polipropileno e exportação para 40 países. Segundo levantamento realizado pela empresa, o volume de glicerina disponível em 2008 deverá atingir cerca de 105 mil toneladas se a produção chegar a 1 bilhão de litros de biodiesel para compor a cota obrigatória de 2% adicionado ao diesel, principal combustível de caminhões e ônibus do país. Em 2013, quando essa porcentagem subir para 5% de biodiesel, o excedente de glicerina deverá ser de 250 mil toneladas.
O problema é que o mercado brasileiro consome apenas 40 mil toneladas de glicerina por ano. A glicerina é o nome comercial do glicerol, que pode ser produzido tanto de óleos vegetais como de derivados de petróleo como o próprio propeno. A produção de plástico com essa substância vem se somar a uma série de outros usos industriais. Ela é utilizada em cosméticos, está presente na indústria farmacêutica, na composição de cápsulas, xaropes e pomadas; na química, em tintas, vernizes e detergentes; na alimentícia, para conservar bebidas e alimentos, como refrigerantes, balas, bolos, carnes e rações, além de embalagens. Na indústria do tabaco, a glicerina torna as fibras do fumo mais resistentes e evita o ressecamento das folhas, da mesma forma que é usada para amaciar e aumentar a flexibilidade de fibras têxteis. De cada mil litros de biodiesel fabricados pelo processo de transesterificação, que agrega óleo vegetal ou gordura animal de várias origens e um tipo de álcool (o metanol, mais utilizado, ou etanol), sobram no final cerca de 100 litros. O preço também despencou nos últimos tempos. O quilo do produto valia US$ 1,55, em 1995, e caiu para US$ 0,50, em 2007.
“Identificamos que os consumidores atuais de glicerina não teriam como utilizar toda a produção”, diz Pedro Geraldo Boscolo, gerente da Quattor. Foi a partir da constatação dessa crescente oferta de glicerina no mercado que a empresa procurou o professor Claudio Mota, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2006. “A motivação partiu deles e no início achei difícil retirar da glicerina (C3H8O3) os átomos de oxigênio para transformá-la em propeno (C3H6)”, lembra Mota. “Embora não existissem referências na literatura científica, nós conseguimos um bom sistema extraindo o oxigênio como água.” A reação química resulta na produção de água, que se torna um benefício porque ela também poderá ser comercializada ou usada pela própria indústria. Foi feita uma patente em que os resultados financeiros serão divididos 50% para a UFRJ e os pesquisadores do projeto e 50% para a empresa. O projeto de pesquisa teve investimentos de R$ 2 milhões, sendo R$ 600 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o restante da Quattor.
Outros usos
Quando recebeu o convite da empresa, Mota já trabalhava com a obtenção de compostos da glicerina para uso como aditivos na gasolina ou no diesel. “Estamos desenvolvendo derivados da glicerina que poderão ser misturados a esses combustíveis para melhorar a lubrificação do motor, além de diminuir o teor de enxofre e de compostos particulados, no caso do diesel. Na gasolina, eles podem diminuir a produção de monóxido de carbono (CO) e de outros poluentes e melhorar o desempenho do motor”, explica Mota. Ele também desenvolve estudos para a produção de plásticos acrílicos com glicerina. “Tudo isso dentro da expectativa do aumento da produção de biodiesel.”
O sistema produtivo do polipropileno verde desenvolvido na parceria entre a empresa e a UFRJ começa no plantio da soja, hoje a principal oleaginosa usada para produzir biodiesel. Segundo dados da Quattor, de 3 mil quilos (kg) de grãos colhidos em 1 hectare de área sobram 540 kg de óleo a que são acrescidos 54 kg de metanol. Os resultados são 540 kg de biodiesel e 54 kg de glicerol. Essa glicerina vai resultar em 27 kg de propeno e a mesma quantidade de polipropileno. Embora tenha o quilo como medida de comercialização e uso, a glicerina é líquida. “O transporte desse produto das empresas produtoras de biodiesel até a nossa fábrica será feito de caminhão”, explica Boscolo.
O uso da glicerina proveniente do biodiesel tem outro aspecto que fortalece os estudos e a necessidade de aumentar os seus usos industriais. É a possibilidade de descarte como lixo ou efluente caso não exista o que fazer com ela. “Essa glicerina é um pouco diferente da produzida via derivado de petróleo. Em vez de transparente, ela é amarelada e possui 9% de resíduos. Pela cor é chamada de glicerina loira e não tem um mercado definido, por isso está passível de um descarte inadequado”, diz o professor Derval dos Santos Rosa, diretor acadêmico do campus de Campinas da Universidade São Francisco, que tem sede em Bragança Paulista, no interior paulista. Estudando o uso dessa glicerina e da comercial como plastificante, aditivo que confere maior resistência e elasticidade aos plásticos, ele e os alunos Marcelo Bardi e Luciano Rigolo, da Faculdade de Engenharia de Itatiba, da mesma universidade, demonstraram que ela teria um bom uso para plastificar polímeros produzidos com amido, uma substância chamada de polissacarídeo presente em muitos vegetais.
Perigo ambiental
“O uso da glicerina loira apresentou melhores propriedades mecânicas como resistência à tração e alongamento do que a comercial”, diz Rosa. Eles apresentaram o estudo no Congresso PlastShow 2008, realizado em maio em São Paulo. No trabalho citam, como exemplo, que excedentes de glicerol estão sendo despejados no rio Poti, na cidade de Crateús, no Ceará, uma região produtora de biodiesel, causando um impacto ambiental negativo. “Uma vez ligamos para uma produtora de biodiesel para pedir algumas amostras para pesquisa e eles nos perguntaram quantas toneladas”, lembra Rosa, que na época se espantou porque precisava apenas de poucos quilos. “A plastificação do amido é uma alternativa no caminho de produzir plásticos biodegradáveis e mais favoráveis ao ambiente contando para isso com o uso da glicerina do biodiesel.” Outras alternativas para a glicerina, fora o plástico, são a queima para produção de energia elétrica na própria fabricação do biocombustível, além de usá-la na substituição e alternativa menos tóxica que o etilenoglicol em produtos anticongelantes e para entrar como uma espécie de adoçante e umedecedor em alimentos.
Plastificante renovável
A rota vegetal também está na origem de um novo produto que poderá substituir um aditivo usado pelas indústrias para dar maior maciez e flexibilidade aos artefatos feitos com policloreto de vinila (PVC), o segundo plástico mais usado no mundo. “Conseguimos um plastificante renovável com base em um óleo vegetal para substituir os ftalatos (produzidos a partir de derivados de petróleo)”, diz a professora Sônia Faria Zawadzki, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os ftalatos formam um conjunto de substâncias químicas que estão presentes, principalmente quando associados ao PVC, na formulação de sacos plásticos ou em forma de filme para embalar alimentos, além de estarem presentes em brinquedos, cortinas de banheiro, embalagem para cosméticos, cateteres e bolsas de sangue e soro. Sobre eles pesam a suspeita de trazerem vários males à saúde humana.
Estudos mostram que, mesmo em pequenas doses, os ftalatos podem passar por contato para alimentos e bebidas e depois ser ingeridos por adultos e crianças e ser associados a câncer, má formação esquelética, problemas endócrinos e hormonais, principalmente danos ao sistema reprodutor masculino. O principal suspeito é um tipo plastificante chamado de ftalato de di-(2-etil-hexila) (DEHP na sigla em inglês) muito usado em filmes plásticos. “Em camundongos já estão comprovados câncer no pâncreas, rins e fígado, mas em relação aos humanos ainda há controvérsias”, diz a professora Sônia. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indica o máximo de 3% de ftalatos em produtos vendidos no Brasil. “Mas há dados na literatura nacional e internacional que mostram a presença de valores acima desse nível, principalmente nos filmes e sacos plásticos, produtos que ficam bem molinhos graças aos plastificantes.”
O produto desenvolvido na UFPR para substituir os ftalatos e plastificar o PVC começou a ser desenvolvido em 2003. A pesquisa, coordenada pela professora Sônia em colaboração com o professor Luiz Pereira Ramos, chegou até a fase pré-industrial numa parceria com a filial da empresa norte-americana Corn, que processa matéria-prima vegetal para as indústrias alimentícia, química e farmacêutica. Eles começaram a investir na pesquisa depois que a professora Sônia fez a formulação e mostrou à empresa. Agora a Corn estuda a implementação industrial do produto, que ainda não pode ter revelados alguns detalhes como o óleo vegetal do qual é feito, embora já tenha um depósito de patente. O novo plastificante custará cerca de 10% a menos que os ftalatos convencionais.
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