Eduardo CesarUm artigo científico sobre o potencial da cana-de-açúcar na produção de bioenergia, de autoria de um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo e do Centro de Pesquisa em Agricultura do Havaí, atraiu um inesperado interesse de pesquisadores. Publicado na revista científica Plant Biotechnology Journal na edição de abril de 2010, o estudo faz uma revisão sobre a literatura no assunto e produz um inédito cálculo teórico mostrando quanto a cana poderia render com o uso de ferramentas biotecnológicas para criar novas variedades. A produtividade atual, que é de 80 toneladas por hectare/ano em média, poderia alcançar 381 toneladas por hectare/ano, com o desenvolvimento de variedades talhadas para a produção de bioenergia, dotadas, por exemplo, de alta produtividade, alto conteúdo de açúcar, tolerância à seca e resistência a pestes e doenças. A chamada “planta energia” precisa de crescimento rápido, necessidade reduzida de insumos para o crescimento e ser adaptada para a colheita mecanizada. Para fazer o cálculo, o estudo associa dados tecnológicos de produção da cana-de-açúcar com informações sobre a fisiologia da planta (fotossíntese, crescimento, desenvolvimento e maturação da cana) e genômica funcional (expressão dos genes envolvendo a partição de carbono, que é a maneira como a cana distribui os carboidratos que produz via fotossíntese).
Uma carta enviada recentemente aos autores pelo editor da Plant Biotechnology Journal, o biólogo Keith J. Edwards, da Universidade de Bristol, Inglaterra, informou que já haviam sido registrados mais de 1,6 mil downloads do artigo, número elevado para uma revista de interesse especializado, e encorajou-os a submeter outros “manuscritos de alta qualidade” à publicação. O interesse no artigo é revelador de um novo patamar da pesquisa sobre cana-de-açúcar, observa Glaucia Souza, autora principal do artigo, professora do Instituto de Química da USP e uma das coordenadoras do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen). “Há alguns anos tínhamos dificuldade de publicar artigos sobre biotecnologia da cana, porque se considerava que era uma planta exótica que só dá nos semitrópicos. Hoje, como muitos países buscam desenvolver energia extraída de biomassa, os estudos da cana vêm ganhando importância”, afirma. Um outro ponto é que os genes descobertos nos estudos realizados podem ser introduzidos em outras plantas permitindo ampliar o leque de opções de cultivo.
A popularidade do artigo, diz Glaucia, também mostra que o Programa Bioen está avançando no campo do melhoramento genético. “Estamos conseguindo trazer o genoma para o campo. Estamos validando em cultivares a descoberta de genes associados ao teor de sacarose descrita em artigos anteriores”, disse. Um artigo anterior, que associava genes ao teor de sacarose, também já havia sido classificado como highly accessed, observa a pesquisadora. “Fizemos nesse artigo algo incomum que foi unir a análise da fisiologia da planta a dados tecnológicos e propor uma rota para o melhoramento por meio de transgenia. Os programas de melhoramento tradicionais não estavam capacitados para fazer isso do Bioen”, afirmou Glaucia. “Com o programa, unimos forças. Os ‘moleculares’ e os melhoristas se ajudam para compreender aspectos fundamentais da cana.”
Artigo científico
WACLAWOVSKY, A.J. et al. Sugarcane for bioenergy production: an assessment of yield and regulation of sucrose content. Plant Biotechnology Journal. v. 8, 263-76. Publicado on-line 19 fev. 2010.