A Alemanha sediará, pela primeira vez, a FAPESP Week, simpósio organizado pela Fundação para divulgar no exterior a ciência realizada em São Paulo e estimular colaborações internacionais – já houve edições do evento no Reino Unido, Japão, Espanha, Estados Unidos e Canadá. O simpósio acontecerá em outubro em Munique e terá duração de quatro dias, com apresentações de pesquisadores dos dois países. A preparação do evento marca a aproximação entre a FAPESP e a Max Planck Society for the Advancement of Science, principal organização de pesquisa básica da Alemanha, cuja presidência fica em Munique, a capital da Baviera.
Representantes das duas instituições discutem os termos de um possível acordo de cooperação capaz de aprofundar as relações já existentes entre pesquisadores alemães e do estado de São Paulo e de abrir novos caminhos para pesquisa colaborativa, além de promover o intercâmbio de pesquisadores e estudantes. “Há um grande potencial para colaboração e esperamos conseguir transformar esse potencial em projetos de pesquisa conjuntos”, diz Andreas Trepte, chefe do escritório de relações com a América Latina da Max Planck Society, sediado em Buenos Aires. “Os tópicos para colaboração poderão abranger desde pesquisa climática na Amazônia e doenças tropicais até novos materiais ou biofármacos”, diz Trepte.
A Max Planck Society agrega 82 institutos de pesquisa – 76 deles na Alemanha – dedicados a pesquisas que vão das humanidades à biologia evolutiva, da física de plasmas à inteligência artificial, com mais de 22 mil pessoas envolvidas e um orçamento da ordem de R$ 5 bilhões anuais, formado por receitas estaduais e federais naquele país. Dezessete pesquisadores ligados à instituição já foram laureados com o Prêmio Nobel.
A ciência brasileira ocupa uma posição pouco proeminente nas relações com a Max Planck Society. Entre os países latino-americanos, o Brasil perde para o México em número de estudantes de doutorado e pesquisadores de pós-doutorado recebidos pelos institutos. São 105 pesquisadores brasileiros, ante cerca de 120 do México. “Temos cerca de 450 pesquisadores vindos da América Latina. É mais ou menos o mesmo número de norte-americanos, mas o nível está muito aquém de países asiáticos: há 800 chineses e 700 indianos.” O Brasil aparece em primeiro quando são contabilizadas parcerias celebradas diretamente entre pesquisadores dos dois países, com pouco envolvimento institucional. Já quando são levados em conta os projetos colaborativos, aqueles em que efetivamente há pesquisadores dos dois lados trabalhando em conjunto e compartilhando laboratórios e equipamentos, o destaque latino-americano é a Argentina – que abriga, inclusive, um instituto parceiro da Max Planck Society com o Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), o Instituto de Pesquisa em Biomedicina de Buenos Aires.
O instituto argentino é liderado por Eduardo Arzt, que foi pesquisador do Instituto de Psiquiatria Max Planck em Munique e é membro externo da Max Planck Society. A proximidade científica com a Argentina e o apoio institucional que o instituto parceiro recebe do Conicet levaram a Max Planck Society a instalar em Buenos Aires um dos dois escritórios de cooperação que tem no mundo – o outro fica em Bruxelas, para a ligação com as instituições europeias. Trepte, que é graduado em estudos latino-americanos e tem um doutorado em economia, atua na Max Planck Society desde a unificação das duas Alemanhas, quando ajudou na criação de 20 novos institutos em cidades da extinta Alemanha Oriental, foi designado para o posto em Buenos Aires. “Queremos estabelecer o mesmo nível de cooperação que temos com a Argentina com outros países da América Latina”, afirma Trepte. “Considerando a importância da ciência desenvolvida na Alemanha e em São Paulo, a cooperação ainda está abaixo do possível.”
Trepte observa que a condição para que a cooperação prospere é que cientistas de alto nível da Alemanha e do Brasil, trabalhando em temas da fronteira do conhecimento, aceitem uns aos outros como parceiros e comecem a trabalhar juntos. A principal diretriz da Max Planck Society é o chamado princípio de Harnack, referência a uma regra postulada por Adolf von Harnack, primeiro presidente da Kaiser Wilhelm Society, precursora da Max Planck, que consiste em acolher as mentes mais brilhantes atuando em temas interdisciplinares e dar-lhes liberdade e condições ideais de trabalho. Uma vez designados, os chefes de departamentos ou os grupos de pesquisa dos institutos não seguem currículos ou programas de pesquisa determinados pela organização, mas sim a própria intuição, o que os estimula a produzir conhecimento original. “Acompanhamos para onde a fronteira do conhecimento está se movendo, mas a decisão de investir nesses campos dentro dos institutos Max Planck depende de identificar pesquisadores de alto nível capazes de enfrentar esse desafio, independentemente de sua nacionalidade”, diz. “Para aproximar cientistas desse nível do Brasil e da Alemanha, eventos catalisadores como a FAPESP Week serão fundamentais”, afirma Trepte.
Um dos primeiros passos, segundo ele, é identificar áreas para iniciar os projetos colaborativos. “Num exemplo possível, poderíamos aproximar especialistas do Instituto Max Planck para Biologia Infecciosa, em Berlim, de pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, para trabalhar juntos e coordenar grupos de pesquisa em busca de uma nova vacina contra a tuberculose. Ou estimular colaborações entre grupos que investigam novos materiais dos dois países que tenham interesses em comum”, explica. Desde 2009, o Instituto Max Planck de Química mantém colaboração com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para a construção de uma torre de 320 metros de altura, num programa que busca estudar o papel da floresta amazônica no ciclo global de carbono.
Trepte considera importante a assinatura de um acordo de cooperação entre a Max Planck Society e a FAPESP. “Nossa experiência com países latino-americanos mostra que a falta de instrumentos jurídicos é um dos principais obstáculos para organizar as possibilidades de parceria”, afirma Andreas Trepte. Na Alemanha, a FAPESP já mantém acordos com cientistas apoiados ou ligados ao Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), ao Deutsche Forschungsgemeinschaft (DFG) – Fundação de Pesquisa Alemã – e ao Ministério de Estado de Ciências, Pesquisa e das Artes do Estado Livre da Baviera.
Afinar os interesses da FAPESP e da Max Planck Society, diz Trepte, envolve alguns desafios. “Há uma enorme diferença entre os sistemas de ciência, tecnologia e inovação do Brasil e da Alemanha”, diz. Na Alemanha, metade da capacidade de pesquisa vinculada ao setor público está nas universidades, enquanto a outra metade é dedicada a instituições de pesquisa com finalidades determinadas. Os institutos Max Planck dedicam-se à pesquisa básica, a Fraunhofer Society tem cerca de 70 institutos de pesquisa aplicada e a Associação de Centros de Pesquisa Helmholtz mantém laboratórios para temas estratégicos. “Essa estrutura não encontra paralelo nos países com quem mantemos acordos. Por isso é importante criarmos eventos que coloquem os dois sistemas em contato, para que aproximemos os melhores pesquisadores”, diz.
A presença de pesquisadores de fora da Alemanha nos institutos Max Planck tem um peso importante na capacidade de pesquisa dessas instituições. “A Max Planck Society tem 62 escolas, os International Max Planck Research Schools, que recrutam internacionalmente os seus alunos de doutorado – só os melhores são aceitos. Mais de 50% deles não são alemães”, afirma Trepte. “No nível de pós-doutorado, mais de 80% vêm de fora. A maioria das posições é divulgada internacionalmente, em anúncios em revistas como Science e Nature, e em websites bem conhecidos. O recrutamento é feito com base na qualidade, não na origem do candidato. Há espaço para termos mais brasileiros em nossos institutos e mais cientistas dos institutos Max Planck colaborando na Europa com laboratórios brasileiros”, afirma.
Outras possibilidades de parceria, observa Trepte, são, por um lado, os grupos de pesquisa parceiros da Max Planck Society. Espalhados por vários países, são liderados por pesquisadores que atuaram em institutos Max Planck e retornaram ao país natal. “Durante cinco anos, esses grupos recebem financiamento local e também da Max Planck Society. Isso permite repatriar esses pesquisadores, mantendo o vínculo com o instituto na Alemanha”, afirma Trepte. Por outro lado, há os grupos Max Planck de pesquisa independentes, que se estabelecem em cooperação com um parceiro local em campos altamente inovativos e cujos líderes sao recrutados em chamadas internacionais. “A ideia é dar aos mais talentosos jovens pesquisadores a oportunidade de liderar um projeto de pesquisa, inteiramente sob sua responsabilidade, e formar cientistas de reputação internacional, capazes de administrar pesquisas no futuro.”
Muitos cientistas dos institutos Max Planck têm grande interesse em trabalhar com estudantes e pesquisadores latino-americanos, vistos como muito criativos. “Eles conseguem trabalhar bem em condições que estão longe do ideal. Têm grande talento em improvisar. Tive uma reunião com pesquisadores que coordenam as escolas de pesquisa e recebem jovens pesquisadores em nossos institutos. Perguntei se gostariam de receber mais latino-americanos e eles responderam: é claro. Mas poucos se candidatam”, afirma. Como chefe do escritório na América Latina, Trepte acostumou-se a ouvir de pesquisadores que trabalhar na Alemanha seria difícil por causa do idioma. “Sempre respondo que, com exceção dos institutos no campo das humanidades, em todos os outros o inglês é a língua principal.” Ele lembra que ter um vínculo com a Max Planck Society é uma credencial respeitável. “Somos uma das mais importantes instituições de pesquisa básica em nível internacional. Entre as instituições com o maior número de artigos altamente citados, a Max Planck Society aparece em segundo lugar, após a Universidade Harvard. Quem consegue manter parcerias conosco se beneficia disso”, afirma.
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