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Tecnologia

Cada um recebe um pedaço do problema

Computação paralela substitui supercomputador

O administrador Sidney Pio de Campos ainda lembra dos velhos tempos. “Não conseguíamos atender todos os usuários com problemas de conexão”, diz o responsável pela rede de informática do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O sistema do instituto de Campinas não era apenas lento. Era precário e pouco confiável.

A antiga estrutura de rede, por exemplo, não tinha um painel de controle no qual era possível localizar onde estava a origem de um problema. “Era necessário percorrer todo o instituto, prédio por prédio, até achar o ponto com problemas e corrigi-los”, afirma. Na maioria das vezes o problema era um cabo solto.

A solução começou a surgir em 1995, quando o instituto recebeu as primeiras verbas da FAPESP para modernizar sua rede de informática. Toda a estrutura foi substituída por um sistema mais moderno, com base em fibras ópticas. Hoje, um backbone de fibra óptica liga os 14 prédios do Instituto de Física da Unicamp. O sistema tem mais de 700 pontos de rede, mas isso não assusta os responsáveis. A capacidade total é para mais de 1.200 pontos.

Tornou-se possível um enorme aumento na velocidade da transmissão de dados. Quando a Internet apareceu, na década de 80, a velocidade máxima de transmissão era de 56 quilobits por segundo. No início da década de 90, já tinha saltado para 45 megabits por segundo. Hoje, as boas redes permitem velocidades de entre 100 e 155 megabits por segundo. A linha que liga a FAPESP à USP já trabalha com uma velocidade de 1 gigabits por segundo. E, segundo os técnicos, não está longe o dia em que as redes locais chegarão a essa mesma velocidade.

Publicações científicas
Para o diretor do instituto e presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, ainda é cedo para avaliar o real impacto de redes como essa nas pesquisas científicas. “Os resultados só vão aparecer daqui a dez anos, quando for examinada a evolução no índice de publicações científicas e de teses publicadas”, afirma. “Hoje, ainda não é possível notar essa evolução. Mas podemos afirmar com certeza que facilitar o fluxo de informações sempre aumenta a velocidade e a qualidade da produção de conhecimento.”

Marco Aurélio Pinheiro de Lima, do Departamento de Física Quântica, apóia. “Hoje em dia, o sistema computacional de um instituto determina sua capacidade criativa”, declara. “Se a infra-estrutura é ruim, já se sabe que as pesquisas não vão muito longe. Os problemas são muito sofisticados e demandam uma computação de alto desempenho.”A rede tornou as conexões mais estáveis e o transporte de dados mais rápido, com velocidade de até 100 megabits por segundo. Os problemas da Física, hoje, por exemplo, envolvem cálculos complexos e a transferência de uma grande massade dados. Com uma boaconexão, um pesquisador pode usar vários computadores ao mesmo tempo. O efeito é o mesmo do uso de um supercomputador.

Esse recurso, conhecido como computação paralela, é muito usado pelos físicos da Unicamp. Um único problema é dividido em diversas partes e então cada parte vai para uma CPU. Quando os cálculos estão concluídos, os dados voltam a ser reunidos numa única máquina, que controla toda a operação até que se chegue ao resultado final.

A computação paralela, tornada possível por uma rede de altaqualidade, tem muitas vantagens. Em primeiro lugar, poupa ao instituto pesados investimentos em máquinas mais sofisticadas. Em segundo, pode ser usada a partir de qualquer ponto da rede. “Aqui, é comum um pesquisador pedir licença para usar máquinas de outros usuários, quando eles têm capacidade ociosa”, diz o professor Pinheiro de Lima. “Quando um pesquisador recebe uma máquina, ela é automaticamente ligada à rede. Se o pesquisador não a usa integralmente, está apto a dividi-la com quem precisa. Por isso, nossos equipamentos são usados em 95% do tempo, inclusive nos fins de semana.”

Pesquisa internacional
A rede trouxe outras mudanças para o dia-a-dia do instituto. O correio eletrônico passou a ser, de longe, o método de comunicação mais usado, tanto nos contatos internos como nos externos. “Se você precisa de uma resposta rápida, é mais garantido mandar uma mensagem pela rede do que usar o telefone”, comenta o presidente da comissão de informática do instituto e professor do Departamento de Raios Cósmicos do IFGW, José Augusto Chinellato.

Para o professor Chinellato, a rede tornou possível, também, a participação numa importante pesquisa internacional, o projeto Auger. Nesse projeto, com o apoio da FAPESP, pesquisadores da Unicamp participam com cientistas de mais de 20 países da operação e análise dos dados recolhidos pelo observatório de raios cósmicos Pierre Auger, construído na região semidesértica de Pampa Amarilla, no sul da província de Mendoza, na Argentina.

Sem uma rede como a existente na Unicamp, ligada à rede ANSP e à Internet, esses cientistas nem poderiam sonhar em participar do projeto. Seu objetivo é detectar, examinar e interpretar raras partículas de alta energia que penetram na atmosfera, vindas do espaço. A esperança dos cientistas é obter mais informações sobre o big-bang, a grande explosão que, segundo uma das teorias mais aceitas da Física, teria dado origem ao universo. Trata-se de um projeto que envolve tanta tecnologia e tanto dinheiro que tornou necessária uma cooperação internacional. Só a contribuição do Brasil deve chegar a US$ 3,5 milhões, parte desse montante investido pela FAPESP.

“A participação em projetos como o Auger seria completamente inviável sem um meio rápido de transmissão de dados”, comenta o professor Chinellato. “A entrada do IFGW só foi possível porque o instituto está tecnologicamente à altura do projeto.” Chinellato conta que se mantém em contato constante com pesquisadores dos Estados Unidos, Rússia, China, Argentina, Grécia e outros países, discutindo e trocando informações. Os dados recolhidos pelo observatório são enviados diariamente para um banco situado na Itália.

Ele não foi o único beneficiado. Parte do trabalho do pesquisador Douglas Galvão, da área de Biofísica do instituto, é discriminar moléculas potencialmente cancerígenas e propor drogas mais eficientespara seu controle. A pesquisa exige cálculos só possíveis com computadores de alto desempenho. Antigamente, Galvão recorria com freqüência ao supercomputador Cray do centro do Cenapad, no Rio Grande do Sul.

O uso do equipamento à distância, porém, dificultava o trabalho. “A situação era crítica, pois muitas pessoas usavam o supercomputador”, ele lembra. Com a capacidade de processamento paralelo da rede, Galvão passou a fazer seus cálculos no próprio instituto. “Isso facilitou bastante nossa pesquisa”, declara.

Os casos do Instituto de Física de Campinas não são isolados. As pesquisas, hoje, tendem a ser cada vez mais multidisciplinares e cooperativas. Em muitas áreas, ter acesso ou não às novas tecnologias pode significar para um grupo ter ou não capacidade de produzir ciência.

“Hoje há uma nítida separação entre os países que têm acesso à tecnologia da informação e os que não têm”, comenta o professor Brito Cruz. “Por isso, o grande mérito dos programas de infra-estrutura da FAPESP foi o de colocar as universidades paulistas do lado dos que têm acesso à essa tecnologia.” Mas ele mesmo adverte: “Não podemos achar que está tudo pronto. A evolução dessa tecnologia é muito rápida”.

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