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SAÚDE PÚBLICA

Uma doença anunciada

Infecção letal causada por parasita de uma só célula, a leishmaniose visceral avança sobre as cidades brasileiras

EDUARDO CESAR Ameaça às metrópoles: cidades como São Paulo podem viver epidemia nos próximos anosEDUARDO CESAR

Está chegando às grandes cidades brasileiras uma doença altamente letal, que atinge cerca de 3.100 pessoas por ano no país e mata em mais de 90% dos casos se não tratada de modo adequado: a leishmaniose visceral. Causada por um parasita de uma só célula – o protozoário Leishmania chagasi, que se aloja no interior das células de defesa do organismo e danifica o baço, o fígado e a medula dos ossos –, a leishmaniose visceral foi considerada por muito tempo um problema exclusivamente silvestre ou restrito às áreas rurais do Brasil. Não é mais.

Nas últimas três décadas as autoridades da saúde começaram a identificar os primeiros casos contraídos nas próprias cidades, inicialmente no Nordeste. De lá para cá, por razões ainda não bem compreendidas, a leishmaniose visceral urbanizou-se e se nacionalizou: atingiu cidades do Norte, do Centro-Oeste e do Sudeste. Já se espalhou por 20 dos 26 estados brasileiros – só a Região Sul parece livre do problema – e bate à porta das cidades de médio e grande porte. Pode chegar a metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, que à semelhança das cidades medievais fortificadas podem não conter o avanço da leishmaniose com suas muralhas de casas e prédios.

Pouco mais de sete décadas depois de ter sido descrito pelo médico Evandro Chagas em um artigo na Science como o causador de uma nova forma de leishmaniose visceral, distinta da observada na Europa e na Índia, o parasita Leishmania chagasi e o inseto que o transmite aos seres humanos no Brasil continuam a desafiar pesquisadores e autoridades públicas da saúde. Nesse período a população brasileira, que até o início do século passado era eminentemente rural, tornou-se urbana – hoje oito de cada dez brasileiros vivem na cidade – e migrou de uma região a outra atrás de trabalho. Para que as cidades surgissem foram consumidas 30% das matas do país, ambiente natural do parasita da leishmaniose, encontrado em animais como o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), e de seu transmissor, o inseto Lutzomyia longipalpis.

Como resultado,a doença se espalhou e o número de casos aumentou. Em 1985 o parasitologista paraense Leônidas Deane, que integrou a comissão chefiada por Chagas, contabilizou 8.959 registros de leishmaniose visceral no Brasil desde os primeiros casos identificados por Henrique Penna em 1932. Esse quadro se agravou. O Ministério da Saúde registrou 53.480 casos de 1990 a 2007 – e 1.750 mortes. A leishmaniose visceral também está mais agressiva. Matava três de cada cem pessoas que a contraíam em 2000. Hoje morrem sete.

“Nos próximos cinco anos pode haver uma epidemia na cidade de São Paulo”, alerta o médico sanitarista Carlos Henrique Nery Costa, da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Costa fala com a experiência de quem estuda a transmissão da leishmaniose visceral há quase 20 anos e investigou a fundo as causas da epidemia que marcou a urbanização recente da doença: os mil casos registrados em Teresina entre 1981 e 1985 – essa epidemia foi seguida de outra quase dez anos depois, com mais 1.200 casos.

Ao mesmo tempo que a capital piauiense tratava seus doentes e buscava entender as causas do problema, cidades a centenas de quilômetros dali – como São Luís, no Maranhão, Santarém, no Pará, Montes Claros, em Minas Gerais, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul – assistiam à emergência da leishmaniose visceral. “A enfermidade surgiu nesses lugares como se brotasse do chão, sem um padrão definido”, diz Costa.

SINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY Hora do lanche: Lutzomyia se alimenta de sangueSINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY

No Centro-Sul do país foi diferente. Pouco depois de aumentarem os casos urbanos de leishmaniose visceral em Corumbá, no oeste do Pantanal sul-mato-grossense, fronteira com a Bolívia, a doença atravessou rapidamente o estado em direção a leste. No final dos anos 1990 já havia atingido a capital, Campo Grande, e chegado a Três Lagoas, na divisa com São Paulo. Em seu avanço, acompanhou o caminho do gasoduto Brasil-Bolívia, que segue o traçado do rio Tietê rumo à capital paulista, e da rodovia BR-262, que liga Corumbá ao Espírito Santo, constatou a equipe da epidemiologista Suely Antonialli, da Escola de Saúde Pública Jorge David Nasser, em Campo Grande, em artigo publicado em 2007 no Journal of Infection.

De Três Lagoas, não demorou para que cruzasse o rio Paraná e se espalhasse pelo noroeste paulista rumo à capital. Desde a identificação da presença do inseto em 1997, da doença em cães em 1998 e do primeiro caso humano em Araçatuba em 1999, a leishmaniose visceral se estabeleceu no estado e vem se alastrando silenciosamente, seguindo o trajeto da rodovia Marechal Rondon (SP-300), a principal via de conexão entre o Mato Grosso do Sul e a capital paulista. Em quase dez anos o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) de São Paulo registrou 1.258 casos em 49 municípios paulistas – e 112 mortes.

“No estado de São Paulo a doença vem descendo da região oeste para a leste e pode chegar à capital”, comenta a epidemiologista Vera Lucia Camargo-Neves, pesquisadora do CVE. Analisando a dispersão da leishmaniose visceral, Vera Camargo constatou que a cada ano o parasita migra 30 quilômetros em direção a São Paulo, transportado por um inseto de apenas três milímetros e pernas e asas peludas: o Lutzomyia longipalpis, conhecido como mosquito-palha, birigüi, cangalha ou tatuquira.

Diante desses dados, a previsão de que cedo ou tarde a doença alcance a maior metrópole da América do Sul, onde vivem 19 milhões de pessoas, não é tão absurda quanto pode parecer. Há dois anos o sistema de vigilância identificou uma criança com leishmaniose visceral na Vila Prudente, bairro da zona paulistana. Pouco divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde, o caso permanece sob investigação, pois ainda não se sabe como surgiu.

Não foi o primeiro. Outros dois foram detectados 30 anos atrás por Lygia Iversson, na época pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Em 1979 Lygia identificou um portador de leishmaniose visceral em Diadema, na Grande São Paulo. Dois anos antes ela havia registrado outra infecção, dessa vez em um menino de 2 anos que jamais tinha deixado a capital.

Até o momento, os três casos permanecem sem explicação, uma vez que nos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo não foi encontrado o inseto transmissor, embora em 2002 tenha sido registrada a transmissão de Leishmania chagasi entre cães nos municípios de Cotia e Embu. Nesses casos foram capturadas outras espécies de insetos do gênero Lutzomyia, portadores do parasita Leishmania braziliensis, causador da forma mais comum e menos grave da doença: a leishmaniose cutânea, que deixa lesões e úlceras de aspecto desagradável na pele. “Existe a suspeita de que o inseto capturado na Grande São Paulo seja de uma espécie que só transmite a leishmaniose entre cães”, diz o epidemiologista Luiz Jacintho da Silva, superintendente da Sucen à época em que foram detectados os primeiros casos no estado e que desde então acompanha o problema. “Não há certeza de que a leishmaniose visceral chegará à cidade de São Paulo”, diz.

MIGUEL BOYAYAN Ao lado do perigo: população elevada de cães aumenta risco dceo tlrcahnosnmesissãoMIGUEL BOYAYAN

Ainda que não alcance a capital, a disseminação da enfermidade em cidades de médio e grande porte, como Bauru, no interior de São Paulo, e Belo Horizonte, em Minas, preocupa as autoridades da saúde. É que quanto maior o número de pessoas na região em que há o parasita e seu transmissor, maior o risco de contrair a doença. E as três principais medidas de controle adotadas há meio século – uso de inseticidas, eliminação de cães doentes ou suspeitos de estarem infectados e tratamento dos casos humanos – não têm se mostrado capazes de conter a expansão da doença. “A leishmaniose visceral mata cerca de 200 pessoas por ano, mais do que a malária e a dengue juntas, e é mais difícil controlá-la do que havíamos imaginado”, diz Costa, da UFPI.

Suspeita-se de que as migrações internas – em especial do Nordeste para o Sudeste – tenham favorecido o espalhamento da leishmaniose visceral no país. Mas outros fatores podem ter colaborado. O parasitologista inglês Jeffrey Jon Shaw, que há 43 anos mora no Brasil e estuda o ciclo de vida dos protozoários do gênero Leishmania e de seus transmissores, acredita que o inseto transmissor da leishmaniose visceral se adaptou muito bem às cidades. “Estamos criando ambientes propícios à proliferação do vetor, como umidade e muita comida”, afirma Shaw, professor aposentado da USP e hoje pesquisador da Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia André Tosello, em Campinas.

Ainda não é possível identificar um padrão de disseminação para todas as áreas do país. Não se sabe se as populações de insetos que hoje estão na periferia de muitas cidades já existiam nessas áreas ou se migraram de regiões com vegetação mais bem preservada. Shaw acredita em ambas as possibilidades. “Em Belo Horizonte é quase certo que houve uma invasão de mosquitos na periferia, mas em outros estados pode ter ocorrido a expansão de populações que viviam nas matas que margeiam os rios”, comenta o parasitologista, que investiga a dinâmica das populações de Lutzomyia em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pernambuco.

Costa, da UFPI, tem um palpite diferente. Para ele, a disseminação do inseto transmissor da doença está associada ao uso de árvores exóticas como as acácias, de folhas miúdas e flores amarelas, nos projetos de urbanização das cidades. Há motivos para a suspeita. Teresina havia sido arborizada com acácias na época da primeira epidemia, nos anos 1980. Nessa época outra epidemia arrasadora, que deixou 100 mil mortos no Sudão, afetou principalmente as famílias que moravam em bosques de acácias, possível fonte de néctar para os insetos. Também há indícios de que o néctar de certas plantas favoreça a proliferação dos parasitas no intestino dos insetos.

Ainda é preciso provar se de fato isso ocorre no Brasil, mas é certo que, com a redução das áreas de vegetação natural, os insetos se adaptaram aos parques e aos quintais de casas, comuns no interior. Diferentemente do mosquito da dengue (Aedes aegypti), que precisa de água para se reproduzir, a fêmea do Lutzomyia longipalpis põe seus ovos em superfícies úmidas, como pedras e folhas em contato com a terra. Depois que os ovos eclodem, as larvas se alimentam de matéria orgânica encontrada no solo até se transformarem em insetos adultos. Já com asas e o resto do corpo formados, os adultos se alimentam do néctar das plantas e pousam, sempre com as asas levantadas, em áreas úmidas e sombreadas. Ao entardecer as fêmeas saem em busca do sangue necessário para colocarem seus ovos. Fazem vôos curtos, aos saltos, e picam as partes descobertas do corpo.

CÉLIA GONTIJO/CPQRR/FIOCRUZ | RAFAEL TEIXEIRA NETO/CPQRR/FIOCRUZ Leishmania chagasi: forma encontrada no inseto (no alto); forma (pontos escuros) que se aloja nos macrófagos (acima)CÉLIA GONTIJO/CPQRR/FIOCRUZ | RAFAEL TEIXEIRA NETO/CPQRR/FIOCRUZ

Na dolorosa picada, a fêmea faz um pequeno corte na pele e injeta saliva e substâncias que aumentam o calibre dos vasos sangüíneos e impedem a coagulação do sangue. Durante a refeição, regurgita formas do parasita que só se reproduzem em seu aparelho digestivo. Uma vez no sangue, o parasita se aproveita do próprio mecanismo de ação do sistema de defesa e se oculta antes de invadir outras células e se reproduzir, segundo descoberta recente.

A equipe de David Sacks, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, colocou fêmeas do inseto Phlebotomus duboscqi portadoras de Leishmania major, capaz de infectar animais de laboratório, para se alimentarem na orelha de camundongos. Com o um microscópio que permite fazer imagens dos tecidos de animais vivos, acompanharam o combate aos parasitas. Tão logo o sistema imunológico dos roedores identificou a invasão, células de defesa chamadas neutrófilos se deslocaram até a região da picada. Em pouco mais de meia hora os neutrófilos já haviam engolfado a maior parte dos parasitas e tentavam destruí-los com um banho de enzimas digestivas. Como vivem por apenas umas poucas horas, os neutrófilos são depois digeridos por uma segunda leva de células de defesa, os macrófagos, uma espécie de turma da limpeza.

Os pesquisadores observaram que, após a morte dos neutrófilos, parasitas vivos se aproximavam dos macrófagos, células nas quais se alojam e se reproduzem. Em artigo publicado em 15 de agosto na Science, a equipe de Sacks chamou a estratégia de cavalo-de-tróia, em referência à tática usada pelos gregos para transpor as muralhas de Tróia, na guerra narrada por Homero. É provável que esse mesmo disfarce permita ao Leishmania chagasi penetrar nos macrófagos do ser humano e de outros mamíferos e gerar danos no fígado, no baço e na medula óssea, debilitando o sistema de defesa e provocando os sinais típicos da leishmaniose visceral – febre intermitente que dura semanas, inchaço do baço e do fígado, perda de apetite e fraqueza. “Em todo o país, os médicos têm de estar atentos a esses sintomas”, afirma Costa. “Se o paciente apresenta febre prolongada sem razão aparente, palidez e baço aumentado, deve-se pedir um exame de medula óssea para eliminar a suspeita de leishmaniose.”

Do ponto de vista da saúde pública, a saída é tentar controlar a população do mosquito-palha por meio da aplicação do inseticida deltametrina nos focos de leishmaniose. Mas nem sempre essa medida, hoje a cargo dos municípios, é eficaz. Com ação de três meses, o inseticida tem de ser aplicado parede por parede das casas e nem sempre os insetos morrem. Às vezes, só tombam no chão para mais tarde levantarem vôo novamente. “Não se conhece uma forma de aplicar o inseticida que atinja maior número de insetos”, conta Vera Camargo, do CVE.

A chegada do mosquito-palha às cidades foi acompanhada de um complicador. Com a sombra e a terra fresca dos quintais, o inseto encontrou uma formidável fonte de sangue que as pessoas gostam de manter ao seu lado: o cão, que contrai a infecção facilmente e se torna tão debilitado quanto seus donos.

Para controlar o avanço da leishmaniose, o Ministério da Saúde determina a eliminação dos cães infectados. É uma medida polêmica que, isolada, não é suficiente. Em vários estados a população de cães é alta – em São Paulo há um para cada quatro pessoas, enquanto a Organização Mundial da Saúde sugere que a relação ideal é de um para dez – e a taxa de infecção chega a 20% dos animais em alguns municípios. Há ainda a resistência dos donos a entregar o amigo fiel para o sacrifício. “As pessoas só dão os cães quando descobrem que alguém na vizinhança morreu com leishmaniose visceral”, conta a veterinária Maria Cecília Luvizotto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba, que identificou o primeiro cão infectado em 1998.

ACERVO DA CASA DE OSWALDO CRUZ/DEPTO. DE ARQUIVO E DOCUMENTAÇÃO/IMAGEM: IOC (P) CHAGAS, E.9. Evandro Chagas: investigação de casos em 1936, no ParáACERVO DA CASA DE OSWALDO CRUZ/DEPTO. DE ARQUIVO E DOCUMENTAÇÃO/IMAGEM: IOC (P) CHAGAS, E.9.

Estudos feitos em diferentes cidades indicam que cerca da metade dos cães identificados com leishmaniose é eliminada. Veterinários e grupos protetores dos animais criticam a estratégia porque os testes diagnósticos podem falhar em algumas situações. “O teste não permite distinguir leishmaniose visceral de cutânea ou se o cão foi vacinado contra a doença”, diz a parasitologista Célia Gontijo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte. “O teste ainda pode sugerir que o animal está com leishmaniose quando, na realidade, pode ter doenças curáveis, como a babesiose.”

Na tentativa de reduzir os enganos, Olindo Martins Filho e Renata Andrada, da Fiocruz mineira, desenvolveram um teste que permite diferenciar o resultado positivo provocado pela infecção do causado pela vacina, descrito em 2007 na Veterinary Imunology and Immunopathology. Atualmente eles tentam usá-lo para distinguir a forma visceral da cutânea. A própria Célia obteve resultados mais precisos que os de testes tradicionais, usando a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR), que identifica o DNA do parasita.

Outros grupos testam o uso de coleiras com deltametrina, que manteriam os insetos longe dos cães por meses. A coleira custa cerca de R$ 60 e precisa ser trocada de tempos em tempos. Em 2004, Richard Reithinger, da Fiocruz em Minas, comparou o uso da coleira com a eutanásia. Mostrou que a coleira é uma alternativa viável, se as pessoas a usarem corretamente.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a equipe de Clarisa Palatnik de Sousa desenvolveu uma vacina com base em antígenos do parasita que vem sendo usada apenas em clínicas particulares. Em 2003 a vacina recebeu liberação do Ministério da Agricultura – o Ministério da Saúde, responsável pelo controle da leishmaniose, ainda não autorizou seu uso como medida de proteção em massa. A principal crítica à vacina era ter sido testada apenas em pequenos grupos de animais. A decisão das autoridades da saúde pode mudar agora com a publicação dos testes mais recentes na Vaccine de agosto. Clarisa acompanhou por dois anos dois grupos de cães (550 vacinados e 588 não-vacinados) em Andradina, cidade no interior de São Paulo onde a leishmaniose visceral é endêmica. A vacina protegeu os animais em 99% dos casos.

Alguns especialistas vêem na vacina preventiva uma saída para proteger os cães, uma vez que o Ministério da Saúde proibiu em julho o uso de medicamentos humanos para tratar a leishmaniose canina. Há motivos para a precaução. Embora melhorem clinicamente, os cães não são curados e podem continuar a transmitir o parasita para os insetos que o picam. Também há o risco de o tratamento promover a seleção de cepas do Leishmania chagasi resistentes aos medicamentos humanos – antimonial pentavalente, anfotericina B e pentamidina.

Após décadas sem novos compostos para tratar seres humanos, um estudo publicado em junho na Plos Neglected Tropical Diseases mostra um avanço importante. Na USP, os parasitologistas Silvia Uliana e Danilo Miguel comprovaram que o tamoxifeno, usado na terapia e na prevenção do câncer de mama, é eficaz no combate à infecção por Leishmania amazonensis em camundongos. Agora eles se preparam para repetir os testes contra a Leishmania chagasi em hâmsters, antes de avaliar os efeitos em um pequeno número de pacientes. A vantagem do tamoxifeno sobre drogas novas é que seu mecanismo de ação já é conhecido e sua segurança já foi demonstrada. “Ainda assim”, afirma Silvia, “são necessários três anos de estudos”.

Entre os compostos em teste contra a leishmaniose, pelo menos um foi desenvolvido inteiramente no Brasil pela rede de pesquisas Farmabrasilis. É o P-MAPA, sigla de anidrido polimérico de fosfolinoleato de magnésio e amônio protéico, que em testes no Brasil e nos Estados Unidos mostrou ser eficaz contra a bactéria Listeria monocytoges, cujo mecanismo de sobrevivência no organismo é semelhante ao dos protozoários do gênero Leishmania.

Artigos científicos
CHAGAS, E. Visceral leishmaniasis in Brazil. Science. v. 84 (2183), p. 397-398. 30 out. 1936.
PETERS, N.C. et al. In vivo imaging reveals an essential role for neutrophils in leishmaniasis transmited by sand flies. Science. v. 321. p. 970-974. 15 ago. 2008.
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