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Carta da Editora | 149

A construção de uma liderança a longo prazo

Só na aparência mais superficial e rasa, a reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP é restrita à instituição que publica esta revista. Numa perspectiva mais compreensiva e afiada, ela diz respeito na verdade à economia de São Paulo, à do Brasil e ao papel que o país pretende jogar nos próximos anos na cena internacional dentro de uma das questões de infra-estrutura mais decisivas para o futuro do planeta, seja em termos da conformação das sociedades ou da preservação do meio ambiente: a redefinição da matriz energética em escala global. Sem megalomanias, baseado na competência da pesquisa científica e tecnológica acumulada no estado de São Paulo, o Programa de Pesquisa em Bioenergia, Bioen, lançado pela FAPESP no último dia 3 e detalhado a partir da página 20 por nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, pode oferecer dentro de algum tempo contribuições tecnocientíficas efetivas para uma ampliação consistente e irreversível do etanol dentro da matriz energética, em especial no setor de transporte, onde é visto como a indiscutível estrela em ascensão para substituir os combustíveis derivados de petróleo.

Como diz na reportagem o diretor científico da Fundação, Carlos Hen­­ri­­que de Brito Cruz, “o Brasil tem vantagens acentuadas na produção de etanol de primeira geração, feito a partir da fermentação da sacarose, mas há vários desafios que precisamos vencer para melhorar sua produtividade”. A par disso, ele acrescenta, “há oportunidades importantes de desenvolvimento tecnológico do etanol de segunda geração, produzido a partir de celulose, que vem sendo alvo de pesquisas em muitos países. O Bioen atua em ambas as frentes”. Para isso o programa se organiza em cinco vertentes: pesquisa sobre biomassa, com foco no melhoramento da cana-de-açúcar; processos de fabricação de biocombustíveis; aplicações do etanol para motores automotivos; estudos sobre biorrefinarias e alcoolquímica; e, por último, impactos sociais e ambientais do uso de biocombustíveis. Os detalhes, incluindo a articulação com outras instituições, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e com grandes empresas privadas, estão na reportagem em questão. De leitura imperdível, creiam.

É interessante que justamente nesta edição possamos trazer a entrevista pingue-pongue do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, com sua incansável reflexão sobre as vias econômicas para o desenvolvimento do Brasil – largamente baseadas em ciência e tecnologia -, sobre as quais se debruça há quase seis décadas. Uma primeira parte dessa entrevista, a que se refere à infância do menino piauiense que um dia ele foi e às suas contribuições para a montagem da estrutura institucional de C&T no país nas décadas de 1960 e 70, foi na verdade feita em fins de 2005 para minha tese de doutorado. Desde então procuramos insistentemente acertar nossas agendas para a conclusão da entrevista, o que só aconteceu, enfim, na quinta, 26 de junho último, um mês depois, portanto, da abertura do XX Fórum Nacional, ou seja, uma edição em números redondos do evento que ele organiza anualmente desde 1988 para debater o Brasil. Quase sempre o fórum é aberto pelo presidente da República, e dessa vez ele não fugiu à regra. Mas no fechamento, depois de quatro manhãs e tardes de palestras e debates exaustivos com ministros, presidentes de grandes empresas, respeitados pesquisadores de múltiplos campos e outros especialistas, o ex-ministro resolveu ser absolutamente inovador: concluída a apresentação de tantas idéias e propostas sobre a sociedade do conhecimento que devemos construir no Brasil, com base numa economia criativa, e reiterada de muitas formas a rara oportunidade que o país tem hoje de se tornar um player, como se diz, fundamental na cena internacional ou “o melhor dos BRICs”, como quer Reis Velloso, ele compôs uma mesa para discutir “O amor em tempos de desamor” e encerrar com forte carga de emoção os trabalhos do fórum no final da manhã da sexta, 30 de maio.  A visão ou as visões do incansável economista podem ser conferidas na entrevista a partir da página 12.

Destaque especial vale a reportagem sobre as cirurgias de redução do estômago, elaborada pela editora assistente de ciência, Maria Guimarães. No texto ela explica em detalhes por que essa operação, a par de resolver em larga escala o problema da obesidade mórbida, termina auxiliando no tratamento de diabetes e até servindo de proteção contra o aparecimento de cânceres. A reportagem seria forte candidata à capa da revista se não tivéssemos um assunto de alcance tão mais largo quanto o programa de pesquisa em etanol.

Para encerrar, um fato muito triste do mês de junho, a morte súbita da antropóloga Ruth Cardoso, é a razão do texto do jornalista Gonçalo Junior, a partir da página 106, sobre a trajetória dessa mulher especial,  seu significado para o ensino e a pesquisa em ciências sociais em São Paulo e, em paralelo, sua capacidade de transferir para a prática política suas reflexões acadêmicas, em especial quando se viu na função de primeira-dama, de 1995 a 2002. Colocamos em destaque na página 109 o pequeno mas precioso e sensível depoimento do  filósofo José Arthur Giannotti sobre Ruth Cardoso.

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