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Física

Atalho para a computação quântica

Grupos internacionais testam estratégia para realizar, em chip de vidro, operação impossível para computadores convencionais

ana paula camposQuatro equipes internacionais de pesquisadores criaram, de maneira independente, uma calculadora que funciona por meio das estranhas propriedades quânticas da luz. A versão dessa calculadora quântica executada com a participação de brasileiros, por exemplo, resolve uma operação matemática depois que milhares de trios de fótons (partículas de luz) percorrem um pequeno chip de vidro, do tamanho de uma lâmina de microscópio.

Esses aparatos fazem parte de mais uma tentativa de comprovar na prática que a computação quântica tem capacidade de superar a convencional – por enquanto, algo previsto em teoria. As calculadoras criadas por esses grupos são na verdade o que os físicos vêm chamando de computadores quânticos restritos. Planejados para realizar um tipo específico de cálculo, eles são uma versão simplificada dos sonhados computadores quânticos universais, que, em princípio, poderiam fazer qualquer tipo de operação matemática. Enquanto esses últimos devem demorar décadas para superar o desempenho dos computadores clássicos, os físicos acreditam que, em pouco mais de 10 anos, os computadores quânticos restritos realizarão cálculos impossíveis até mesmo para o mais poderoso dos supercomputadores atuais.

Os aparatos projetados e desenvolvidos pelas quatro equipes, por enquanto, demoram duas semanas para completar uma operação matemática complicada envolvendo matrizes que, embora não seja trivial, qualquer laptop caseiro resolveria em segundos. Ainda que não impressionem por sua velocidade, esses dispositivos estão empolgando os físicos porque versões um pouco mais aprimoradas podem em breve desafiar os limites da computação clássica.

“Esses são os primeiros de uma série de experimentos planejados para realizar cálculos cada vez mais difíceis de serem repetidos por computadores comuns”, afirma o físico Ernesto Galvão, da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, Rio de Janeiro. Ele e seu aluno de doutorado Daniel Brod colaboraram no experimento realizado no ano passado no laboratório dos físicos Paolo Mataloni e Fabio Sciarrino, da Universidade Sapienza de Roma, na Itália.

Computadores quânticos aproveitam as leis da mecânica quântica, que regem o comportamento da luz, de átomos e de moléculas, para executar cálculos a uma velocidade exponencialmente maior. Eles poderiam, por exemplo, escrever qualquer número inteiro como o produto de uma série de número primos, operação conhecida como fatoração. Enquanto os computadores atuais levam anos para fatorar números grandes, com centenas de dígitos, um computador quântico com memória suficiente poderia fazer a conta em segundos. Mas até agora os físicos só conseguiram construir computadores quânticos com memória que permite fatorar o número 21.

Redução nas expectativas
Diante da dificuldade de criar computadores quânticos universais, programáveis para executar diversas tarefas, os físicos passaram nos últimos tempos a projetar computadores quânticos restritos, que funcionam mais como calculadoras do que computadores.

ana paula camposOs computadores quânticos restritos que estão sendo desenvolvidos e aperfeiçoados pelos quatro grupos internacionais se baseiam em uma estratégia proposta em 2010 e batizada como amostragem bosônica. Apresentada em 2010 pelo cientista da computação Scott Aaronson e pelo matemático Alex Arkhipov, ambos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, essa estratégia usa a dificuldade de estimar o comportamento de fótons percorrendo um circuito óptico para realizar uma tarefa computacional difícil de calcular.

Em um circuito em que há cinco caminhos paralelos para fótons, qual a probabilidade de três fótons idênticos que ingressam ao mesmo tempo, cada um por uma entrada diferente, por exemplo, 1,2 e 3, saltarem de um caminho para outro e saírem em uma sequência específica, como 2, 3 e 5? Para chegar ao resultado desse cálculo, é preciso executar uma operação matemática com matrizes, cujos números dependem das propriedades do circuito e do número de fótons (ver infográfico acima).

A dupla do MIT descobriu que o tempo que um computador convencional levaria para realizar o cálculo cresce exponencialmente à medida que aumenta o número de fótons e de caminhos do circuito. Em um exemplo com 30 fótons, supercomputadores provavelmente gastariam horas para encontrar a resposta. Com 100 fótons, então, demorariam anos.

Em 21 de dezembro de 2012, data em que uma profecia atribuída aos maias previa o apocalipse, Aaronson brincava em seu blog: “Se o mundo acabar hoje, pelo menos não será sem a demonstração do protocolo de amostragem bosônica”. Naquele dia a revista Science publicou os resultados de dois experimentos que haviam implementado sua ideia, um liderado por Ian Walmsley, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e outro por Andrew White, da Universidade Queensland, na Austrália. Os resultados conquistados pelas outras duas equipes – a ítalo-brasileira e a de Philip Walther, do Instituto de Ótica Quântica e Informação Quântica, na Áustria – apareceram naquela mesma semana no site arXiv, um repositório de trabalhos científicos, e foram publicados em 26 de maio deste ano na revista Nature Photonics.

De acordo com Galvão, o trabalho de sua equipe apresenta uma vantagem que será importante em experimentos futuros. Enquanto a maior parte das propriedades do circuito usado pelos outros grupos é fixa, o chip de vidro feito no laboratório do físico Roberto Osellame, do Instituto de Fotônica e Nanotecnologia, em Milão, é flexível. Os pesquisadores podem ajustar arbitrariamente as probabilidades de os fótons pularem de um caminho do circuito para outro. “É possível controlar o caminho dos fótons”, explica. “Isso pode ser útil na pesquisa de óptica quântica em geral.”

Paulo Souto Ribeiro, físico experimental especialista em óptica quântica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera razoável o prazo de 10 anos para que a velocidade de cálculo dos aparatos usando amostragem bosônica ultrapasse a dos computadores clássicos. “Mas essa é uma estimativa com grande incerteza”, diz Ribeiro. A razão é que ainda é muito difícil criar fótons idênticos em grande quantidade e controlar a perda de fótons ao longo do percurso em circuitos maiores. Também não se sabe se os cálculos da amostragem bosônica teriam alguma utilidade prática. Ribeiro conta que dispositivos semelhantes vêm sendo desenvolvidos para futuramente simular o comportamento de elétrons em materiais supercondutores.

Artigo científico
CRESPI, A. et al. Integrated multimode interferometers with arbitrary designs for photonic boson sampling. Nature Photonics. Publicado on-line. 26 maio, 2013.

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