O professor José Leite Lopes, um pernambucano rijo de 82 anos completados em 28 de outubro deste ano 2000, é um venerável personagem da ciência brasileira que continua muito perto de duas grandes paixões de sua vida: “Acompanho o progresso das novas teorias da Física e os problemas políticos da ciência brasileira”, diz. Esse exercício suave de fidelidade às suas vocações, mesmo estando aposentado e distante das pesquisas em Física de Partículas e em Teoria de Campos que o tornaram um cientista internacionalmente reconhecido, ele mantém principalmente no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF, por cuja criação batalhou no fim da década de 40, depois dirigiu, de 1960 a 1964, e do qual se demitiu quando o golpe de Estado daquele ano espalhou arbitrariedades insuportáveis pelo país.
Leite Lopes tem entre suas contribuições originais à Física a proposição dos w+ w- como bósons vetoriais ligados ao fóton, o que daria uma unificação das forças eletromagnéticas e das forças fracas que foi o primeiro a apontar, e a predição de existência do bóson Z0, descoberto depois já na década de 80. São achados científicos de 1958.
Entre as atribulações que viveu em decorrência dos problemas políticos do país, ele registra a ida para a França em 1964 e o retorno ao Brasil em 1967, em parte atendendo a apelos dos estudantes cariocas e confiante numa redemocratização que afinal não se materializou. Inclui também a cassação de seus direitos pelo AI-5 em 1969, a ida para Pittsburgh e, em 1970, para Estrasburgo, na França, onde permaneceu até 1986. Professor emérito das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – onde trabalhou de 1946 a 1964 e de 1967 a 1969 -, de Estrasburgo e do CBPF, Leite Lopes falou com carinho de seus três filhos – o antropólogo José Sérgio, o especialista em informática Sílvio Ricardo e a dramaturga Ângela – quando concedeu a Mariluce Moura a entrevista a seguir, que é uma verdadeira aula de Física e de vida.
Comecemos explicando seu trabalho sobre a unificação das forças eletromagnéticas e forças fracas.
Na Física existem quatro tipos de forças fundamentais que se chamam interações. A gravitacional, que todos nós, toda a matéria, toda a energia, o que quer que exista sofre. Foi inventada por Isaac Newton e aperfeiçoada por Einstein. Existe a interação eletromagnética, carregada pelos fótons; a interação fraca, aquela que comanda a desintegração do nêutron em próton mais elétron mais neutrino; e existe a interação nuclear, a mais forte de todas e que dá estabilidade à matéria. Existimos porque existem as interações nucleares, que fazem com que nêutrons e prótons no núcleo atômico se reúnam, formando configurações estáveis. Já a gravitação, do ponto de vista da Física Atômica, é a mais fraca de todas, mas no universo é quem comanda soberana, porque uma estrela, por exemplo, é formada pela atração gravitacional da matéria que começa a se contrair. Tudo o que é massa, tudo o que é energia, sofre essa atração mútua e começa a se contrair, mas à medida quese contrai vai aumentando a temperatura até chegar a um ponto tal em que se produzem reações nucleares entre essas partículas.
De quanto é essa temperatura?
Oooh… bilhões de graus centígrados. Há o aquecimento e então reações nucleares que emitem luz, emitem ondas, e é por isso que as estrelas são visíveis. Mas a interação importante nas estrelas é a transformação de hidrogênio em hélio. O hidrogênio reage entre eles e produz o gás hélio. Existe sempre uma quantidade finita e quando essa quantidade queima toda não há mais material para reações nucleares. Não as havendo, a gravitação dá uma gargalhada e continua mandando e contraindo, aumentando a temperatura nessa contração, e dependendo da massa da estrela ela pode dar uma parte, são as supernovas, e vê-se quando elas queimam, produzindo uma grande luminosidade. Mas existe entre as partículas uma repulsão fundamental, que provém do princípio de Pauli. Ele é o prêmio Nobel com quem trabalhei, Wolfgang Pauli.
O senhor trabalhou com ele em 1945?
Sim, em Princeton. Pauli diz que não pode haver mais de um elétron em cada estado. Ou existe zero ou um, se vier um outro elétron, ele passa para o estado superior. Quando a matéria se contrai é como se houvesse uma força de repulsão, os elétrons não podem ocupar todos a mesma posição. Essa força se contrapõe à atração gravitacional, e chega um momento em que se forma o buraco negro, porque a gravitação manda sempre e termina formando um campo de gravitação muito forte, que atrai tudo para dentro dela. A luz, por exemplo, sai normalmente, mas chega a um campo de gravitação tão forte que fica presa. Por isso temos o buraco negro, que só se sabe que existe pelo fato de ter uma massa grande e sem visibilidade alguma que atrapalha o movimento das outras partículas. Sempre me interessei por essas forças, trabalhei com Pauli sobre as forças nucleares, mas depois passei a estudar as interações fracas – aquelas que comandam a desintegração do nêutron em próton, elétron e neutrino,ou ainda o bóson Pi, que se desintegra em uma partícula chamada muon e um neutrino. Pauli inventou o neutrino em 1930, porque verificou-se que existem núcleos que se desintegram emitindo elétrons e esses elétrons que saem deveriam ter uma energia definida, resultado do núcleo filho menos o núcleo pai. Essa energia devia ir no elétron.
Mas alguma coisa atrapalha isso.
Ah, é, mas o elétron você encontra de todas as energias possíveis, desde esse máximo até zero, e ninguém compreendia por quê. Até que Pauli mandou uma carta para uma reunião que houve na Alemanha, porque ele tinha uma dança, um encontro para ir, dizendo: “Prezados senhoras e senhores radioativos…”, e observava que o fato de o elétron ter todas as energias possíveis, até essa energia máxima, provém do fato de que um núcleo, quando se desintegra num outro núcleo, faz sair um elétron e uma partícula nova, de massa muito pequena, podendo ser zero, e a energia é distribuída entre as duas partículas: ou o elétron ou isso que ele chamou de nêutron, mas é neutrino – ainda não havia o nêutron. Depois ele foi descoberto e Enrico Fermi, a quem Pauli contou essa teoria, disse les particelle di Pauli sono piu tosto, são antes neutrinos e não neutrones, são pequenos.
Quem descobriu o nêutron?
Chadwick. Houve uma reação, na qual bombardeando acho que berílio com partículas alfa produziram-se partículas que Joliot e Irene Curie verificaram que tinham a propriedade, quando absorvidas por umaregião que tem próton, de mandar prótons para fora. Joliot achava que eram fótons de muito alta energia. Daí Chadwick disse que se saem prótons é porque vem uma partícula com massa quase igual à do próton e emite um. Quando se tem duas partículas que se faz interagir, uma pode passar a outra toda para ela, e essa fica parada. Um problema de mecânica que acho que Joliot não entendeu bem. Então ele achou que havia essa partícula, devia ser o nêutron, cuja massa é um pouquinho superior à do próton, e ele era o homem para descobrir porque, já desde 1919, o grande Rutherford havia predito que no hidrogênio você tem o elétron em torno do próton, isso terminaria caindo, e elétron mais próton, negativo com positivo, daria uma partícula neutra. Depois Chadwick começou a procurar e, quando viu essa reação que produzia próton, achou que era uma partícula neutra, era o nêutron. Então o nêutron se desintegra dando um próton mais um elétron, mais o neutrino. Esse neutrino então foi inventado por Pauli, tinha uma partícula de massa muito pequena, podendo ser zero, e passou-se muito tempo sem se descobri-lo. Depois descobriu-se, César Lattes com Occhialini e Powell descobriram o píon, que se desintegra dando múon mais uma partícula neutra, que se pensava que fosse o mesmo neutrino. Mas, invertendo a reação, bombardeando a matéria com esse neutrino que sai, verificou-se que se ele fosse o mesmo do nêutron produziria um nêutron nessa reação inversa, o que não acontecia: essa partícula neutra saída dava lugar a píons, a múons, e então, além do neutrino de Pauli, que aparece na desintegração do nêutron, há um neutrino muônico que é ligado à desintegração do píon em múon mais esse neutrino.
Então diferentes partículas têm o seu neutrino correspondente.
É, tem três tipos de neutrino: o eletrônico, o muônico e o tauônico, esse descoberto recentemente.
Quando se descobriu o nêutron?
Em 32. O píon e o múon em 1946, 47… Já o o tau é bem recente, da década de 70.
Há alguma relação entre a descoberta das partículas em 46, 47 com as pesquisas que estavam sendo feitas no projeto Manhattan?
Não. O Projeto Manhattan queria fabricar bomba atômica e o pessoal só pensava em fazê-lo antes que Hitler o conseguisse. Nessa época eu estava em Princeton trabalhando com Pauli. Passou-se muito tempo sem saber como se dava a desintegração do nêutron em próton mais elétron mais antineutrino. Então, finalmente, Feynman e Gell-Mann acharam que essa interação fraca do nêutron em próton, elétron e neutrino era do tipo vetorial. Quer dizer: há uma forma geométrica. Podia ser escalar, podia ser várias outras, eles achavam que devia ser vetorial. Aí eu imediatamente pensei que haveria bósons w+ w- que eram intermediários entre nêutron, próton, elétron e neutrino, e deviam ser vetoriais. Como o fóton da luz também é vetorial, achei que deviam ter um laço de família.
O nome “bóson” aparece aí.
Não, antes. Os bósons são partículas cujo spin é inteiro, ou 0 ou 1 ou 2, etc. E há os férmions, como o nêutron, próton, elétron, neutrino, cujo spin é um meio, é fracionário. Fiz um trabalho em 1958 em que propus uma relação entre o bóson e o fóton, e a partir daí uma igualdade entre a interação fraca e a constante eletromagnética que é dada pela carga do elétron. Quando fiz essa hipótese, obtive o valor da massa dos bósons w+ e w-, na ordem de 60 massas do próton. Isso foi novidade, e o C. N. Yang não acreditou. Ele achava que a massa do bóson seria apenas um pouco superior à do próton. Propus no mesmo trabalho a existência de um bóson neutro, que hoje se chama Z0 (z-zero), que se devia buscar na interação de elétrons com nêutrons.
Esse bóson neutro só foi descoberto na década de 80, não é?
Por aí, é. Mas pouca gente tinha lido meu trabalho, embora tivesse sido publicado na Nuclear Physics, uma publicação holandesa muito importante. O Yang depois publicou um artigo no qual dizia que o meu trabalho, embora não tivessem lido, era o mais ligado às pesquisas atuais.
Depois de seu trabalho com os bósons, o que o senhor passou a pesquisar?
Passei a estudar a possibilidade de haver léptons com spin excitado. Léptons são partículas ultraleves, elétrons, neutrinos leves. E mantive os estudos com léptons até alguns anos atrás.
O que o senhor considera sua contribuição mais importante para a Física?
Essa dos ws sendo bósons vetoriais ligados ao fóton. Isso dá uma unificação que fui o primeiro a apontar, porque propus que a força fraca tivesse uma constante g igual à força eletromagnética e. Hoje g não é igual a e, mas é multiplicado por um outro fator. Esse foi meu trabalho fundamental, e Steve Weinberg, em seu discurso quando recebeu o Nobel, o citou. Yang também citou e muita gente, mas ele não caiu no gosto popular. Não passou a ser obrigatoriamente citado, apesar de o Weinberg continuar citando, inclusive no livro que acaba de publicar, assim como o Yang.
Como, em um ambiente com escassa compreensão sobre o papel da pesquisa científica, pôde se formar no Brasil uma geração de físicos de primeira linha?
Bom, essa Física fundou-se com a criação da Universidade de São Paulo (USP). Os que fizeram a USP mandaram um matemático da Politécnica, Teodoro Ramos, buscar professores lá fora. Ele foi ao Enrico Fermi, que indicou Gleb Wataghin, que veio para cá e fundou a Física moderna no Brasil. Ele formou o Mário Schenberg, o Marcelo Damy de Souza Santos e eu também vim para São Paulo.
Na época o senhor estava no Rio.
Sim. Eu fiz química no Recife, influenciado pelo professor Luiz Freire, que me fez ir para o Rio, onde fiz o curso na Faculdade Nacional de Filosofia. Daí, quando a Física moderna começou a ser feita em São Paulo, vim trabalhar com Mário Schenberg em São Paulo. Todo mundo vinha para esse ambiente criado por Gleb Wataghin. Veio o Lattes, fomos colegas, veio muita gente e foi-se produzindo essa coisa nova. Em 1948 fui à Argentina e lá encontrei um físico alemão, Richard Gans, que queria compreender por que havia sido feita essa escola brasileira, se na Argentina, disse-me, ele tinha estado antes e não conseguira o mesmo.
Bem, depois de seu tempo em São Paulo o senhor fez todo um esforço para implantar um núcleo no Rio e as coisas não pareciam muito fáceis nem muito simples. Como foi isso?
Quando terminei meu doutorado em Princeton fui nomeado professor da Faculdade Nacional de Filosofia. O diretor era o San Tiago Dantas. Eu queria que os professores ganhassem salário de tempo integral, como em São Paulo. Mas havia o Dasp (Departamento Administrativo de Serviço Publico), que proibia o tempo integral. Então eu comecei a lutar. Estávamos no governo Dutra (General Eurico Gaspar Dutra) e depois no segundo governo Vargas (Getúlio Vargas). Eu fazia discursos, escrevia artigos, porque achava que era importante criar um ambiente igual ao de São Paulo. Queria que o Lattes, quando voltasse da Inglaterra, viesse para o Rio e, quando ele descobriu o píon, propus que se criasse a cadeira de Física Nuclear na UFRJ, o que foi feito. O Lattes viajou até o Rio para ver qual era a situação, e eu lhe disse “está ruim, porque o reitor nem nos apóia.” Acho que ele nem sabia que existia Física Nuclear e a bomba atômica… Aí um amigo chamado Nélson Lins de Barros me levou ao João Alberto de Barros, irmão dele e um político importante, que tinha feito parte da Coluna Prestes, do Tenentismo… Era homem do Getúlio, que o fez ser interventor em São Paulo, e era então ministro do Itamaraty. Quando expliquei a ele que a Física Nuclear não podia ser feita porque os professores não ganhavam suficientemente e que a universidade não nos apoiava, ele disse “então vamos fazer fora da universidade.” E criou-se o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Em que ano?
Em 1949. Como uma instituição privada, financiada pelo próprio João Alberto, pelo presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Euvaldo Lodi, que dava cem contos por mês… Saíamos, pedíamos para os sindicatos, houve um banqueiro, Mário de Almeida, que também nos deu dinheiro e construímos o pavilhão onde se instalou o laboratório, perto de onde estamos, no campus da Praia Vermelha da UFRJ. Em 1951 criou-se o CNPq, e Álvaro Alberto, o presidente, prometeu nos dar dinheiro. O centro estava no apogeu quando Getúlio suicidou-se, houve uma crise geral, e arquivou-se o projeto de um ciclotron de alta energia. O centro entrou em crise, porque só conseguíamos a metade do que precisávamos. Depois veio a inflação enorme, já com Juscelino (o presidente Juscelino Kubitschek), com Jango (o presidente João Goulart). Quando houve o golpe de 1964, pedi demissão do cargo de diretor científico do CBPF.
E aí o senhor saiu do Brasil.
Fui para a França a convite do físico Maurice Levi, e permaneci na Faculdade de Ciência de Orsay, em Paris, de 1964 a 1967. Voltei em 1967 e reassumi na universidade e no CBPF. Mas em 1969 fui cassado pelo AI-5 (Ato Institucional número 5) e fui embora, primeiro para o Pittsburgh Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, mas não quis ficar, não gostei do ambiente, afinal lá estavam o Nixon e o Kissinger, que tinham apoiado o golpe no Brasil. Um ano depois recebi um convite e fui para Estrasburgo, na França, onde fiquei até 1986.
O senhor, como Schenberg, era membro do Partido Comunista?
Nunca fui. Eu apoiava as reformas de base e tudo, mas nunca pertenci a um partido que poderia fazer uma revolução de que eu não gostasse. Mas eles (os militares) consideraram que eu era.
A situação política determinou um atraso na física brasileira?
Bem, eles tiraram o Schenberg, a mim, vários outros, houve muito protesto, cartas mandadas por físicos franceses, americanos, o Yang mandou uma carta para Costa e Silva (o presidente militar Arthur da Costa e Silva), mas a chamada revolução foi implacável. Depois, o ministro Veloso (João Paulo dos Reis Veloso, ministro do Planejamento) achou que era tudo uma besteira e trouxe gente como Sérgio Porto, o Rogério Cerqueira Leite, que voltou dos Estados Unidos para a Unicamp, fundada por Zeferino Vaz em 1970. Então, mesmo na ditadura, muita gente estava trabalhando, o grupo de Campinas, o pessoal de Recife, que começou a se desenvolver. Se houve um atraso real foi mais na formação de gente.
Como o senhor vê os avanços mais recentes em sua especialidade física, que parecem tornar ultrapassado o modelo padrão das partículas e trazem notícias como a da divisão do elétron (ver box)?
Essas informações de que o modelo está ultrapassado são interessantes. Tenho simpatia pela supersimetria, mas até hoje não foram descobertas as partículas que a confirmem. A partição do elétron é uma novidade interessante. Na França estudei como pode se decompor, mas aqui há uma grande novidade da decomposição em uma partícula mais um elétron.
Por que não há um Nobel brasileiro?
O Carlos Chagas teria sido prêmio Nobel. Ele foi indicado, mas muitos médicos brasileiros foram contra. E houve outras pessoas também que mereciam. O Henrique Rocha Lima, do Biológico em São Paulo, o César Lattes, que descobriu o píon e não ganhou, porque quem ganhou foi o Powell, que era o chefe do laboratório, o Gilberto Freyre… A Argentina tem prêmios Nobel, por que nós não?
O senhor mesmo, por exemplo?
Não me coloco nessa lista. Quando perceberam a importância do meu trabalho já tinha passado muito tempo.
Turbulências no mundo das partículas
De tempos em tempos, teorias aparentemente sólidas e brilhantes como diamantes são destruídas por outras teorias emergentes, que mostram as falhas da anterior e apontam novos caminhos. A situação é absolutamente natural. Os problemas começam quando uma velha lei da ciência é derrubada e não se sabe o que colocar no lugar. Em 1900, Max Planck publicou o primeiro trabalho com a primeira versão da teoria quântica e começou a construir um modelo de como o Universo funciona. Cem anos depois, o resultado dos trabalhos dos físicos teóricos, de analisar os resultados dos experimentos saídos dos aceleradores de partículas de alta energia, está chegando ao fim com a descoberta da partícula chamada bóson de Higgs. O problema é que o modelo padrão, ao que parece, está definitivamente envelhecido, segundo relata a revista The Economist, de 7 de outubro.
A situação remete ao século 19, antes de Max Planck anunciar suas idéias, quando os físicos tinham uma descrição pronta do Universo, uma espécie de “teoria de tudo”. Os físicos de hoje são mais cautelosos e sabem que não é prudente afirmar ter uma teoria à prova de falhas. Eles também não têm noção de qual será o próximo passo, que mudará os paradigmas vigentes.
A revista New Scientist, de 14 de outubro, revelou que o pesquisador britânico Humphrey Maris é quem mais contribui para o debate sobre o futuro da física. Maris, da Brown University, afirma que há 30 anos o impensável aconteceu em Minnesota: pesquisadores quebraram o “indivisível” elétron em fragmentos. E, até agora, ninguém conseguiu provar o contrário. “Esses fragmentos de elétrons se comportam, para todos os meios e fins, como partículas totalmente separadas”, diz. “Eu as chamo de eletrinos.” As afirmações sacudiram o mundo da física porque nestes 103 anos, desde que foi descoberto, não houve nenhuma evidência de que o elétron seja divisível. “Humphrey conseguiu expor uma falha na estrutura da Teoria Quântica”, admitiu para a New Scientist Peter McClintock, da Universidade de Lancaster.
Maris imaginou que um elétron em uma bolha de hélio líquido poderia ser colocado num estado instável em forma de halteres e pressionada de tal modo que fosse possível separá-la em duas. Antes de testar a idéia, o físico vasculhou a literatura existente para ver se alguém já havia feito o mesmo. Descobriu o que procurava em artigos escritos no final dos anos 60, quando Jan Northby e Mike Sanders, na Universidade de Minnesota, estudaram a velocidade das bolhas de elétron se movendo no campo elétrico em hélio líquido. Em 1971 e 1984, outros pesquisadores fizeram trabalhos semelhantes. Ocorre que nenhum deles descreveu a divisão do elétron.
O próprio Maris passou anos sem contar para ninguém o que pensava. Apenas em junho deste ano ele apresentou seu trabalho numa conferência em Minneapolis e o publicou no Journal of Low Temperature Physics (vol. 120, pg. 173). No final, mais de cem físicos questionaram cada aspecto da teoria. Mas Maris tinha resposta para tudo e, apesar de ninguém ter descartado totalmente a possibilidade da divisão da partícula, os críticos não condescenderam. “A idéia de um elétron se separar em fragmentos é totalmente incompatível com a Teoria Quântica de Campos”, diz Anthony Leggett, da Universidade de Illinois, embora até admita que possa haver algo errado com a teoria. A maioria dos físicos acha que a argumentação de Maris desmorona na primeira dificuldade, embora ainda não saibam precisar como. O temor é compreensível. Se a descoberta for verdadeira, a Teoria Quântica estará errada – e não há nada para se colocar no lugar.
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