A evolução dos microscópios eletrônicos e a expansão de seu uso trouxeram muitos benefícios para a humanidade, mais visíveis sobretudo no campo da saúde. Mas eles também fizeram avançar de forma acelerada o conhecimento dos materiais, de metais a cerâmicas, além de desvendar as diminutas formas, muitas vezes espetaculares, de amostras colocadas sobre suas lentes e mapeadas por feixes de elétrons. São belas imagens que podem ser colorizadas artificialmente na tela de um computador e ajudam a entender melhor a estrutura e composição principalmente de novos materiais desenvolvidos por pesquisadores científicos.
Nessa linha que une conhecimento e beleza plástica, o professor Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), compôs o livro Cristais em vidro – Ciência e arte. A obra marca os 35 anos do LaMaV e torna disponível para um público maior que o acadêmico algumas das 50 mil fotomicrografias científicas e artísticas geradas ao longo desse período.
O foco das pesquisas do laboratório coordenado por Zanotto concentra-se no desenvolvimento de novos tipos de vidro, no estudo de suas propriedades físico-químicas e na pesquisa aprofundada da cinética e dos mecanismos de cristalização de materiais vítreos, aspectos essenciais para o desenvolvimento de vitrocerâmicas. Esse material, sintetizado pela primeira vez há 59 anos, possui combinações de propriedades diferenciadas, como altíssima resistência e tenacidade com transparência, coeficiente de dilatação térmica muito baixa, durabilidade química e zero ou pouca porosidade. Por essas razões, o material tem sido empregado em diversas aplicações, desde utensílios para cozinha, principalmente em placas de aquecimento de fogões elétricos mais avançados, e até em áreas de alta tecnologia, como grandes espelhos para telescópios, substratos de discos rígidos de computadores e dentes artificiais.
As vitrocerâmicas são resultado do controle da cristalização, um fenômeno que ocorre quando um vidro, misturado a um agente nucleante – um aditivo como óxido de titânio, óxido de fósforo, prata ou cobre –, é submetido a altas temperaturas, entre 500 e 1.100 graus Celsius. Elas foram os materiais protagonistas desde o início do LaMaV. No livro, Zanotto conta que as pesquisas do laboratório sobre cinética e os mecanismos de cristalização de vidros começaram em 1977 com a sua dissertação de mestrado e prosseguiram com os estudos de doutorado. “Em janeiro de 1977 eu havia acabado de concluir o curso de engenharia de materiais na UFSCar (…) e me deparei por acaso com o livro de Peter McMillan sobre vitrocerâmicas e me encantei imediatamente com o assunto. Ocorreu-me que este novo tipo de material poderia ser um grande tema de pesquisa em ciência e engenharia de materiais e segui a minha intuição”, relata Zanotto.
Trinta e cinco anos depois, o LaMaV desfruta de prestígio internacional, com a publicação de cerca de 200 artigos científicos em revistas especializadas, e é considerado um dos sete principais centros de pesquisa em vitrocerâmicas do mundo, no nível dos laboratórios mantidos pelas universidades de Nagaoka, no Japão, de Missouri, nos Estados Unidos, e de Jena, na Alemanha, e dos institutos privados de pesquisa da Nippon Electric Glass, também no Japão, Corning Glass, nos Estados Unidos, e Schott Glass, da Alemanha. “Nossos estudos deram significativa contribuição para o entendimento dos processos que controlam a nucleação e o crescimento de cristais em inúmeros vidros. No campo científico, descrevemos processos cinéticos e testamos modelos teóricos. Na área tecnológica criamos ou melhoramos várias vitrocerâmicas, algumas em estágio comercial”, diz Zanotto.
“O fato mais significativo é que alguns dos principais fabricantes de vidro que produzem vitrocerâmicas comerciais têm utilizado vários dos nossos artigos para embasar o desenvolvimento de seus produtos”, relata o pesquisador no livro. Além de dirigir o LaMaV, Zanotto é chairman do Comitê de Nucleação, Cristalização e Vitrocerâmicas da International Commission on Glass, principal entidade mundial de pesquisa em vidros, e foi eleito em novembro passado membro da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS).
Um apanhado das atividades do LaMaV mostra que, ao longo de sua história, ele respondeu pela formação de vários mestres, doutores e pós-doutores e pelo desenvolvimento de diversos novos materiais vítreos. São vitrocerâmicas que imitam pedras caras, como mármore e granito, biovidros para fabricação de ossos e dentes artificiais, ou vitrocerâmicas derivadas da escória de alto-forno e de siderurgia – um resíduo industrial importante – , além de materiais bioativos, como o Biosilicato, para tratamento dentário, patenteado e já licenciado para uma empresa brasileira, a Vitrovita (ver em Pesquisa FAPESP n° 158).
“Algumas de nossas inovações foram criadas em conjunto com parceiros, como o biovidro para ossos e dentes, desenvolvido com a Universidade da Flórida. O material já é comercializado pela American Biomaterials”, afirma Zanotto. O LaMaV atua numa rede composta por 30 instituições, sendo 20 internacionais e 10 brasileiras. Já depositou 12 patentes, sendo as duas últimas, de 2010 e 2011, relativas a vitrocerâmicas para produção de placas de fogão, que já conta com duas empresas interessadas em sua fabricação no país, e vitrocerâmicas bioativas scaffolds. “Trata-se de um material bioativo, com a aparência de uma esponja, que pode ser usada como suporte para o crescimento de células ósseas”, explica o coordenador do LaMaV.
As pesquisas desenvolvidas por Zanotto, com os professores Ana Cândida Rodrigues, Oscar Peitl e seu grupo tiveram ao longo dos anos o apoio de várias agências de fomento, como FAPESP, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O pesquisador coordenou dois grandes projetos da Fundação – “Problemas correntes sobre cristalização de vidros”, já encerrado, e “Processos cinéticos em vidros e vitrocerâmicas”, em andamento – realizados em seu laboratório em São Carlos, que possui 800 metros quadrados de área.
Projetos
1. Problemas correntes sobre cristalização de vidros (nº 1999/00871-2); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Edgar Dutra Zanotto – UFSCar; Investimento R$ 468.674,44 e US$ 190.408,30 (FAPESP)
2. Processos cinéticos em vidros e vitrocerâmicas (nº 2007/08179-9); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Edgar Dutra Zanotto – UFSCar; Investimento R$ 343.670,74 e US$ 573.410,28 (FAPESP)