O uso de ônibus urbano nas grandes cidades é imprescindível tanto para atender a população quanto para diminuir o número de automóveis nas ruas, se o serviço for de boa qualidade. Mas ao mesmo tempo é um meio de transporte que produz um nível considerável de emissões de gases nocivos ao ambiente com seus potentes motores a diesel. A solução para evitar esse problema é conhecida e consiste na utilização de veículos que produzam menos poluentes, como os movidos a etanol, ou nenhum, com hidrogênio ou eletricidade. Projetos nesse sentido estão em desenvolvimento em várias partes do mundo e o Brasil já possui um protótipo híbrido, movido a hidrogênio e baterias acumuladoras de energia, desenvolvido no país. É um ônibus aparentemente convencional para 29 passageiros sentados e 40 em pé que foi concebido e construído ao longo de cinco anos pelo Laboratório de Hidrogênio (LabH2) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Os ônibus a hidrogênio desenvolvidos até agora, como o projeto europeu Cute, possuíam grandes pilhas a combustível, muito caras e que consumiam muito hidrogênio. A evolução é fazer projetos de hibridização com uma pilha a combustível produzindo energia para baterias de íon de lítio recarregáveis, semelhantes às dos celulares mas em tamanho bem maior e próprias para tração de veículos, que fazem funcionar o motor elétrico e tracionam o ônibus”, diz Paulo Emílio Valadão de Miranda, professor da Coppe e coordenador do projeto. O Cute é o Clean Urban Transport for Europe ou Transporte Urbano Limpo para a Europa, financiado pela União Europeia e composto por 28 ônibus que rodam em várias cidades europeias desde 2004. As pilhas a combustível, nome preferido pelo professor Miranda, são conhecidas também como células a combustível, equipamento que gera energia elétrica por meio de uma reação eletroquímica do hidrogênio e do oxigênio do ar. Elas funcionam no ônibus da Coppe como um gerador dentro do veículo suprindo de eletricidade as baterias que garantem uma autonomia de um pouco mais de 100 quilômetros (km) quando recarregadas com carga completa, durante quatro horas, à noite, em uma tomada especial instalada na garagem do coletivo. “A pilha entra em funcionamento quando o estado de carga das baterias atinge um nível predeterminado pelo sistema principal de controle”, diz Miranda. Com a pilha, o ônibus consegue rodar cerca de 300 km no total sem precisar reabastecer. O sistema de pilha a combustível com potência de 77 quilowatts foi produzido pela Electrocell (ver reportagem) e as baterias foram compradas de uma indústria chinesa por meio de outra empresa brasileira que colaborou no projeto, a WEG, com sede em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, que produziu o motor elétrico do ônibus.
Outra forma de obtenção de energia elétrica no interior do veículo é a eletricidade adquirida no momento da frenagem. A energia cinética resultante do movimento do veículo é transformada em eletricidade durante o acionamento do freio ou na desaceleração, sendo armazenada nas baterias – ou nos ultracapacitores, equipamentos que também armazenam e liberam rapidamente energia elétrica – para uso em qualquer dos subsistemas do veículo. “É a transformação da energia cinética do freio em elétrica”, diz Miranda. Para controlar todos esses fluxos energéticos e fazê-los funcionar da maneira mais econômica e eficiente, a equipe de Miranda desenvolveu um sistema eletrônico de barramento inteligente que faz o manejo de energia a bordo. “Ele é composto por hardware e software que otimizam as funções energéticas do ônibus.” Esse sistema distribui a energia elétrica do veículo e fica conectado a outro sistema, o de tração, composto principalmente pelo motor elétrico, e ao sistema auxiliar, responsável por fornecer energia para luzes, ar-condicionado e acionamento de portas.
Parceiros industriais
Além da Electrocell e da WEG, a Coppe fez uma parceria técnica com outras indústrias como a Busscar, de Joinville, em Santa Catarina, que forneceu o chassi e a carroceria, a Rotarex, de Mogi-Guaçu, no interior paulista, fabricante de válvulas e conexões para gases, e mais quatro empresas cariocas, a EnergiaH, de sistemas de tração elétrica, a Energysat, de equipamentos de controle, a Controllato, de análise e soluções para vibrações a que os equipamentos são submetidos no veículo, e a Guardian, de componentes eletrônicos. O financiamento inicial do projeto foi da Petrobras e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio de fundos setoriais, no valor de R$ 2 milhões. “Esse valor representa 30% do investimento total realizado [cerca de R$ 7 milhões], computando-se os valores agregados das parcerias que aportaram, além de dinheiro, equipamentos, engenheiros e mão de obra para a construção do ônibus.”
Ainda neste segundo semestre o ônibus passará a circular dentro do campus da UFRJ na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. Depois, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Transportes e da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), será integrado a uma linha convencional de trajeto urbano na cidade. A perspectiva é que esse tipo de ônibus possa ser construído comercialmente no Brasil depois dos testes e dos acertos finais. “Existe um acordo entre os parceiros industriais e comerciais para viabilizar a produção do ônibus”, diz Miranda. A ideia inicial é tê-los nas frotas cariocas de ônibus urbano na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016. Outra experiência com ônibus a hidrogênio é realizada em São Paulo pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), num projeto financiado pelo Banco Mundial (ver reportagem em Pesquisa FAPESP nº 160).
Os próximos passos tecnológicos do LABH2 serão na produção de mais dois ônibus. Um será híbrido também, mas no lugar da célula a combustível entra um gerador a etanol para abastecer de energia as baterias de íon de lítio que fornecem a eletricidade para o ônibus se movimentar. O terceiro da série será um ônibus totalmente elétrico para rodar cerca de 200 km sem reabastecer na tomada da garagem. “No Rio, o requesito médio é de 240 km de rodagem diária”, diz Miranda. Todas essas soluções têm um objetivo único que é conter o despejo pelos canos de escapamento de 100 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por um único ônibus na cidade do Rio de Janeiro durante um ano. “Isso, fora poluentes como os óxidos de nitrogênio (NOx) e outros.” Na capital fluminense existem 9 mil coletivos e no estado são17 mil. A mudança da motorização desses veículos ou parte deles traria um grande impacto ambiental. Os ônibus que funcionam a hidrogênio emitem apenas vapor-d’água e os elétricos não emitem nada. Além disso, eles são extremamente silenciosos, contando ponto também contra a poluição sonora das grandes cidades.
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