Miguel BoyayanCom o aumento de gás carbônico (CO2) no ar, que é consequência das mudanças climáticas globais, a cana-de-açúcar se torna mais eficiente em transformar energia solar em biomassa. Esses resultados foram apresentados pelo biólogo Marcos Buckeridge, da Universidade de São Paulo (USP), durante o workshop Bioen/PPP Ethanol on Sugarcane Photosynthesis. O encontro aconteceu na FAPESP no dia 18 de fevereiro como parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), que fomenta a investigação científica relacionada a encontrar maneiras mais eficientes de produzir energia a partir de processos biológicos, e reuniu pesquisadores brasileiros e suecos para discutir a busca por fontes limpas de energia e procurar caminhos para parcerias científicas. Para além de usar a cana-de-açúcar como reator biológico, os suecos da Universidade de Uppsala investigam formas de reproduzir as reações da fotossíntese sem ajuda de plantas, como contou o bioquímico Stenbjörn Styring.
A iniciativa de organizar o workshop veio do engenheiro agrícola Luis Augusto Cortez, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, a produção da cana-de-açúcar representa 70% do custo total da de etanol, daí o imperativo de se melhorar a produtividade. “Entre 2005 e 2025 será possível praticamente dobrar a produtividade unicamente com melhorias tecnológicas no cultivo e nas plantas”, disse. Ironicamente, as mudanças climáticas globais podem contribuir para essa busca, conforme mostra o trabalho de Buckeridge e sua doutoranda Amanda Pereira de Souza. “Queríamos encontrar maneiras de combater o aumento de CO2 na atmosfera e descobrimos que a cana tira proveito disso”, diz ele.
Buckeridge e Amanda chegaram a essas conclusões cultivando cana-de-açúcar dentro de câmaras transparentes em que podem manipular a concentração de gás carbônico e comparar como as plantas crescem em ambiente normal e na presença de ar com o dobro de CO2. Os resultados, publicados na revista Plant, Cell and Environment, mostram que plantas que cresceram por 50 semanas em ambiente rico em gás carbônico realizaram em média 30% mais fotossíntese, ficaram 17% mais altas, usaram água de maneira mais eficiente e ganharam 40% mais biomassa total, o que inclui caules, raízes e folhas. Esse aumento é precioso para a produção do etanol celulósico, obtido a partir da parede celular dos vegetais, uma das apostas para aproveitar melhor a cana-de-açúcar como combustível.
Para entender as transformações que tinham levado a cana a produzir mais, os dois biólogos estabeleceram uma colaboração com Glaucia Souza, do Instituto de Química da USP. Juntos, eles examinaram a atividade genética das plantas cultivadas nas duas condições e encontraram diferenças na expressão de 36 genes: 14 estavam reprimidos e 22 mais ativos nas plantas que receberam mais CO2. Quatro desses genes têm relação conhecida com a fotossíntese, a maior parte deles com o transporte de elétrons, uma parte importante das reações químicas desse processo biológico que está na base de toda a vida deste planeta. Buckeridge e Amanda repetiram em 2008 o experimento nas câmaras de gás carbônico e verificaram que de fato o transporte de elétrons é 43,5% mais eficiente nas altas concentrações do gás. Como essa segunda fase do experimento se concentrou em uma época com temperaturas mais altas, os resultados foram ainda mais marcantes: 60% de aumento na fotossíntese, dando origem a uma biomassa 60% maior do que as plantas cultivadas em ar normal.
Para direcionar o aumento na produtividade mesmo que as mudanças climáticas globais sejam revertidas e a composição do ar não sofra as alterações agora previstas, resta compreender exatamente como o gás carbônico atua para melhorar a eficiência da fotossíntese em capturar luz, tarefa em que o encontro na FAPESP pode ter ajudado. Enquanto seu colega Fikret Mamedov descrevia a fotossíntese em detalhes, Styring apontava a Buckeridge proteínas que podem ser responsáveis por suas observações. “Ele me mostrou coisas em que eu nunca tinha pensado”, contou o pesquisador da USP.
Movido a sol
Styring mostrou que é preciso ser ousado para fazer frente à ameaça da crise energética. Para ele, apenas melhorar tecnologias já existentes de produção de energia, como a queima de combustíveis, não vai salvar o mundo. E considera primitivos os painéis solares atuais, que são ineficientes – simplesmente modificá-los não representará um aumento substancial na energia que produzem. “É preciso fazer hidrogênio para combustível diretamente com a luz do sol”, disse. Segundo o bioquímico sueco, muita energia é perdida quando se usam plantas para transformar luz solar em combustível. A solução, para ele, é a fotossíntese artificial: desenvolver biorreatores que imitem o essencial das reações que acontecem dentro das plantas para produzir energia. O pesquisador sueco acredita ser possível, mas ainda não tem como dizer quando nem quanto custará.
O primeiro problema é selecionar o que copiar, já que a fotossíntese inclui uma série complexa de reações. “Quando os gregos queriam aprender a voar, olharam para as aves”, comparou. Depois de muito experimentar, descobriram que asas eram de fato úteis, mas outras características dos animais voadores não eram úteis. “Aviões não põem ovos, e as pessoas que tentaram voar batendo as asas morreram”, brincou. Na fotossíntese também é preciso descobrir o que importa, daí a necessidade de conhecer o processo em todos os seus detalhes.
Mamedov mostrou que o grupo da Universidade de Uppsala tem os meios para desvendar esses detalhes, e já o fez. Agora eles vêm experimentando com o que Styring chama de Lego químico, referindo-se aos brinquedos produzidos no país vizinho, a Dinamarca: montar conjuntos de moléculas para chegar a um reator biológico. Para isso, sua equipe liga enzimas naturais a átomos de manganês, ferro e rutênio, por exemplo. Já conseguiu um complexo capaz de gerar energia, mas o pesquisador não canta vitória. “Os sistemas artificiais são uma solução conceitualmente nova e original, que tem grande potencial, mas não há como saber quando conseguiremos”, disse.
Por enquanto, Buckeridge comemora as sementes lançadas pelo encontro: Mamedov deve vir a São Paulo ainda este ano para isolar cloroplastos da cana-de-açúcar, onde se dá a fotossíntese, para depois examinar os dados na Suécia e ampliar o conhecimento sobre como essas plantas captam luz. Além disso, duas alunas de mestrado devem ir à Suécia para estudar captação de luz em duas espécies amazônicas.
Artigo científico
SOUZA, A.P. et al. Elevated CO2 increases photosynthesis, biomass and productivity, and modifies gene expression in sugarcane. Plant, Cell and Environment. v. 31, n. 8, p. 1.116-1.127. ago 2008.