raul aguiarA preocupação em proteger os resultados de pesquisas científicas para finalidades econômicas, algo bastante comum em empresas, aos poucos também começa a se tornar mais presente entre os pesquisadores brasileiros na academia. Em parte, isso se deve a iniciativas de algumas universidades, que nos últimos anos passaram a investir em estratégias voltadas à promoção de uma cultura de propriedade intelectual e de gestão da inovação entre seus alunos, professores e pesquisadores. A ideia é orientá-los sobre os requisitos necessários para que um produto ou processo possa ser patenteado, permitindo sua exploração econômica.
A patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção. É concedida aos detentores dos direitos sobre uma criação que possa ser fabricada ou que represente uma solução inovadora para um problema técnico de um determinado campo. Na patente também se especificam aspectos técnicos relacionados à obtenção da inovação que foi objeto do pedido. Trata-se de um documento científico e tecnológico que pode ser muito bem aproveitado pelos pesquisadores durante o desenvolvimento de suas pesquisas.
Os detentores dos direitos sobre a criação podem ser os autores do invento, mas frequentemente são seus empregadores ou financiadores. No Brasil, a análise e eventual concessão da patente fica a cargo do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Caso seja concedida, ela pode ser explorada comercialmente por no máximo 20 anos, a partir da data de depósito do pedido. Depois disso, a invenção cai em domínio público, podendo ser explorada economicamente sem a necessidade de pagamento de royalties aos seus proprietários.
Especialistas recomendam que ainda no planejamento de um projeto, e ao longo de seu desenvolvimento, os pesquisadores verifiquem se os seus possíveis resultados atendem a três exigências básicas de um pedido de patente: se podem ser considerados uma novidade(se não estão compreendidos no chamado estado da técnica, que consiste em tudo o que é acessível ao público antes da data de depósito), se se enquadram como uma atividade inventiva (não se pode patentear o óbvio, a patente deve ser resultado de um esforço de pesquisa) e se podem de alguma forma ser reproduzidos industrialmente (ver Pesquisa FAPESP nº 217).
Com 56 pedidos depositados, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi a instituição de ensino superior brasileira mais bem colocada no ranking do INPI de depósitos de pedidos de patente em 2015. De acordo com o físico Ado Jório de Vasconcelos, pró-reitor de Pesquisa da universidade, o marco é fruto do trabalho realizado pelo Núcleo de Inovação Tecnológica da UFMG, que, desde 2006, conta com um setor de análise e redação de patentes. “Também a partir de 2010 passamos a fazer um trabalho de educação da comunidade científica, alertando para a importância da proteção intelectual”, explica.
Até 2005 a UFMG somava 160 patentes. Em 2015 esse número subiu para 747. “A UFMG depositou nos últimos 10 anos cinco vezes mais patentes do que em toda a sua história pregressa”, informa Ado Jório. Segundo o físico, é importante que os pesquisadores façam buscas periódicas em bases de patentes para verificar se sua pesquisa realmente apresenta alguma novidade passível de ser patenteada. “Se a busca ficar restrita a bancos de artigos acadêmicos, o pesquisador estará alguns meses defasado, uma vez que há um longo intervalo entre a submissão de um artigo e sua publicação”, explica Vera Crósta, consultora na área de inovação e transferência de tecnologia na VC Consultoria e da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).
Além de se preocupar com a originalidade da pesquisa, ao pensar na possibilidade de proteger seus resultados, é importante que o pesquisador saiba que a patente não tem finalidade em si mesma. O objetivo final da patente é o seu licenciamento, que permite sua exploração econômica por uma ou mais empresas. A licença é uma autorização concedida pelo titular do registro intelectual a quem deseja fabricar ou comercializar o produto patenteado. O contrato entre as partes interessadas estipula, por exemplo, prazos de fabricação, royalties a serem pagos e multas.
Existem vários repositórios para consulta de patentes no Brasil e no exterior. Alguns são gratuitos, como a base de dados do escritório de patentes dos Estados Unidos, o USPTO, com cerca de 7 milhões de documentos de patente de várias áreas do conhecimento, e a Espacenet, mantida pelo Escritório Europeu de Patentes (EPO), com mais de 60 milhões de patentes de vários países. Outros são pagos, como a Derwent Innovations Index, da Thomson Reuters, que reúne resumos de mais de 11 milhões de patentes. Os repositórios pagos podem ser acessados gratuitamente por pesquisadores de universidades públicas do Brasil por meio do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
A busca em repositórios nacionais e internacionais permite ao pesquisador ter um melhor conhecimento sobre o estado da arte de suas áreas de interesse, independentemente de ter a obtenção de patentes como um objetivo de sua própria pesquisa. A revisão da literatura pertinente, seja em revistas científicas ou em bancos de patentes, é essencial para um esforço de pesquisa que busque resultados inéditos que possam promover o avanço do conhecimento. “Antes de redigir o pedido, é recomendável que o pesquisador faça uma busca prévia nos arquivos do INPI para analisar documentos de patente que tratem de assuntos semelhantes ao seu”, sugere Ana Maria Nunes Gimenez, pesquisadora do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (DPCT-Unicamp). Segundo ela, é importante evitar a divulgação de informações inéditas em eventos ou publicações científicas antes de fazer o depósito do pedido. Isso mais tarde pode comprometer a obtenção da patente. Após o depósito, contudo, o pesquisador pode divulgar os resultados de seu trabalho normalmente, ela explica.
A consulta em bancos de patente é uma estratégia usada há algum tempo pelos pesquisadores da Clorovale Diamantes, empresa produtora de diamantes sintéticos criada em 1997 e financiada pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP. “Essa é uma etapa fundamental do processo de elaboração de nossos projetos científicos”, explica o físico Vladimir Airoldi, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, interior paulista, e sócio-fundador da Clorovale. “Isso nos ajuda a planejar a pesquisa de modo a dar um foco mais direcionado ao ineditismo e às possíveis aplicações dos nossos resultados.” Airoldi tem atualmente cinco pedidos de patente depositados no INPI e uma patente concedida sobre o uso do diamante sintético aplicado a brocas odontológicas, no mercado há mais de 10 anos. A patente foi concedida no Brasil, Estados Unidos, Europa, Austrália, China e Japão.
Outra empresa a se valer dessa estratégia é a Apis Flora. “A pesquisa de anterioridade nos ajuda a não reinventar a roda. Evitamos perder tempo e focamos no que realmente não existe”, diz Andresa Berretta, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da empresa. Com sede em Ribeirão Preto (SP), a Apis Flora foi uma das pioneiras no país na fabricação de produtos à base de mel e própolis. A empresa, criada em 1982, tem quatro patentes abrangendo a própolis: um extrato padronizado, um gel termorreversível, uma biomembrana e micropartículas à base do produto (ver Pesquisa FAPESP nº 241). Segundo Andresa, os primeiros quatro pedidos de patente da Apis Flora foram redigidos por sua equipe interna. “Contamos com orientações de técnicos de um escritório de patente que contratamos”, conta. Mais recentemente, por conta do número de projetos em andamento, a empresa passou a enviar os relatórios técnicos para escritórios externos, que cuidam da redação do pedido de patente com a equipe da Apis Flora.
O depósito de uma patente envolve custos com taxas e empresas especializadas na redação do pedido de propriedade intelectual. No Brasil, fazer o depósito custa entre R$ 70 e R$ 260, dependendo da natureza do depositante e se é eletrônico ou em papel. Nos Estados Unidos, varia de US$ 70 a US$ 280. Somado a isso, há também os honorários dos agentes de propriedade intelectual que auxiliam no processo de redação e depósito, além dos custos futuros com a manutenção dos pedidos, anuidades, taxas de concessão etc. Segundo Patrícia Leal Gestic, diretora de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp), a Universidade de Campinas assume a gestão da maior parte dos ativos e despesas de todo o processo de proteção, das etapas de análise e redação às taxas oficiais. “Em julho de 2016 a Unicamp atingiu a marca de mil patentes ativas, no Brasil e no exterior. Desse total, 130 estão licenciadas para o mercado”, relata.
Patrícia Villar Martins, coordenadora de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), enfatiza a importância de os pesquisadores procurarem as agências de inovação ou núcleo de inovação tecnológica (NIT) de suas instituições. “Esses órgãos orientam os pesquisadores durante todo o processo de proteção, gestão e manutenção das patentes, desde o depósito até a concessão da patente”, explica. Segundo ela, a comunidade científica ainda desconhece quais modalidades de proteção existem, quais são seus requisitos, a importância da patente para o cientista e a universidade e quais são as melhores estratégias para se colocar o produto no mercado via transferência de tecnologia.
Para as universidades que não têm agências de inovação e para as empresas, o caminho é procurar escritórios especializados na prestação de serviços de consultoria em propriedade intelectual. Segundo a agente de propriedade intelectual Leonor Magalhães Galvão, sócia responsável pelo departamento de patentes da Magellan IP, no Rio de Janeiro, “muitos pesquisadores não sabem o que é ou como elaborar um pedido de patente”.
Para Vera Crósta, é importante que o pedido seja escrito por um profissional especializado em propriedade intelectual. Isso porque a redação da solicitação de patente é muito diferente de um artigo científico. “É preciso ter um olhar de mercado para saber as possíveis aplicações do produto ou processo desenvolvido. Se as reivindicações forem feitas baseadas apenas em um olhar acadêmico, o escopo de abrangência do pedido poderá ser restrito, dificultando seu licenciamento e exploração comercial por alguma empresa interessada”, diz. Após o depósito, o pedido fica até 18 meses em sigilo antes de ser publicado na Revista Eletrônica da Propriedade Industrial (RPI) do INPI. Caso a patente seja concedida, ela começará a valer a partir da data de depósito do pedido. Desse modo, qualquer um que acesse as informações do pedido e tente copiar o produto, mesmo antes de a patente ser concedida, pode ser acionado para pagar pelos direitos de propriedade intelectual.
A falta de orientação, não raro, leva os pesquisadores a cometerem equívocos, como o de entrar com um pedido nos Estados Unidos apenas porque o tempo de análise é menor. Em média, o USPTO demora quatro anos para conceder, ou não, uma patente, enquanto no Brasil o tempo de espera pode chegar a 14 anos. “A questão é que a obtenção de uma patente nos Estados Unidos não garante ao pesquisador direito de exclusividade sobre a mesma invenção no Brasil”, explica Leonor. “A patente é um direito territorial”, esclarece Patrícia Tedeschi, do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologias (Nuplitec), responsável pela gestão da propriedade intelectual de projetos financiados pela FAPESP. “As vantagens de se patentear aqui ou lá dependerão da estratégia definida pelo interessado no registro”, completa.
Segundo relatório da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo, em inglês), os Estados Unidos são o país com mais patentes válidas, com 2,2 milhões delas registradas. Em seguida vem o Japão, com 1,6 milhão. Esses números traduzem mais do que os resultados de ambos os esforços inventivos nacionais: países possuem culturas de propriedade intelectual muito diversas, com apreciações diferentes sobre o que pode ser considerado merecedor de patente. O Brasil está na 19ª posição, com 41.453 patentes válidas. A colocação brasileira também tem relação com a demora na análise dos pedidos submetidos ao INPI. O processo entre o depósito e a concessão da patente demora entre oito e 14 anos. Em 2016 o órgão fechou o ano com uma fila de 243.820 pedidos pendentes. Apenas 25.481 foram concluídos. Ao todo, 31.020 novas solicitações entraram na fila do instituto em 2016. “Nossa capacidade de avaliar os pedidos tem sido menor do que o fluxo de entrada dessas solicitações”, reconhece Luiz Pimentel, presidente do INPI.
O órgão conta hoje com 292 especialistas para analisar todas os pedidos de patente – nos Estados Unidos são cerca de 6 mil examinadores. Para acelerar as análises, o INPI contratou 95 novos examinadores em 2017. Esses profissionais estão atualmente em treinamento e devem começar a trabalhar em até 18 meses. Existem casos em que o órgão oferece exame prioritário, como no caso de tecnologias voltadas à conservação do meio ambiente, patentes consideradas estratégicas, especialmente para o Sistema Único de Saúde, entre outras.
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