Não basta produzir fios de dimensões ínfimas, com a espessura de 1 milionésimo de milímetro, para pavimentar a promessa da nanotecnologia de miniaturizar dispositivos eletrônicos. Também é preciso aprender a emendar esses fios com conexões do tamanho de uma simples molécula, tarefa que começa a ser compreendida pelos físicos. Um artigo recente da revista Physical Review Letters lançou luzes sobre um fenômeno essencial no comportamento dos elétrons nessas emendas, as nanojunções. O trabalho, assinado por pesquisadores do Brasil, da Itália e dos Estados Unidos, mostra que as leis que regem o comportamento do transporte de elétrons em circuitos, mesmo nos da microeletrônica, podem não se aplicar a novos problemas da nanoeletrônica. Como exemplo, uma nanojunção, sistema metálico estreitíssimo, até da largura de um átomo, que conecte dois condutores, tem características novas.
Tanto em materiais de dimensões normais quanto em fios nanoscópicos pode-se considerar que o comportamento de um elétron transportado na corrente sofre influência do “efeito médio” de todos os elétrons nos arredores. Mas há metais especiais, em que a existência de um estreitamento ou confinamento – caso típico da nanojunção – pode afetar a passagem de corrente. Esses metais estão na base de muitas propostas para eletrônica molecular. O trabalho levou em conta uma nanojunção de platina, metal com elétrons muito localizados numa mesma subcamada atômica. Na falta de espaço, os elétrons conduzidos são obrigados a evitar os elétrons hospedados no átomo. Em vez do efeito médio, domina a repulsão entre cada par de elétrons, fenômeno conhecido como “correlação eletrônica”.
“Ou esse efeito é considerado, ou se vai calcular tudo errado”, diz Marília Caldas, professora do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, que assina o artigo em parceria com Andrea Ferretti, Arrigo Calzolari, Rosa Di Felice, Franca Manghi e Elisa Molinari, da Universidade de Modena, na Itália, e Marco Buongiorno Nardelli, da Universidade da Carolina do Norte. No artigo, os autores propuseram uma maneira matemática de incluir a correlação eletrônica no cálculo do transporte eletrônico e a aplicaram à nanojunção de platina. A representação da passagem dos elétrons pela junção (condutância ou transmitância) é diferente quando se utiliza o novo cálculo. O diagrama apresenta formas de patamares largos no caso do campo médio, o que indicaria boa condutância. Mas quando a repulsão de cada par de elétrons é incluída os patamares se deformam, com perda drástica da condutância.
O trabalho de Marília Caldas é um exemplo entre vários da expertise do Instituto de Física na pesquisa teórica sobre as propriedades de novos materiais. No final de 2001, estudo liderado por outro professor da instituição, Adalberto Fazzio, estampou a capa da mesma Physical Review Letters. O artigo descrevia descobertas sobre o comportamento dos átomos de nanofios de ouro, material estratégico para a fabricação de componentes para futuras gerações de computadores. O desafio é transformar os achados em inovações práticas, missão para a qual outros países estão mais preparados que o Brasil. “Nossa pesquisa tem importância teórica e na formação de recursos humanos, mas é preocupante que não haja uma política industrial capaz de garantir a transformação da riqueza em produtos”, diz Fazzio.
Republicar