Podcast: William Lee Burnquist
Para Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade cujos associados respondem por mais da metade da produção nacional, o desenvolvimento da cana transgênica do CTC reflete os avanços tecnológicos do setor sucroenergético brasileiro. “Com a entrada definitiva dessas versões geneticamente modificadas no mercado, os produtores terão canaviais mais rentáveis e resistentes a doenças e pragas”, informou a Unica por meio de nota.
Com a aprovação pela CTNBio, a cana transgênica será introduzida de forma gradual com o acompanhamento das áreas plantadas. Ela será inicialmente vendida para produtores selecionados, principalmente do Centro-Sul, onde a variedade se adapta melhor, que se comprometerem a seguir padrões de controle e multiplicação, sem a industrialização. Durante dois a três anos, toda a cana produzida será usada como muda. “Vamos desenvolver também variedades geneticamente modificadas para outras regiões e diferentes tipos de solo”, diz o engenheiro-agrônomo William Lee Burnquist, diretor de Melhoramento Genético do CTC.
O ciclo da broca se inicia quando a mariposa põe seus ovos nas folhas da cana. Ao eclodirem, as larvas passam a comer a polpa do colmo (caule). Os furos feitos por elas fragilizam a planta, que fica sujeita a ser derrubada pelo vento. Além disso, permitem o ataque de fungos, como Colletotrichum falcatum e Fusarium moniliforme, causadores da podridão vermelha, doença que reduz a pureza do caldo e a qualidade do açúcar e do álcool produzidos.
A cana transgênica foi desenvolvida para enfrentar esses problemas. “Introduzimos no genoma da planta o gene Cry1Ab da bactéria de solo Bacillus thuringiensis, a mesma usada para desenvolver milho, soja e algodão geneticamente modificados resistentes a insetos”, relata Burnquist. O Cry1Ab é clonado em laboratório por engenharia genética. Em seguida, micropartículas de ouro são recobertas com cópias do gene e introduzidas no genoma da cana, que passa a produzir uma proteína tóxica para a broca (ver infográfico). A planta modificada é multiplicada em viveiro e, em seguida, cultivada no campo.
“Assim que nasce, a larva tem contato com essa toxina”, conta Burnquist. “Quando ela sai do ovo, começa a se alimentar da planta, ingere a proteína e morre antes de furar o colmo.” Hoje, os produtores combatem a broca-da-cana com inseticidas químicos e controle biológico – pequenas vespas da espécie Cotesia flavipes são soltas no campo para parasitar as lagartas (ver Pesquisa FAPESP nº 195).
As pesquisas do centro começaram em 1994 e posteriormente receberam o impacto da capacitação profissional promovida pelo Projeto Genoma Cana, entre 1998 e 2004, realizado por vários grupos em universidades e institutos de pesquisa e financiado pela FAPESP e pelo CTC. “Nesse período, a capacitação profissional em biotecnologia canavieira foi muito grande. Aqui no CTC, muitos dos profissionais colaboraram no Projeto Genoma Cana, na Alellyx [empresa spin-out do projeto genoma, depois comprada pela Monsanto] ou tiveram aulas com aqueles que participaram”, conta Burnquist.
No fim de 2015, a empresa protocolou na CTNBio o pedido de liberação comercial. A biossegurança da planta geneticamente modificada foi analisada por várias subcomissões do órgão, que consideraram a nova variedade segura sob os aspectos ambiental, vegetal, de saúde humana e animal. Os estudos do CTC mostraram que o gene Cry1Ab é eliminado dos derivados da cana, durante a fabricação do açúcar e do etanol, e não causa danos ao solo.
O CTC já solicitou a autoridades dos Estados Unidos, Canadá e outros países a liberação da venda de açúcar produzido a partir da cana transgênica, o que só deve ocorrer em alguns anos. Das 150 nações para as quais o Brasil exporta o produto, cerca de 40% impõem barreiras ao açúcar oriundo de cana transgênica.
Outra pesquisa para tornar a cana imune a pragas é feita na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba. Lá, o engenheiro-agrônomo Márcio de Castro Silva Filho se dedica desde a década de 1990 a entender como a cana reage ao ataque de insetos (ver Pesquisa FAPESP nº 125).
O pesquisador descobriu há alguns anos um gene na própria cana com ação antifúngica. Batizado de sugarina, ele estimula a produção de substâncias tóxicas que matam os fungos causadores da podridão vermelha. “Notamos que os genes que expressam proteínas contra a Diatraea saccharalis quando ela ataca a planta o fazem de forma sistêmica, ou seja, todos os tecidos do vegetal produzem essas proteínas”, explica Silva Filho. “No caso do sugarina é diferente, ele só se expressa no ponto que a broca atacou.”
A descoberta levou o pesquisador a estudar o fenômeno. “Vimos que a proteína expressa pelo sugarina não tem efeito sobre a lagarta, mas contra os fungos C. falcatum e F. Moniliforme”, conta. “Recentemente, verificamos que variedades de cana com maior expressão dos sugarinas apresentam menores níveis de infestação de fungos. Essa descoberta poderá auxiliar o desenvolvimento de variedades mais tolerantes.”
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