A busca por alternativas ao uso de animais em ensaios clínicos e testes de produtos intensificou-se na última década. Um dos casos mais representativos é o programa Tox 21 (Toxicologia do Século 21), criado com a colaboração de agências federais norte-americanas como os National Institutes of Health (NIH) e a Environmental Protection Agency (EPA). Lançado em 2008, utiliza modelos matemáticos e computacionais, aliados à genômica e à tecnologia robótica, para estudar a estrutura e a toxicidade de uma vasta coleção de compostos químicos. O objetivo é conhecer as vias pelas quais as toxinas agem no organismo e criar métodos capazes de predizer se um candidato a fármaco merece ser submetido a ensaio clínico. Ao descartar moléculas prejudiciais à saúde, evita-se a utilização de animais em testes de compostos previamente classificados como tóxicos. Em dois anos, foram estudadas mais de 10 mil substâncias. Os resultados estão disponíveis em plataformas virtuais.
“O sucesso das próximas etapas do programa depende de colaborações mais, robustas, envolvendo companhias farmacêuticas”, diz Raymond Tice, do National Institute of Environmental Health Science dos Estados Unidos, instituição envolvida no Tox 21. Tice participou do workshop Challenges and Perspectives in Research on Alternatives to Animal Testing, realizado na FAPESP em março. Segundo ele, o paradigma dos testes em animais não incorpora avanços para tornar o processo mais seguro e preciso.
Eduardo Pagani, gerente de desenvolvimento de fármacos do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), mostrou no workshop como modelos computacionais são capazes de comparar a estrutura de uma molécula candidata com a de outras já testadas e definir se vale a pena seguir com seu desenvolvimento. O LNBio, que trabalha nessa frente, busca parcerias. No caso, com grupos que dominam a tecnologia de organs-on-a-chip. Trata-se de uma técnica em estudo nos Estados Unidos e na Alemanha que usa células para desenvolver tecidos humanos integrados a microchips, capazes de reproduzir o funcionamento de órgãos vivos. “Queremos atuar no campo de mimetização de tecidos”, ressalta Pagani.
Pesquisadores que participaram do workshop trouxeram novas discussões sobre o uso de modelos animais em pesquisa. Tais modelos apresentam semelhança com o ser humano de apenas 60%, disse Thomas Hartung, do Center for Alternatives to Animal Testing do Johns Hopkins University Hospital, nos Estados Unidos. Hartung citou o exemplo da aspirina, comprovadamente segura aos seres humanos, mas que seria reprovada em testes em animais por promover malformações fetais em certos modelos. “Procuramos apresentar aos pesquisadores brasileiros a importância do uso dos métodos alternativos e suas limitações, além da necessidade de um delineamento experimental criterioso”, diz Lorena Gaspar Cordeiro, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), uma das organizadoras do evento.
Alguns métodos apresentados no workshop buscam alternativas ao uso de mamíferos, como o zebrafish, conhecido no país como peixe paulistinha, e a larva do inseto Galleria mellonella (ver Pesquisa FAPESP nº 220). “Cerca de 75% dos 26 mil genes do zebrafish são semelhantes aos humanos”, diz a geneticista Cláudia Maurer-Morelli, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já as larvas têm mecanismos imunológicos similares aos dos mamíferos. “A cutícula da larva funciona como uma pele. Quando se injeta uma substância tóxica, ela reage e escurece”, explica Maria José Giannini, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “O Brasil caminha para acompanhar o que acontece em países como os Estados Unidos e os da Europa”, diz Giannini, coordenadora do workshop.
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