Podcast: Daniel Minozzi
Pelo conhecimento anterior, não é de estranhar que a prata tenha sido um dos primeiros componentes do mundo nanotecnológico. Várias empresas no mundo já utilizam essa tecnologia, principalmente para revestimento bactericida de produtos. O mercado de nanorrevestimento e nanoadesivos atingiu a marca em vendas mundiais de US$ 2 bilhões em 2009, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado norte-americana BCC Research. Segundo a consultoria, a previsão para o mercado desse setor nanotecnológico será de US$ 18 bilhões em 2015. Nesse mercado está a empresa brasileira Nanox, de São Carlos, no interior paulista, uma spin-off surgida em 2004 de dois institutos de química, um da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e outro da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, em dois grupos de pesquisa que trabalham cooperativamente e são integrantes do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, coordenado pelo professor Elson Longo.
No ano passado, 40% das vendas da Nanox seguiram para o México e Estados Unidos como matéria-prima para ser incorporada a vários tipos de peças plásticas e metálicas da linha premium das geladeiras das marcas General Electric (GE) e Mabe, como dispensadores de água, gavetas e prateleiras que evitam a contaminação cruzada entre alimentos, formação de mau cheiro e bolores. “A tecnologia age contra vários microrganismos como bactérias e fungos”, diz Daniel Minozzi, um dos três sócios da Nanox. O faturamento da empresa atingiu R$ 2,1 milhões em 2010, ante R$ 1,3 milhão em 2009. A tecnologia da Nanox, chamada de NanoxClean, na forma de filmes finos para aplicação em metais, também está desde 2010 em todos os equipamentos odontológicos produzidos pela Dabi Atlante, uma empresa 100% nacional fundada em 1945. “Desenvolvemos com a Nanox a tecnologia que leva o nome de B-Safe em nossos equipamentos”, conta Caetano Biagi, diretor industrial da Dabi. A Nanox licenciou e coordena a produção e aplicação do produto. “São mais de 15 materiais com a nossa tecnologia que possuem ação antimicrobial”, diz Daniel.
O material com nanotecnologia de prata recobre todos os objetos, como a cadeira de dentista, o aparelho conhecido como motorzinho, a luminária e os instrumentos, mangueiras e bandejas. “Decidimos colocar em toda a linha de produtos como forma de dar maior biossegurança para o dentista e os pacientes, evitando contaminações cruzadas”, diz Biagi. Assim, um dentista, ao colocar a mão na boca do paciente e depois pegar o motorzinho ou ajustar a iluminação sobre a cadeira odontológica, não corre o risco de transferir bactérias para o paciente seguinte. Esses equipamentos odontológicos com nanotecnologia já são exportados para Itália, Espanha, Portugal, Polônia, África do Sul, China, Tailândia e todos os países da América Latina. Cerca de 20% do faturamento de R$ 100 milhões da Dabi vem das exportações. “Não conhecemos nenhum tipo de equipamento com essa tecnologia no mundo, mesmo nos Estados Unidos e Europa”, diz Biagi.
Os produtos da Nanox ainda estão nos bebedouros de aço inoxidável e plástico da empresa IBBL, de Itu, no interior paulista, como bactericida, e também nos secadores de cabelo e em chapas de alisamento da Taiff, empresa instalada em São Paulo. Nesses casos, as nanopartículas eliminam microrganismos presentes nos jatos de ar ou nas chapas tornando os cabelos mais limpos, segundo a empresa. O próximo passo da Nanox é o lançamento de um produto com partículas com efeito bactericida para plásticos que servirá para confeccionar embalagens para acondicionar alimentos. “Conseguimos formular essas partículas nanoestruturadas por meio de um projeto do Programa de Subvenção Econômica da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. Elas podem ser incorporadas em vários tipos de plástico como polipropileno e PET. Esse material passou a constar em uma lista da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para uso em contato com alimentos. Isso foi possível depois de um estudo, e a comprovação da não toxicidade e não migração das partículas em plásticos, feito pelo Ital [Instituto Tecnológico de Alimentos] e Secretaria de Agricultura do estado”, diz Daniel.
Os usos da nanotecnologia são ilimitados e podem abranger de sacos de lixo para área hospitalar a tapetes e carpetes onde os ácaros são os principais inimigos a serem derrotados como agentes de alergia. “As partículas não matam os ácaros, mas matam as bactérias e fungos, que são alimentos dos ácaros, que, assim, morrem de fome.” Daniel imagina que nanopartículas possam estar também em caminhões frigoríficos, contêineres e teclados de computadores. Uma outra linha de produtos da empresa volta-se para a construção civil. É uma tecnologia que deverá ser lançada neste ano para esmalte cerâmico de pisos, revestimentos e louças que possui ação biocida e está em desenvolvimento há três anos. “É um biocida ativo que pode ser incorporado na composição da peça sem alterar o processo de produção atual de pisos, ladrilhos, pias e louças sanitárias”, afirma Daniel. A primeira impressão é de que o custo desses produtos com nanotecnologia é elevado. “Normalmente, as empresas não acrescentam o valor da tecnologia nos preços finais, mas diminuem a margem e ganham no marketing, na maior capacidade de vendas e na competitividade. No caso dos plásticos, o custo de agregar as partículas representa menos de 10% por quilo do produto”, explica Daniel.
Com tantos lançamentos e possibilidades de aplicações nanotecnológicas, a empresa, que tem a concorrência de outras estrangeiras, algumas já instaladas no Brasil, como a norte-americana Microban, não deixa de ter um contato mais próximo com as universidades brasileiras. “Sempre nos valemos das universidades para consultoria e troca de ideias. Um ponto recorrente é a caracterização no desenvolvimento e no final do produto, quando nos servimos dos microscópios eletrônicos das universidades”, diz Daniel. Os parceiros principais estão ligados à origem da empresa na UFSCar e na Unesp, com os professores Elson Longo e José Arana Varela, além de outros grupos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Hoje não adianta fazer alta tecnologia no Brasil se não se tiver o apoio da universidade”, diz o professor Elson. “Esses produtos exigem caracterização e laboratórios sofisticados com equipamentos como microscópios de varredura de alta resolução que custam € 600 mil, ou de transmissão de alta resolução, ao custo de € 1,3 milhão, além de aparelhos para difração de raios X, fotoluminiscência e outros que atingem um total de R$ 10 milhões”, diz. “Tudo isso para saber se o produto é realmente nanométrico e se cumpre as funções a que se destina. E as empresas não conseguem comprar esses equipamentos.”
Na Nanox, os sócios – Daniel, Luiz Gustavo Simões e André Luiz de Araújo – se conheceram no curso de graduação em química na UFSCar e amadureceram a ideia da empresa no mestrado na Unesp de Araraquara. “Começamos porque tivemos aprovado um projeto Pipe [Programa Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa da FAPESP] em 2004”, diz Daniel. A Nanox surgiu como Science Solution (leia em Pesquisa Fapesp n° 121) e se instalou no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas da Fundação Parqtec, em São Carlos. Em 2006 mudou de nome e recebeu aporte financeiro de uma empresa de capital de risco, o fundo Novarum, do grupo Jardim Botânico Investimentos. Embora as partes não revelem a quantia, informações de mercado indicam um investimento de R$ 1 milhão. “O aporte e mais a colaboração do fundo na gestão da empresa, com visão financeira, além da rede de contatos empresariais são muito importantes”, diz Daniel. Em relação à tecnologia, ele diz que desde a saída da universidade, a evolução dentro da empresa foi grande: “75% do nosso tempo é dedicado ao desenvolvimento de produtos e novas aplicações. São 20 funcionários, com profissionais com graduação, mestrado e dois com doutorado, além do presidente Luiz Gustavo”.
Outra empresa brasileira que incorporou nanotecnologia em seus produtos foi a Novelprint, de São Paulo, empresa de porte médio especializada em rótulos e etiquetas autoadesivas, além de fabricar máquinas de rotulagem, para grandes empresas como Nestlé, Bayer, Indústrias Muller, Heliar, Monsanto, Texaco e Cervejaria Kaiser, desde 1958. A Novelprint já está fornecendo a seus clientes materiais autoadesivos que contêm nanomateriais, como nanossílica, para, por exemplo, garrafas de vidro de cervejas e bebidas ice. Essas nanopartículas são translúcidas e permitem produzir rótulos mais transparentes e com melhor adesão às garrafas e a materiais plásticos, garantindo maior resistência ao material. Os nanomateriais aplicados a uma das camadas dos rótulos e etiquetas permite também que se utilize menos cola. “Reduzimos um terço da quantidade da cola, de 20 a 30 gramas por metro quadrado (g/m2), para 10 g/m2 com a nanossílica”, diz Derick Arippol, diretor técnico da Novelprint, empresa que sempre procurou desenvolver tecnologias próprias, contando atualmente com 95 patentes no Brasil, sendo 4 sobre nanomateriais, além de 3 nos Estados Unidos.
“Meu pai [Jeffrey Arippol, presidente da empresa] já imaginava adesivos com nanotecnologia em 2004, principalmente para baterias de carro e vasilhames de óleo automotivo que apresentavam problemas de aderência”, diz Derick, um físico que chegou a montar uma start-up (empresa iniciante) em computação gráfica nos Estados Unidos, mas preferiu voltar ao Brasil e trabalhar na empresa familiar. A concretização de um projeto nanotecnológico aconteceu em 2005, quando a empresa foi procurada pela Finep. A agência estatal ofereceu a oportunidade dentro do Programa Pró-Inovação e dois anos depois a Novelprint já ofertava produtos com nanotecnologia. Para executar esse projeto a empresa contratou dois recém-doutores do Instituto de Química da USP, que haviam trabalhado com nanotecnologia na universidade, mas não com adesivos ou rótulos. “Eles, dentro dos laboratórios da empresa e com a colaboração da universidade, identificaram qual material deveria ser usado, fizeram as formulações e processos até o produto final”, explica Simon Bahbouth, diretor da Radeco, consultoria que assessora a Novelprint.
Embora real o sucesso de empresas como Novelprint, Nanox e Dabi Atlante, ainda falta um cenário no país mais favorável aos produtos com nanotecnologia incorporada. “Falta informação para as empresas, porque muitos empresários não sabem o que é a nanotecnologia, além de um melhor intercâmbio com as universidades”, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que também é presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e presidente da empresa Vitopel, a maior produtora de filmes para embalagem da América Latina. Outro fator apontado por ele é a regulamentação de produtos nanotecnológicos que entram em contato com alimentos e bebidas, nas embalagens, por exemplo. “Na Vitopel desenvolvemos uma embalagem plástica com nanopartículas de prata incorporada que aumenta em até 70% o tempo de validade de uma verdura na prateleira”, diz José Ricardo. “Mas, como não há uma regulamentação da Anvisa, não temos segurança jurídica de que essas partículas nano não fazem mal à saúde quando em contato direto com alimentos e não podemos colocar o produto no mercado. Além disso faltam fornecedores locais de nanopartículas.”
Os projetos
1. Aplicação de coating cerâmico em superfícies metálicas (n° 2004/08778-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Luiz Gustavo Simões – Nanox; Investimento R$ 475.248,48 (FAPESP)
2. Coatings nanoestruturados transparentes aplicados a materiais vítreos (n° 2005/55876-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador André Luiz de Araújo – Nanox; Investimento R$ 384.415,00 (FAPESP)