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CERÂMICA

Novo molde de desempenho industrial

Cepid apóia modernização das 108 empresas do pólo cerâmico de Porto Ferreira

O pólo cerâmico de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, está investindo na inovação tecnológica para garantir a sobrevivência de suas 108 empresas. Nos últimos anos, a baixa qualidade da matéria-prima, o alto custo de produção e o design pouco inovador comprometeram o desempenho da indústria local, levando à falência centenas de empreendimentos. O pólo produz, atualmente, uma média mensal de 3 milhões de peças, fatura R$ 50 milhões por ano e gera 4 mil empregos diretos – 45% da mão-de-obra da indústria local.

As empresas apostam na expansão da atividade e, com o apoio do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), estão modernizando processos para conferir padrão internacional de qualidade ao produto. “Porto Ferreira é o maior centro de cerâmica artística no país. Se não houvesse uma mudança tecnológica, a tendência seria o pólo desaparecer”, afirma Elson Longo, coordenador de pesquisas do Liec, que integra o Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) patrocinados pela FAPESP.

O projeto de recuperação do pólo é resultado de parceria técnica entre o Sindicato das Indústrias de Produtos Cerâmicos de Louça, Pó de Pedra, Porcelana e Louça de Barro de Porto Ferreira (Sindicer) e o Liec, firmada no final de 1999, com três objetivos básicos: melhorar a qualidade da massa cerâmica, reduzir gastos de energia e buscar um novo design para o produto. “Hoje, as palavras de ordem são preço e competitividade”, justifica Longo.

O primeiro passo foi reativar o laboratório do Sindicer, instalado num prédio da prefeitura municipal de Porto Ferreira, dotando-o de infra-estrutura, financiada pela FAPESP, de forma a desenvolver pesquisa aplicada. As mudanças começaram pela substituição da matéria-prima. A grande maioria das empresas utilizava argila de São Simão, um veio considerado fabuloso 90 anos atrás, mas há muito exaurido. “Agora é só rebarba”, comenta Longo. Com alta absorção de água, a peça cerâmica era frágil, além de contribuir para elevar o custo de produção: as empresas pagavam R$ 270,00 a tonelada, quando o preço cobrado por fornecedores do Paraná e de Minas Gerais não era superior a R$ 45,00.

Antes de prospectar novos mercados, o laboratório definiu especificações e padrões de qualidade para a matéria-prima, desde a quantidade adequada de argila até a tonalidade dos pigmentos cerâmicos. Mais que isso: utilizando tecnologia de ponta, foi criada uma espécie de banco de dados de cores como branco e bege, para conferir homogeneidade aos conjuntos cerâmicos e lotes de produtos. “Quando a empresa faz um pedido, descreve as características do material e assim é possível verificar, por características simples, se ela está comprando o que solicitou”, explica Longo.

Com o objetivo de melhorar ainda mais a qualidade e reduzir custos de transporte de matéria-prima, o Liec, o sindicato e a prefeitura de Porto Ferreira avaliam, junto com um grupo de especialistas da Sociedade Espanhola de Cerâmica e Vidro, do Departamento de Química Inorgânica da Universidade Jaume I, da Espanha, e da empresa Tierra Atomizada, também espanhola, a viabilidade de instalar no município uma indústria de produção de massa cerâmica.

O segundo objetivo do projeto prevê a conversão dos fornos elétricos, nos quais são queimadas as peças cerâmicas, para operar com gás, em pelo menos 30 empresas do pólo. “O gás queima com temperatura controlada e mais elevada, o que é mais adequado para materiais cerâmicos”, diz o coordenador do Liec. Também reduz o teor de absorção de água de 28% para 14% a 15%, um percentual compatível com padrões internacionais de qualidade, critério fundamental para que os fabricantes pudessem disputar o mercado externo.

Vinte e duas empresas já adaptaram seus fornos para utilizar o novo combustível e, na maioria dos casos, a troca representou uma economia de, no mínimo, 30% nos gastos com energia. “O consumo de 66 mil kW/mês caiu para 2 mil kW/mês”, conta Ademir Varaldo, presidente da Pirâmide Cerâmica Artística Ltda.

Desde que o governo federal adotou medidas de racionamento de energia elétrica, impondo cortes no consumo das indústrias, a substituição dos fornos tornou-se prioridade entre as demais empresas do pólo. “Muitas ainda não utilizam o gás porque não existem empresas especializadas em número suficiente para atender à demanda”, justifica Longo.

A conversão dos fornos é a primeira etapa do projeto de energia. “Temos de partir para a substituição dos queimadores, o que é mais caro, mas já estamos buscando alternativas para novos investimentos”, afirma Hans Otto Kurt Beran, presidente do Sindicer e diretor da Cerâmica Ana Maria. Também está sendo avaliada, com os especialistas espanhóis, a possibilidade de adaptar os fornos para a co-geração de energia. “Os fornos da indústria cerâmica jogam na atmosfera gás quente, que pode ser utilizado para produzir energia elétrica”, diz Longo.

Novo design
O terceiro objetivo da parceria, e talvez o mais complicado, é melhorar o design das peças. Um grupo de três técnicos do Liec está trabalhando com os fabricantes, buscando dar personalidade aos produtos das indústrias. O grande problema, na avaliação do presidente do Sindicer, é que a maioria das empresas não tem definido o seu foco de mercado e, portanto, não consegue imprimir identidade às peças. “Pelo menos 70% da produção do pólo é voltada para consumidores de baixa renda.

Isso desvaloriza o nosso produto, não traz resultado financeiro e desestimula as empresas a investir no design”, afirma, descrevendo um círculo vicioso cruel no qual se enredou parte dos produtores local. Outra característica do mercado consumidor que não contribui para a inovação das peças é o fato de pelo menos 30% da produção ser vendida pelo sistema porta a porta em todo o Brasil, por um batalhão de 15 mil vendedoras. “É preciso diversificar as vendas. O mercado formado por lojas e grandes magazines, por exemplo, ainda é muito pouco explorado, justamente por falta de produto de qualidade”, diz.

Nessa faixa de consumidores das classes C e D, a cerâmica artística disputa mercado com objetos de acrílico, alumínio e com presentes vendidos a preços populares. “A cerâmica italiana e portuguesa compete não pelos preços, mas por seu design e qualidade”, compara Beran.

A substituição da massa cerâmica e a conversão dos fornos já começam a apresentar resultados. A Cerâmica Pirâmide, por exemplo, há três meses iniciou a exportação de peças. Hoje, as vendas externas representam 5% do faturamento mensal. “Fechamos o nosso quarto negócio”, comemora Varaldo, presidente da empresa. A Unicer, um consórcio que reúne oito fabricantes, exportou, no ano passado, um container para a África. “Mas ainda são negócios esparsos”, pondera o presidente do Sindicer. Os investimentos no design e na qualidade do produto, ele prevê, criarão novas oportunidades para as empresas.

Agregando mão-de-obra
O pólo cerâmico de Porto Ferreira, que começou a se formar em 1957, teve seu auge no final da década de 80. Na época, 260 pequenas indústrias formavam a base da economia do município de 43 mil habitantes. “Hoje, os investimentos em tecnologia nos dão perspectivas de sobrevivência”, afirma Beran. Na Espanha, por exemplo, ela é a base da economia da região de Castellon de la Plana, disputada por consumidores em todo o mundo. A produção cerâmica tem a vantagem de ter custos muito baixos e agregar uma grande quantidade de mão-de-obra. Beran calcula que o investimento exigido para a geração de um emprego não é superior a R$ 1,5 mil.

O projeto de modernização do pólo cerâmico é antigo. Em 1989, o Sindicer e a prefeitura de Porto Ferreira firmaram um convênio técnico com a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para implantar um laboratório de pesquisas e buscar novas tecnologias de produção. A distância de São Paulo, o atraso na liberação de verbas e a falta de disponibilidade de técnicos, no entanto, fizeram com que o projeto não decolasse. “Queríamos parceiros mais próximos e procuramos o apoio do Liec”, lembra Beran.

O processo de recuperação começou como um Projeto Integrado, com recursos financiados pela FAPESP. Desde setembro do ano passado, passou a integrar os programas dos Cepids, que têm como objetivo desenvolver pesquisas de caráter inovador e que contribuam para o desenvolvimento de novas tecnologias. Também participam deste Cepid pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Araraquara), Universidade de São Paulo (USP/São Carlos), do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/CNPq),do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/São Paulo) e Centro Cerâmico Brasileiro (CCB).

Uma história de boas parcerias

A parceria com empresas é uma prática desenvolvida pelo Liec há mais de 13 anos, com apoio financeiro da FAPESP, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Sistema Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae), do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e das indústrias. A primeira delas foi firmada com a Cerâmica Saffran. As pesquisas tinham como objetivo reduzir custos e aumentar a produtividade de materiais refratários.

A interação com a White Martins também resultou no desenvolvimento de tecnologia industrial de controle da atmosfera de oxigênio dos fornos durante a queima, sem ônus para a produção. O novo processo, adotado pela Cerâmica Gerbi, em Mogi Guaçu, melhorou a qualidade da queima da matéria orgânica, permitiu ganhos de produtividade com a redução de 44 para 35 minutos no ciclo total da queima e um aumento de 30% na produção do forno industrial.

O invento, patenteado pela White Martins e UFSCar, mereceu o Prêmio de Inovação Tecnológica da Associação Nacional dos Fabricantes de Materiais de Construção (Anamaco). A nova tecnologia aumenta a quantidade de oxigênio circundando os revestimentos cerâmicos, acelera a eliminação de matérias orgânicas, reduzindo o tempo de queima. Dessa forma, a velocidade e a produtividade do forno são aumentadas, e o ciclo de queima, reduzido. No forno de queima de revestimentos para paredes, por exemplo, a produção cresceu de 290 mil metros quadrados (m2) mensais para 360 mil m2, um aumento de 24%.

O processo permite, ainda, aproveitar matérias-primas menos puras, sem prejuízo da qualidade do produto.O Liec desenvolve pesquisa, desde 1989, com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que resultou num retorno no valor total de US$ 70 milhões. Essas pesquisas geraram, por exemplo, nova tecnologia para reforma do alto-forno da siderurgia. “Conseguimos um recorde mundial. O tempo médio para a reforma do alto-forno, que era de 28 a 31 dias, caiu para 20, representando uma economia de US$ 2,5 milhões para a companhia”, conta Longo.

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